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2 A INGLATERRA VITORIANA: O CONTEXTO DE OSCAR

2.4 OSCAR WILDE: GÊNERO E OBRA

2.4.4 Teatro

A obra teatral de Oscar Wilde constitui seu maior gênero, tipo de texto pelo qual o autor se consagrou, contemplando a tragédia e a comédia. De acordo com a nota introdutória da tradução de Oscar Mendes de Obra Completa (2003, p. 449), até mesmo os críticos modernos unanimemente ressaltam o valor da obra dramática de Wilde. Mendes enumera as muitas qualidades do autor nesse gênero:

Seus dons de conversador brilhante, inteligente, sedutor, com suas frases audaciosas, seus ditos de espírito, seus paradoxos, sua ironia por vezes tão agudamente ferina, sua extrema habilidade na composição do diálogo, sua feliz utilização dos efeitos dramáticos, sua arte da gradação emocional e do desfecho artístico, tudo se harmoniza para dar às suas peças, principalmente as do período final da sua gloriosa carreira de escritor, as qualidades que foram duradouras. (MENDES, 2003, p. 449).

Sua primeira peça foi Vera ou os niilistas (1882). Seu enredo fala sobre Vera, uma mulher engajada com o movimento niilista na Rússia na metade do século XIX e o Czarevich, seu inimigo político e seu amor. Contém personagens muito elaborados, segundo Robbins (2011, p. 133), como Vera, muito melodrama e algum wit24, que caracterizaria a obra de Wilde futura. Encenada na América, pois Wilde não se arriscaria a ofender o Príncipe de Gales, amigo da família imperial russa, a peça não foi muito bem recebida, sendo retirada de cena após uma semana de temporada. Esclarece Mendes (2003, p. 454):

Trata-se de um melodrama, cheio de sentimentalismo, de grandiloquência, por vezes, além dos anacronismos flagrantes e da falsidade de tipos. Mas já se encontram algumas das qualidades que irão marcar o teatro wildiano: sua arte da expectativa, dos golpes teatrais, do jogo paradoxal das situações e da figura do elegante, cínico, inteligente, amoral, dizendo frases de espírito e exibindo paradoxos cintilantes.

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Elemento em uma obra teatral ou literária criado para conferir humor, provocando o riso ou o divertimento do público ou do leitor.

Seguindo a mesma linha dramatúrgica está a peça A duquesa de Pádua (1883), a qual não obteve muito sucesso, com três semanas em cartaz. Escrita em versos brancos, assume particularidades do melodrama romanesco, com personagens pouco críveis e mudanças psicológicas repentinas:

Beijam-se pela primeira vez neste ato, quando de repente a Duquesa contorce-se no terrível espasmo da morte, rasga na agonia suas vestes e, finalmente com o rosto contorcido e deformado de dor, cai para trás, morta, numa cadeira. Guido, agarrando o punhal que ela tem no cinto, mata-se. E, ao cair sobre os joelhos dela aferra-se à capa que está no espaldar da cadeira (WILDE, 2003, p. 558).

Uma tragédia florentina é uma peça teatral escrita por Oscar Wilde, encontrada em fragmentos e incompleta por Robert Ross. Em 1906, quando Salomé era encenada no Literary Theatre Society, foi finalizada pelo poeta e dramaturgo Thomas Sturge Moore a pedido de Ross para que figurasse no programa teatral como um drama curto. Outra peça romântica do autor, esta tem alusões shakespearianas e um desfecho surpreendente:

Guido: Oh! Ajuda-me doce Branca! Ajuda-me Branca, sabes que sou inocente de todo mal. Simão: Como! Resta ainda vida nesses lábios mentirosos? Morre como um cão, com a língua pendente! Morre! Morre! E o silencioso rio receberá teu corpo e o limpará arrastando-o, abandonado, até o mar.

[...]

Guido morre, Simão levanta-se e olha para Branca. Ela avança para ele como deslumbrada pelo assombro, estendendo-lhe os braços. Branca: Por que não me disseste que eras tão forte?

Simão: Por que não me dissestes que era tão bela? (Beija-a na boca.)

(WILDE, 2003, p.654)

Sobre as comédias de costumes de Wilde, Robbins afirma que o escritor teria provavelmente se tornado um homem de muito sucesso se o processo e seu aprisionamento não tivessem ocorrido. Sendo um divisor de águas nesse gênero, o dramaturgo teria se consolidado e

desenvolvido seu teatro, na área do teatro comercial e experimental. A autora (2011, p. 134) lembra que muito do sucesso de Wilde no teatro foi possibilitado por sua relação com produtores como George Alexander, responsável pela montagem de O leque de lady Windermere (1892) e A importância de ser prudente (1895). Com esse apoio e seu talento, Wilde conseguiu implementar modificações nesse gênero das comédias de costumes, que era um tipo de teatro bastante comum em sua época. “O dramaturgo utilizava as convenções gerais as quais havia estudado como crítico, mas as utilizava contra o padrão vigente (ROBBINS, 2011, p. 134)25”. Wilde utilizava a chamada dramaturgia de quatro paredes, em que a ação se passa em uma sala construída, com papel de parede, mobília específica e o público, que forma a quarta parede.

Parece que Wilde segurava um espelho para o público, pois a peça representa seus próprios espaços domésticos, e sua moral e suas atitudes. [...] o diálogo se passa numa fluência ou wit totalmente irreais, junto à linguagem extremamente polida, as improbabilidades do enredo e a caracterização. Wilde usa as convenções do gênero no qual escreve contra elas mesmas, para a finalidade cômica e satírica. (ROBBINS, 2011, p. 141).26

Como exemplo desse tipo de texto, de tanto sucesso para o autor, o enredo da peça Um marido ideal (1895) engloba um caso de chantagem política, um casamento prestes a ser destruído, a manutenção de uma reputação, e a interferência positiva e surpreendente de um dândi. Segundo Mendes (2003, p. 713), George Bernard Shaw (1856- 1950) diz a respeito de Wilde: “em certo sentido, o Sr. Wilde é para mim nosso único autor teatral completo. Joga com tudo: com

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“In his well-made plays, Wilde used the generic conventions He studied as a critic, but used them against the grain.”

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“There is a sense in which he was “holding the mirror” up to his audience, representing their own domestic spaces and their own morals and attitudes on play before them […] the dialogue is spoken with a fluency or wit that is entirely unreal. The reality of the setting is at odds with the polish of the language and improbabilities of both plot and characterization. […] Wilde is using the conventions of the genre in which he writes against themselves for comic and satirical purposes.”

inteligência, com filosofia, com drama, com atores e auditório, com o teatro inteiro”.

No caso do outro tipo de teatro do autor, o experimental, nas peças Salomé e A importância de ser prudente, Wilde utiliza o diálogo como elemento crucial de suas peças. Contudo, esse colóquio desconcerta a ação, promovendo uma quebra entre a fala e o mundo concreto e, abandonando o realismo, dirige-se à dramaturgia experimental da modernidade (ROBBINS, 2011, p. 144-145).

Salomé foi escrita por Oscar Wilde tendo como inspiração os trabalhos dos simbolistas franceses, segundo Mendes (2003, p. 613). Nela o escritor teve o azo de colocar em prática o esteticismo, por meio do luxo, da ostentação e do elemento exótico. Possuindo um enredo sobre luxúria e morte, escrita em francês inicialmente, Salomé adquiriu fama paulatinamente, culminando com sua conversão à ópera por Richard Strauss.

Apesar de Salomé ter a roupagem diferente das outras peças de Wilde, ela ainda trabalha questões recorrentes na sua dramaturgia, como a relação entre masculinidade e feminilidade. Neste caso, utiliza-se da tragédia, e não da comédia, de acordo com Robbins (2011, p. 145). A Salomé de Wilde difere das muitas outras produzidas no século XIX, pois o tema estava em voga, no fato de que a protagonista é consciente de seus atos. Ela se distingue da dançarina bíblica que não conhece seu poder de sedução e age sob o comando de sua mãe. A Salomé wildiana assume seus desejos e fantasias, tomando a responsabilidade pela morte de João Batista.

Eu te vi Jokanaan, e amei-te. Oh! Como te amei! Amo-te ainda Jokanaan, amo a ti somente... Tenho sede de tua beleza. Tenho fome de teu corpo. E nem o vinho, e nem as frutas podem aplacar o meu desejo. [...] eu era uma princesa e tu me desprezaste. Era uma virgem e arrancaste de mim a minha virgindade. Era casta e encheste minhas veias de fogo... (WILDE, 2003, p. 634). Com a peça Salomé e o restante de seu teatro, Oscar Wilde ganhava notoriedade crescente. Na prosa ficcional, descrita a seguir, o autor encontrou um gênero que lhe permitiu vasta expressão de suas estéticas e ideologia.