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DECLÍNIO NO OCIDENTE, CONTINUIDADE NO ORIENTE

No documento O Roubo da História - Jack Goody (páginas 123-139)

TRANSIÇÃO PARA O CAPITALISMO OU COLAPSO DA EUROPA E A DOMINAÇÃO

DECLÍNIO NO OCIDENTE, CONTINUIDADE NO ORIENTE

DECLÍNIO NO OCIDENTE, CONTINUIDADE NO ORIENTE

Se o ritmo da transição da Antigüidade para o Feudalismo pode ser questionado, os eventos não podem. Pelo menos no Ocidente, um dramático colapso ocorreu. Assim, o traço crítico do Ocidente não foi o progressivo desenvolvimento da cultura do período romano, mas o declínio desastroso das culturas urbanas com o colapso do império. A economia política da Europa Ocidental sempre foi mais frágil do que a do Oriente; ela era menos profundamente baseada na Revolução Urbana da Idade do Bronze. Conseqüentemente, essa situação ficou mais sujeita a um colapso quando o império se enfraqueceu. Tanto o colapso quanto o posterior reflorescimento foram muito importantes no feudalismo europeu, e Southall vê isso como central em todos os feudalismos, processo que ele considerou recorrente.

O colapso na Europa Ocidental foi, em parte, resultado das invasões bárbaras bem como do avanço do cristianismo e do poder cristão, mas muitos autores também o vêem como decorrente de fatores internos como a fraqueza (contradições) do modo de produção escravista, e possivelmente devido a um longo declínio econômico a partir de 200 e.c. ou mesmo à diminuição de população. O processo de produção também pode ser responsabilizado, uma vez que houve grande expansão de extensas propriedades (latifúndia), que se tornaram gradativamente auto-suficientes, um processo que foi considerado o início da feudalização. Alguns vêem o problema da falta de expansão no tipo de comércio e não na produção. Comprometida com a exportação de metais preciosos em troca de bens, a economia romana quebrou.

Muito se escreveu sobre o declínio da vida social com o fim do Império Romano. O norte sofreu mais severamente, em especial a Grã-Bretanha "onde cidades, unidas pelo cristianismo, parecem ter

praticamente desaparecido"; o mesmo aconteceu

nos Bálcãs. Outras áreas se saíram bem melhor, especialmente o sul da Espanha. Mesmo no norte da Itália, três quartos dos cem municípios sobreviveram até 1.000 e.c. Entretanto, o colapso do Ocidente foi visto como paradigmático para a história do mundo; a queda da Antigüidade e seus centros urbanos teria levado ao feudalismo, cujos últimos estágios viram a emergência do capitalismo. Reconhecer a diferença que houve

entre a história do Mediterrâneo ocidental e a do Mediterrâneo oriental e do sul coloca o curso geral dos eventos sob uma luz muito diversa.

É importante perguntar até onde o colapso de Roma afetou o Império do Oriente, como afetou o do Ocidente. Historiadores europeus voltaram-se para esses eventos de um ponto de vista da Europa ocidental, excluindo a Europa oriental e o Oriente. Mesmo durante os tempos romanos, havia diferenças significativas entre o Império do Oriente e do Ocidente. O Oriente estava mais estreitamente conectado ao comércio da Ásia, com imensas cidades romanas como Palmira e Apamea sendo construídas no Levante e na Ásia ocidental. A diferença é claramente esboçada em Passages

from Antiquity (Passagens da Antigüidade ao Feudalismo) de Anderson. O Ocidente foi povoado

com menos diversidade, foi menos urbanizado e sua economia política não se baseou nas complexas civilizações do Oriente Médio que existiram no Egito e no Levante. Foi marcado por agricultura de estação em vez de agricultura irrigada, com menos cidades e menos comércio. O Ocidente estava em declínio: as áreas rurais suplantaram as urbanas, onde a atividade diminuíra gradativamente. As grandes propriedades (latifúndio) tinham se expandido, incorporando camponeses e artesãos em suas economias fechadas. Os romanos mudaram a base econômica, introduzindo cultivo mais complexo, freqüentemente organizado ao redor das vilas, e em algumas partes também ao redor dos

latifúndio, que se baseavam em trabalho escravo

extensivo. Havia, portanto, alguma sofisticação no mundo rural do Ocidente. A mecanização avançou e rodas d'água se espalharam no final da Antigüidade. O Oriente, no entanto, foi menos afetado pelas invasões; sua vida urbana era mais ativa e a classe camponesa resistiu ao sistema de assentamento implicado nos latifúndio.. Em cidades como Cartago, Atenas, Constantinopla, Antioquia e Alexandria, a educação superior se manteve.

No Mediterrâneo oriental, de acordo com Childe, a vida na cidade, com todas as suas implicações, continuou:

A maioria dos ofícios era ainda executada com toda a habilidade técnica e equipamentos desenvolvidos nos tempos clássicos e helenísticos. As fazendas eram ainda trabalhadas cientificamente para produzir para o mercado. O escambo não excluía inteiramente a moeda, nem a auto-suficiência interrompeu o comércio completamente. A escrita não foi esquecida. Em Alexandria e Bizâncio, textos científicos e literários foram persistentemente copiados e preservados. A medicina grega era praticada em hospitais públicos com a bênção da Igreja.

O Ocidente sofreu mais, mas cidades catedrais foram erguidas, o comércio se manteve, assim como a manufatura de vidro; o uso de rodas de água se expandiu.

Houve discussão se a prosperidade romana dependia da interdependência entre uma região ou outra. Ward-Perkins se contrapõe à ênfase de Finley em economias locais, mas reconhece que nem todas as partes do império não estavam ligadas fortemente. Quando Roma caiu como regime político, a economia, que dependia dela, também caiu, mas com resultados diferentes no Ocidente e no Oriente. Especialmente o "quinto século foi um período de crescente prosperidade no Oriente e de marcante declínio econômico no

Ocidente". O mundo mediterrâneo em 600 e.c.

tinha grandes semelhanças com o período pré- romano de cerca de 300 a.e.c. - uma economia comercial desenvolvida no Oriente extensiva a Cartago, Sicília, e sul da Itália, e "barbarismo" no Ocidente. A diferença é explicada pela integração do leste e sul à economia de trocas comerciais da Ásia. Na altura do século vil, a Itália e mesmo Bizâncio "pareciam muito diferentes do contemporâneo (e, nessa ocasião, árabe) Oriente Médio, onde havia muito mais evidência de uma continuada, complexa e próspera atividade econômica".

Como eram as cidades e mercados no Oriente? É de certa forma um consenso que as cidades e mercados islâmicos formam uma categoria distinta das do Ocidente e mesmo das do Extremo Oriente. Pode realmente ter havido algumas características gerais que os diferenciaram, mas essas variáveis foram anuladas pela existência de problemas, características e organização comuns às grandes

concentrações de pessoas. Aos olhos dos estrangeiros, as diferenças (que são freqüentemente "culturais", de superfície) costumam ser exageradas, assim como desprezadas as semelhanças (que, com freqüência, são "estruturais", profundas). Tomemos a situação urbana. No Extremo Oriente ocorria uma economia

que tem sido descrita como de mascate; no Oriente

Médio, uma economia de bazar, e sempre em oposição à economia ocidental. Na verdade, esses métodos rudimentares de venda de mercadorias pequenas e portáteis têm estruturas paralelas nos mercados, lojas e mascates do Ocidente. De qualquer maneira, são somente um aspecto das economias totais dessas diferentes sociedades, em que as formas de comércio, o sistema bancário e o investimento são muito parecidos. O mesmo ocorre com a cidade, seja ela murada ou não, tenha ruas ocupadas por um único artesanato, vivam ricos e pobres lado a lado - essas são características importantes, mas não determinantes para o crescimento da economia; a cidade encaminha seus negócios numa variedade de circunstâncias. O Ocidente perdeu contato com esses processos; a partir do quarto século, o gradual desconhecimento da língua grega separou o Ocidente de Constantinopla até a época da Renascença. Ao colapso do Império Romano seguiu-se o crescimento do cristianismo com profunda ressonância na vida artística e intelectual. Como em outras religiões monoteístas, a Igreja foi, a princípio, contra muitas das artes, especialmente

teatro, escultura e pintura secular. O predomínio da crença dogmática restringiu o âmbito da investigação intelectual. Vimos que, no Ocidente, o imperador Justiniano não encorajou o ensino de filosofia, que voltava suas baterias contra o cristianismo, levantando questões como as de o mundo ter sido ou não fruto da criação, ou examinando a relação entre o humano e o divino, temas sobre os quais a religião já tinha se pronunciado autoritariamente. Em muitos casos, houve mesmo algum retrocesso do conhecimento. Isso aconteceu principalmente no âmbito da medicina, pois a dissecação do corpo humano ("feito à semelhança de Deus") tornara-se proibida. Durante os primeiros séculos da era cristã, doutores ilustres foram para Roma, inclusive Galeno. Era herdeiro da grande e tradicional escola médica helenística de Alexandria, em que Herófilo praticava dissecação anatômica. Mas como a dissecação do corpo humano era então ilegal, Galeno se viu forçado a examinar animais. Depois da queda de Roma, a aprendizagem deixou de ser valorizada, os experimentos foram desencorajados, e originalidade tornou-se uma qualidade perigosa. Segundo o historiador da ciência Charles Singer, o cristianismo tinha uma atitude anti-científica com relação à medicina, que experimentou um período de "desintegração progressiva". "Durante o início da Idade Média, a medicina passou por diferentes controles - da Igreja cristã e dos eruditos árabes [...]. A doença era entendida como punição pelo pecado, requerendo somente oração e

arrependimento". De certa forma, ele reconhece que o cristianismo pode ter ajudado: com a ajuda das freiras, desenvolveu-se uma assistência mais humana, trazendo grandes benefícios aos doentes. No entanto, os hospitais não foram uma invenção cristã. A enfermagem era praticada nos grandes hospitais de Bagdá e em outros lugares. A única contribuição que o Ocidente fez para a preservação do conhecimento médico, se não para seu crescimento, foi a tradução para o latim de textos médicos gregos, que foram guardados em alguns monastérios. Um quadro mais dinâmico é, de alguma forma, apresentado pelo cristianismo oriental. Os cristãos persas da igreja nestoriana traduziram textos de conhecimentos médicos clássicos para o árabe. Também da Pérsia veio o médico Rhazis (al-Razi, segunda metade do século IX), bem como Avicenna (980-1037) cujo principal trabalho, O cânone da medicina, foi usado na escola de medicina em Montpelier até 1650. No entanto, os árabes pouco acrescentaram em anatomia ou fisiologia; eles tinham restrições similares ao cristianismo quanto à dissecação do corpo humano. No Ocidente, a dissecação recomeçou somente com a fundação das escolas médicas no século XII. Nessa época, um renascimento e mesmo uma extensão do conhecimento desse tipo viu a construção de magnificentes teatros de anatomia nas cidades italianas do norte, Milão, Florença e Bolonha. Nas duas primeiras, Leonardo da Vinci realizou cerca de trinta investigações. A história da medicina

investigativa resume o declínio e queda do conhecimento no Ocidente medieval.

No leste e no sul, no entanto, a situação era diferente, pelo menos comercialmente. O Mediterrâneo oriental era menos dependente para sua prosperidade do comércio com os ex-romanos do norte e oeste. Na Síria, nos primeiros séculos da era comum, o entreposto no deserto de Palmira importava em grande escala bens do Extremo Oriente, da China bem como da Índia, registrados em uma famosa tabela datada de 187. Essa tabela especifica muitos itens de comércio, incluindo escravos, tinta púrpura, óleos aromáticos, salgados, gado, bem como prostitutas. Os sírios são conhecidos como os intermediários da Antigüidade. Seus barcos viajavam para todo lado e os banqueiros sírio-fenícios estavam presentes em todos os mercados. Comunidades de comerciantes de Palmira moravam em Doura- Europus no rio Eufrates, no Oriente, e em Roma, no Ocidente. Em escavações, foram encontrados fios de seda e jade da China, bem como musselina, temperos, ébano, mirra, pérolas e pedras preciosas. O vidro vinha da Síria, a argila vitrificada da Mesopotâmia, algumas ferramentas do Mediterrâneo através de Antioquia, além de muitos outros itens de comércio de luxo.

Em Cartago e no Magrebe no norte da África, o domínio dos vândalos não é mais visto como um declínio na economia, porque o comércio de além- mar continuou como antes e sob a subseqüente conquista bizantina até a invasão árabe. As

exportações africanas de produtos de argila vermelha persistiram até o século VII. Com a invasão bizantina, em 533, a situação não mudou muito. Mais investimentos aparentemente foram feitos em cidades como Cartago, e o comércio passou da Europa para Constantinopla e para o Oriente, quando os árabes chegaram em meados do século VII. A província era rica ainda em óleo e trigo e bens valiosos estavam sendo importados do Oriente, embora mais tarde isso diminuísse.

A vida na cidade e particularmente as atividades comerciais sofreram mais sob o cristianismo no norte do que sob o islamismo no sul. No Oriente, já mostrei, os centros comerciais eram particularmente ligados ao comércio de longa distância, enquanto no Ocidente esse intercâmbio cessa com a queda de Roma. Em seu lugar vemos a emergência de "cidades de oração", de cidades em que o elemento dominante se tornou o eclesiástico em parte por causa do colapso do comércio que havia florescido com o Estado romano, em parte por causa do crescimento da Igreja. Esse crescimento significou a transferência de fundos da municipalidade para a Igreja. "É característica dessa época que a balança da liberalidade passe dos velhos projetos civis de termas e teatro para os templos religiosos." No Islã, havia também o problema de financiamentos dos estabelecimentos religiosos, mas em menor escala. Havia magníficas mesquitas, e, mais tarde

madrasah, (institutos de ensino superior ou escolas

freqüentemente apoiadas pelos mercados ligados a elas, mas eram um estabelecimento sem bispos e sem clero de tempo integral, sem cultura monástica, significavam uma menor demanda da economia.

Goitein, historiador que passou a vida trabalhando com manuscritos judeus medievais, descobriu, em um cemitério do Cairo, no final do século XIX, bem como em outras fontes, que essa cidade se manteve um centro de comércio com o Extremo Oriente como tinha sido no período romano. Comerciantes judeus e mulçumanos visitavam constantemente a costa de Malabar da índia ocidental, do mesmo modo que os indianos iam para o Egito. O mesmo acontecia com Constantinopla. Needham refere-se a um sábio chinês que foi para Bagdá; e os europeus continuaram, esporadicamente, a viajar pela rota do continente para a China. O que não significava que o declínio do comércio com o Ocidente não tivesse importância. Embora o Oriente Médio sofresse, inevitavelmente, a retração econômica européia, o principal centro de seu comércio estava em outro lugar. A Europa ocidental estava no fim da fila. Quando sua necessidade por jóias, temperos, têxteis, perfumes, cerâmicas diminuiu, havia outros mercados. As trocas com o norte da África continuaram, como se viu pelo comércio entre índia e Túnis, que primeiro atraíram a atenção do historiador Goitein. O Oriente Médio tinha seus próprios mercados ativos que precisavam ser abastecidos. Assim, o comércio

continuou em direção ao Oriente mesmo quando a rota ocidental se tornou de importância marginal. A índia se manteve como objetivo para comerciantes do Oriente Médio como toda a história do assentamento das comunidades dos judeus, cristãos, e mulçumanos na costa de Malabar comprova, com registros marcantes nos documentos de Geniza. Há muitas referências ao comércio de pimenta com o sudoeste da índia no conhecido manual dos comerciantes, Periplus

Maris Erythraei, elaborado aproximadamente em

50 e.c. por um navegador grego, bem como em outras fontes romanas. O comércio com a índia manteve sua importância desde os tempos romanos. O entreposto de Muziris - situada perto da atual Cochin e tida como o lugar de chegada do missionário São Tomás e dos cristãos sírios (nestorianos) - foi um centro importante para os navegadores de Alexandria. Isso está documentado num papiro que registra um contrato -, por volta de 150 e.c. -, referente ao transporte de bens de um porto no mar Vermelho para um entreposto aduaneiro em Alexandria. Embora se pense que houve um declínio nesse comércio entre o segundo e quarto séculos, navios mercantes indianos continuaram transportando pimenta para o Egito para abastecer o mercado romano no século VI. De fato, um grande centro de comércio continuou ligando a índia ocidental e as comunidades cristãs, judias, e mulçumanas até o século XII, e mesmo depois.

Enquanto isso, a Turquia e a Síria forneciam mercados alternativos para bens da China e do Cáucaso. Seus negócios foram orientados principalmente numa direção não européia. Foi nesse comércio oriental que Veneza, seguida pelas cidades da Itália ocidental (Parma, Gênova, Amalfi), conquistou um espaço, quando a economia européia ganhava forças no novo milênio com as Cruzadas e a entrada da Europa ocidental no Mediterrâneo.

Veneza não era o único centro no Mediterrâneo com poder para reabrir o comércio entre Europa, Ásia e África. Uma das cidades italianas que foi fundada com o renascimento do comércio no Mediterrâneo ocidental não era da Toscana - lar das famílias de mercadores em Florença (os Médici) e Prato (os Datini) - e sim da Campânia, especificamente Amalfi (e de Ravello), perto de Salerno, ao sul e também Nápoles (sob governo angevino), a leste. Essas cidades eram muito ativas na atividade mercantil (mercatantia) já num período anterior. Já em 836, os príncipes lombardos haviam dado aos habitantes de Amalfi uma "incomum liberdade para viajar". Foram rápidos em obter vantagens com essa liberdade e passaram a trocar grãos, óleos e cargas por sedas e temperos com Bizâncio, Síria e Egito, uma parte dos quais vendiam em Aglábida no norte da África, e na Sicília, obtendo em troca ouro, muito raro no Ocidente naquele tempo. Os comerciantes de Amalfi negociavam com Constantinopla, Cairo, Antioquia e mesmo Córdova desde o século X, e

com uma considerável comunidade em Jerusalém no século XI. Moedas bizantinas e fatímidas eram usadas largamente nas transações locais naquele período, dando uma boa idéia do impacto do comércio de longa distância na região. As cidades italianas renovaram parte de uma rede de comércio voltada para o leste com Bizâncio e o Oriente, estimuladas pelo regime lombardo. Esse renascimento deveu pouco à Antigüidade ou ao feudalismo, mas representou uma retomada mais geral da cultura mercantil.

Essas atividades trouxeram prosperidade à cidade de Amalfi. Isso não foi, entretanto, um feito puramente cristão ou ocidental, já que a diversificação da população do sul incluía as comunidades judaica, mulçumana e cristã, todas participantes da atividade comercial. Era uma sociedade multicultural, fato que se refletiu nas artes promovidas pela mercatantia ao redor de Amalfi. As portas de bronze das catedrais, por exemplo, foram feitas em Constantinopla por volta de 1061. Essa atividade comercial é descrita por Caskey como "capitalismo nascente", e entrou em conflito não só com valores cristãos, mas também com outros valores promulgados pelas religiões de Abraão, sobretudo os que se referem à usura. A atividade mercantil foi contestada pela religião aqui e em outros lugares, mas, claramente, ganhou no final; a contribuição de comerciantes para aqueles regimes foi parte desse processo.

Grande parte da arte de Amalfi foi financiada por comerciantes, especialmente da casa dos Rufolos

de Ravello, celebrada por Boccacio em uma de suas primeiras novella sobre a vida no comércio em que ilustra tanto os perigos como os feitos da vida mercantil. Essa família foi acusada de corrupção e o pai executado em 1283 pelo angevino Carlos de Salerno, mais tarde rei Carlos II da Sicília, onde reinou a partir de 1265, sob o comando do papa.

O sul da Espanha, como partes da Itália, permaneceu integrado à rede de comércio mediterrâneo, devido a suas ligações islâmicas. Obviamente, os mulçumanos, que devem ter presenciado o colapso do comércio europeu no Mediterrâneo, mantiveram contato depois de 711 e.c. com suas conquistas na Espanha. O comércio entre Andaluzia e o continente africano continuou e se desenvolveu; o mesmo ocorreu com as relações entre a Sicília e a "Ifriqua" (Tunísia). Observar o Mediterrâneo pela perspectiva da Europa ocidental contemporânea pode distorcer seriamente o quadro de sua história e cultura. Precisamos nos reorientar, como Frank exige, uma vez que o Oriente não sofreu da mesma forma que o Ocidente. A continuidade da cultura econômica, científica e urbana no Oriente e no Sul no período pós-romano foi crítico mais tarde, para a recuperação da Europa ocidental, após o colapso de Roma e do período inicial do "feudalismo", associado à decadência do comércio e da vida urbana e a conseqüente ênfase na agricultura e no campo.

O papel do exército também diferiu no Oriente e no Ocidente. Era uma importante instituição para manter a lei e a ordem internamente e para a defesa e conquista no exterior, bem como para prover um mercado de bens e serviços. Ao contrário do Ocidente, "o Oriente conseguiu sobreviver com suas instituições militares relativamente intactas". O exército "permaneceu como uma instituição sob a autoridade imperial,

No documento O Roubo da História - Jack Goody (páginas 123-139)