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CAPÍTULO 5 – O PROCESSO 5.678/76: A LUTA POR DIREITOS PARA

5.3 ARGUMENTOS DA DEFESA

5.3.1 Defesa do Laboratório Americano de Farmacoterapia S/A

O Laboratório Americano de Farmacoterapia, através dos advogados Lucio Cataldo Colangelo e José Augusto Pádua de Araújo, de um escritório situado na capital paulista, apresentou contestação em janeiro de 1977, alegando ilegitimidade

das partes citadas na acusação. Declaravam que, conforme a licença concedida junto ao SNFMF, o medicamento Sedin, de fabricação desse laboratório, indicado como hipnótico e sedativo, passou a ser utilizado mediante prescrição médica a partir de 1º de abril de 1959.

Admitindo que a focomelia ocorreria se o consumo se desse entre o 35º e o 52º dias de gestação, as mães que ingerissem o medicamento antes daquela data não teriam filhos nascidos sob os efeitos nocivos de Sedin:

[...] pelo decurso tempo legal – pode-se concluir, com absoluta precisão, que TODA CRIANÇA NASCIDA ANTES DE 1º DE ABRIL DE 1959 ATÉ 25 DE NOVEMBRO [de 1959], ESTARIA ISENTA DE SOFRER QUALQUER INFLUÊNCIA DA REFERIDA DROGA VINDO AO MUNDO EM PERFEITAS CONDIÇÕES FÍSICAS. (PROCESSO 5.678/76, fl. 1201135).

Nesse sentido, entendeu a defesa do laboratório, que 31 adolescentes nascidos antes de 1º de abril de 1959 e depois de 26 de novembro de 1962 deveriam ficar fora do processo, por serem consideradas partes ilegítimas. Assim, os filhos daquelas mães que declararam ter consumido a substância após 26 de março de 1962, data em que o SNFMF determinou a proibição do medicamento, deveriam ser excluídos do processo. A defesa apresentava os nomes dos 31 demandantes136 e

suas datas de nascimento.

QUADRO 5 – NÚMERO DE DEMANDANTES EXCLUÍDOS DO PROCESSO 5.678/76, DISTRIBUÍDOS POR ANO DE NASCIMENTO

ANO DE NASCIMENTO NÚMERO DE DEMANDANTES EXCLUÍDOS

DO PROCESSO 1956 2 1957 - 1958 3 1959 8 1960 - 1961 - 1962 - 1963 7

135 As partes do Processo que se teve acesso não contém paginação convencional. A partir da defesa do Laboratório Americano de Farmacoterapia S.A., a contagem das páginas é apresentada em “folhas”. Dessa forma, optou-se por seguir essa nomenclatura, representada por “fl” ou “fls”. 136 A presença dos 31 demandantes foi contestada pelos três laboratórios, sob a mesma alegação. Não

há registros sobre as datas dos nascimentos dos demais demandantes nas peças do processo a que se teve acesso.

1964 4

1965 5

1966 2

TOTAL 31

FONTE: Processo 5.678/76, fls. 1210-11.

A defesa do Laboratório de Farmacoterapia indicava que a comercialização do produto Sedin ocorria em estabelecimentos farmacêuticos, e via representantes e viajantes em diversos estados brasileiros. Contudo, alertava que não houve comercialização de Sedin no estado do Rio Grande do Sul, por não haverem representantes ou viajantes em Porto Alegre, “[...] o que evidencia não ter colocado o referido medicamento neste Estado.” (PROCESSO 5.678/76, fl. 1207).

O laboratório também tentou se desonerar de responsabilidade ao atribuir culpa à União Federal, representada pela atuação do SNFMF. Informava que, antes de colocar o Sedin à venda, havia testado e enviado tais resultados ao órgão. Assim,

Expedida a licença – pelo órgão governamental, ficou caracterizado ser o medicamento um produto para o consumo do público, observadas as prescrições médicas, constituindo-se em um objeto lícito de perfeita industrialização e comercialização. (PROCESSO 5.678/76, fl. 1207).

A defesa do laboratório ressaltava que a comercialização foi realizada em obediência aos “imperativos legais”, não havendo ato ilícito algum. Quanto à responsabilidade civil, no caso da culpa subjetiva, argumentava que esta se referia à “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”, violação de direito ou causa de prejuízo a outrem, de acordo com a existência dos elementos: existência de dano patrimonial, relação de causalidade e culpa. No caso de a acusação contrapor a teoria subjetiva, argumentava que “[...] para que haja responsabilidade, é preciso que haja culpa; sem prova desta, inexiste a obrigação de reparar o dano.” (PROCESSO 5.678/76, fl. 1210).

Defendia-se dizendo que agiu em conformidade com o regulamento instituído pelo Governo Federal quando indicava que o medicamento deveria ser comercializado mediante prescrição médica. Dessa forma, afirmava que, “[...] durante o período de venda do referido produto, não houve qualquer contestação quanto ao referido medicamento”. Além dessa alegação, a defesa reforçava que “[...] não houve entre a firma Ré e o adquirente do medicamento qualquer contacto [sic] ou insinuação para a aquisição do referido produto.” (PROCESSO 5.678/76, fl. 1211). Não admitiu,

portanto, o nexo de causalidade e ainda afirmava que “[...] os danos sofridos pelos Autores, sendo que estes últimos o foram por ato de terceiro, ou seja, pelas

próprias mães.” (PROCESSO 5.678/76, fl. 1212, grifo nosso).

Entende-se que os advogados desse laboratório culpabilizaram as mães por terem causado a deficiência em seus filhos, pois elas “tomaram deliberadamente

Sedin”. Argumentou-se, ainda, que a própria acusação confessou ausência de nexo

causal quando ao afirmar que se tornava desnecessária a comprovação da parte das mães com relação ao nome do medicamento ingerido. (PROCESSO 5.678/76, p. 63). Isso fragilizou um dos argumentos centrais dos demandantes, já que, conforme a defesa da empresa, era o que provava a

[...] insegurança e a incerteza que os demandantes têm a respeito de qual remédio lhes teria ocasionado os danos. Aliás, a simples alegação de que um comprimido ingerido, no período da gravidez, ocasionou as deformidades dos demandantes, não merece acolhimento nem credibilidade, por se tratar de simples alegação com fitos sensacionalistas. (PROCESSO 5.678/76, fl. 1213).

Retomou-se o argumento de responsabilização das mães, indicando que, “[...] em se tratando de um fato de terceiro, não se pode imputar responsabilidade aos laboratórios, porque se trata de caso fortuito ou de força maior.” (PROCESSO 5.678/76, fl. 1215), já que as mães assumiram ter consumido o fármaco talidomida. Também se demonstrava que não havia nos autos nenhuma prescrição médica de

Sedin e que este documento era indispensável para a aquisição do medicamento:

Cabe, ainda, declarar que os medicamentos são fabricados visando sempre o benefício da saúde dos cidadãos e jamais pode-se prever que um dos elementos constitutivos possa ser prejudicial à saúde, uma vez que os testes prévios e as experiências comprovam a perfeita finalidade do medicamento. (PROCESSO 5.678/76, fls. 1216-17).

Voltava-se a insistir na culpa das mães: “Deve-se acrescentar ainda, que essas deformações podem ter sido causadas pelas gestantes em não obedecer a prescrição [...] no tocante à quantidade a ser ingerida”. (PROCESSO 5.678/76, fl. 1217). Por fim, o laboratório isentava-se de qualquer responsabilidade:

[...] concluindo, a Ré provou que não praticou qualquer ato culposo; que não operou com omissão; que exerceu a prática de um regular direito; que não está provado o nexo de causalidade entre a Ré e as vítimas, Autores da presente demanda; que os Autores foram vítimas de fato de terceiro, que agiu por sua livre e expontânea [sic] vontade, constituindo, nessa hipótese, um caso fortuito ou de força maior; e, finalmente, face às considerações aduzidas ficou provada a irresponsabilidade civil do Laboratório Americano de

Farmacoterapia S. A. com relação aos danos sofridos pelos Autores. (fls. 1217-18).