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CAPÍTULO 4 – TALIDOMIDA NO PÓS-TRAGÉDIA NOS JORNAIS: SILÊNCIO E

4.1 UMA HISTÓRIA INACABADA: TALIDOMIDA NOS JORNAIS BRASILEIROS

4.1.1 Reabilitação da droga pela ciência nas páginas dos jornais

Mesmo depois da divulgação dos casos de teratogenia e outros males ligados ao fármaco, a ciência fez descobertas de utilizações vantajosas da talidomida. No que diz respeito às neoplasias, os jornais deram destaque para notícias relacionadas com

101 É significativo ressaltar que, mesmo utilizando informações e dados sem indicar procedência e, mesmo, questionáveis se comparados a outros jornais, nessa matéria de página inteira da Tribuna

da Imprensa não foram identificados termos como “bebês monstro” ou similares, a não ser no início

do texto. Quanto mais a matéria aproximou-se da visão científica dos fatos, mais a linguagem se alterou. De modo que se percebe o uso de “monstro” no início da matéria, do termo “crianças deformadas” no meio e “seres teratológicos”, termo utilizado no discurso médico, ao final do texto. (TRIBUNA DA IMPRENSA, 15 ago. 1962, p. 8).

a descoberta de efeitos positivos no tratamento de algumas das variações dessa moléstia.

Pesquisas referentes ao potencial da talidomida no combate ao câncer foram realizadas na Inglaterra, em 1962: “De acôrdo [sic] com as observações, acredita-se que a Talidomida possa ser utilizada no tratamento das células cancerosas, pois sua ação é total sôbre [sic] as células.” (ÚLTIMA HORA, 12 nov. 1962, p. 5). A pesquisa concluía que a talidomida atuava como agente antibiótico, bloqueando a divisão celular. A única menção à contraindicação da talidomida dizia respeito ao grupo das gestantes e, fora isso, a droga era considerada um medicamento altamente eficiente. (ÚLTIMA HORA, 12 nov. 1962).

A discussão sobre os benefícios do uso da talidomida persistiu por anos.102

Na edição de fevereiro de 1964, o periódico especializado editado no Rio de Janeiro,

Gazeta da Farmácia, apontava que a talidomida pode ter sido “mal interpretada”, pois

se tratava de um medicamento com propriedades positivas, que

[...] foram sumariamente incriminados pela ignorância dos noticiaristas [...].

Assim sendo, por que tanto rigor contra um sedativo e hipnótico tão interessante como a talidomida? [...]. Porque impedir seu uso aos homens

e às mulheres não mais aptas à gestação? (GAZETA DA FARMÁCIA, fev. 1964, p. 13, grifo nosso).

O periódico argumentava, ainda, que “[...] a talidomida foi o bode expiatório,

impiedosamente justiçada. Talvez por esse motivo, houve quem pensasse em

reabilitá-la.” (GAZETA DA FARMÁCIA, fev. 1964, p. 13, grifo nosso). Em São Paulo, os médicos admitiam a atuação da droga “[...] sobre os embriões, causando deformidade, mas também sua ação sedativa e tranquilizante, concluíram pela alta valia da droga na clínica como agente coadjuvante na terapêutica das neoplasias.” (DIÁRIO DA TARDE, 18 nov. 1964, [s.p.]).

Mesmo com todas as conveniências apresentadas em casos de neoplasias não havia consenso sobre o assunto no Brasil. O diretor do SNFMF, Dr. Lúcio Vasconcelos, havia designado um Grupo de Trabalho para pesquisar a utilização do produto nesses casos. A conclusão foi que a eficácia da talidomida no combate ao câncer era “muito discutível”. (JORNAL DO BRASIL, 11 ago. 1965, p. 11).

102 Conforme Vianna, “[...] atualmente sabe-se que a talidomida tem importantes propriedades imunomoduladoras e antiangiogênicas, que trazem benefícios terapêuticos para um grande número de doenças, entre elas doenças dermatológicas, crônico-degenerativas e cânceres.” (2008, p. 10).

Em meados de 1965, foram publicadas diversas notícias sobre uma pesquisa realizada em Israel, que utilizava o fármaco em casos de hanseníase. Os periódicos apontavam para os efeitos encorajadores desse medicamento. (JORNAL DO BRASIL, 25 set. 1965, p. 8). As experiências foram realizadas pelos médicos Félix Sagher e Jakob Sheskin, este último avaliou positivamente os resultados:

“Para nossa surpresa”, disse o Dr. Sheskin, “houve uma rápida melhora subjetiva e objetiva”. No prazo de 48 horas, cessaram as dores, desapareceram as lesões da pele e a temperatura voltou ao normal. Desde então, a talidomida foi dada diariamente a dezenas de pacientes

leprosos, com resultados igualmente encorajadores. (JORNAL DO

BRASIL, 25 set. 1965, p. 8, grifo nosso).

A reabilitação, tão conveniente aos laboratórios, para a ciência poderia significar a redenção da talidomida, na medida em que se atenuavam seus efeitos do passado. Outras formas de utilização da droga foram evidenciadas na imprensa, que acompanhava os resultados das pesquisas científicas. Em 1966, para o caso de enxertos de pele, a substância teve seu potencial comprovado por sua ação supressiva em reações imunitárias. (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 26 mar. 1966).

Assim, a talidomida reapareceu nas notícias, durante o período de 1963 até meados da década de 1970, veiculada por “[...] não [ter] nenhum efeito maléfico e [como] altamente positiva como tratamento paliativo.” (DIÁRIO DA NOITE, 7 fev. 1969, p. 2, grifo nosso). Em “As duas faces da talidomida”, rememoram-se brevemente os aspectos negativos ligados à história do fármaco e, na sequência, são ressaltadas as suas potencialidades:

A droga é “boa” e barata. Cura até simples dores de cabeça. Muitas amas, quando queriam passear, ministravam-na às criancinhas que dormiam placidamente. Depois, era vendida sem receituário médico. Assim, na Alemanha, houve um mês em que foram absorvidas nada menos de 53 milhões pílulas de “Contergan”. (DIÁRIO DA NOITE, 8 fev. 1969, p. 1). Faz sentido apontar a reabilitação, pois ela retoma a história da talidomida, mesmo que superficialmente, ao deixar seu passado obscuro em segundo plano. Pensa-se que isso pode ter provocado nas famílias de pessoas impactadas pela droga mais um incentivo para lutar pelos seus direitos. Na medida em que o tempo passava, a substância era reconduzida ao uso e nenhuma ação havia sido tomada em prol dessas pessoas atingidas pela deficiência por talidomida.

De qualquer forma, é necessário destacar que, para o período, o governo brasileiro não tinha concretizado nenhuma política de assistência no campo na reabilitação de pessoas com deficiência. Uma das explicações possíveis para esse proposital esquecimento é a lacuna deixada pela não penalização dos envolvidos e consequente negação dos danos, como se perceberá adiante.

4.2 RESPONSABILIZAÇÃO NO BRASIL: NO MEIO DO CAMINHO, UM GOLPE