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Definindo e Diferenciando Termos-chave para o Estudo da Resiliência nas Regiões

CAPÍTULO III A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE

NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL

3.2.2 Definindo e Diferenciando Termos-chave para o Estudo da Resiliência nas Regiões

Para o estudo da resiliência é fundamental a definição e a diferenciação de alguns termos comumente presentes na literatura e que, também, já foram usados em alguma medida neste trabalho. A clara compreensão do significado de cada termo será fundamental para o estabelecimento das estratégias metodológicas de pesquisas destinadas ao estudo da resiliência regional. Desta forma, iremos abordar, ao longo dos próximos parágrafos, os seguintes termos: “choques agudos” e “distúrbios crônicos”, “perturbação, crise e pontos de viragem”, e “espaço e tempo”.

3.2.2.1 Choques Agudos e Distúrbios Crônicos

A bibliografia especializada faz uma clara distinção entre “choques agudos” (eventos abruptos) e “distúrbios crônicos” (queimadura lenta). Enquanto o primeiro remete a um evento repentino de grandes proporções, o segundo caracteriza eventos lentos de longa duração. Assim, segundo Pike et al. (2010), os “choques agudos” tendem a ser mais facilmente identificável nas análises de resiliência e, por isso, também são mais estudados. Já, os eventos de “distúrbios crônicos”, ao contrário, normalmente são mais difíceis de identificar e,

consequentemente, ainda pouco estudados, embora ambos sejam fundamentais para determinar a resiliência de uma região.

Os choques agudos, principalmente originados por desastres naturais, são relativamente bem estudados, afinal, existe uma ampla literatura que trata da resiliência e catástrofes naturais (BERKE e CAMPANELLA, 2006). É interessante também observar que nesta literatura existe um predomínio de situações em que as regiões se recuperam de choque agudo causado por evento natural, mas que raramente são “transformadas” por ele. Estes trabalhos analisam, normalmente, a capacidade de retorno a um estado de pré-choque, conforme já descrito na abordagem que liga resiliência à ideia de equilíbrio (Resiliência da Engenharia). Já os eventos de “distúrbios crônicos”, por outro lado, ocorrem segundo Pendall et al. (2009), especialmente em sistemas submetidos à transformações internas, em que, ao invés de um suposto equilíbrio, o ponto de referência torna-se o passado recente em constante mutação. Se a região tem melhorado seus resultados, por exemplo, ocorre uma redução gradual na taxa de perda de trabalho desde o período anterior ou, ao menos, não piorou. Então, o pesquisador encontra indícios de que esta é uma região mais resiliente em face a “distúrbios crônicos” do que uma outra onde os resultados têm se deteriorado.

Outra questão importante sobre esse tema, tratada por Pendall et al. (2009), seria a de que o estudo da resiliência com sistemas adaptativos complexos pode ajudar tanto na compreensão de choques agudos (o furacão ou fechamento da fábrica mais importante da região), como de eventos de distúrbios crônicos (mudanças climáticas ou recessão prolongada). Isso porque, os sistemas não funcionam como simples modelos, mas como ciclos adaptativos em interação contínua de escalas e de periodicidades diferentes.

3.2.2.2 Perturbação, Crise e Pontos de Viragem

Para o estudo da resiliência em sistemas adaptativos complexos é importante compreender como as regiões reagem a perturbações e crises que as atormentam ao longo de seu processo de desenvolvimento. Este olhar é compartilhado por Walker et al. (2002), Walker et al. (2004), Walker et al. (2009), Santos (2009a) e Folke et al. (2010). Neste sentido, Santos (2009a) alerta para a importância de separar a noção de perturbação e de crise. Enquanto a primeira pode ser definida como um acontecimento relativamente discreto no tempo, geralmente proveniente

do exterior (apesar de também poder ter origem interna), provocando rupturas e mudanças na região e podendo criar novas condições e oportunidades, a segunda é mais dramática. Uma crise seria um período de intensa dificuldade e perigo que, com o tempo, força a tomada de decisões importantes, sendo um conceito com caráter mais persistente que o anterior. A crise muitas vezes é o resultado do agravamento de uma ou mais perturbações que atingem um SSE.

Santos (2011) distingue, genericamente, dois tipos de perturbação em função da forma como estas se manifestam no sistema e de como fazem sentir seus impactos. Existem perturbações que surgem na forma de “choques agudos”, como discutido por Pendall et al. (2009) e Pike et al. (2010), as quais ocorrem de maneira súbita e localizada, como por exemplo, uma catástrofe natural (um terremoto, inundação, praga); um acidente também natural, mas de origem humana (derramamento de petróleo, acidente nuclear); um ato de terrorismo, cujos impactos podem se estender no tempo. Por outro lado, ainda segundo Santos (2011), existem perturbações que ocorrem sob a forma de “queimaduras lentas” (distúrbios crônicos), também no sentido tratado por Pendall et al. (2009) e Pike et al. (2010), que vão se acentuando ao logo do tempo e que provocam danos enquanto a sua origem continua a existir. Como exemplo podemos destacar os efeitos provocados por problemas econômicos, estes podem levar ao aumento sucessivo do preço de matérias-primas e dos combustíveis, ou ainda à degradação da qualidade da água, cujos impactos diretos são mais persistentes e sistêmicos.

A linha de raciocínio anterior também pode ser aplicada para os eventos de crise. Assim, a mesma pode se dar tanto por um choque agudo como, por exemplo, por uma catástrofe natural de grandes proporções (um terremoto muito forte acompanhado de outros eventos, como um tsunami, uma nova praga agrícola muito agressiva e sem tecnologia de controle disponível), pela quebra repentina da bolsa de valores, ou como resultado de um processo longo de distúrbio crônico. As crises também podem ser vistas como uma oportunidade de mudança, que pode permitir reconstruir a resiliência do SSE. Segundo Santos (2011), quando um sistema se torna muito inflexível e resistente à mudança, apenas as crises têm o poder de desencadear novas soluções e respostas, permitindo a adoção de uma nova trajetória de crescimento.

Outra questão-chave neste processo diz respeito à identificação dos “pontos de viragem”. Pontos de viragem (threshold) ou limiares críticos são definidos por Santos (2011) “como um momento de rotura, de separação entre regimes alternativos de um sistema”. Neste caso, um regime é entendido como uma configuração identificável em um

sistema, no que se refere a sua estrutura, função, interação e identidade. Assim, o ponto de viragem pode ser visto como um momento de dramática mudança (SANTOS, 2011). Nesta perspectiva, a resiliência é entendida como a capacidade do sistema para absorver perturbações e crises sem atravessar um limiar crítico ou ponto de viragem para um regime alternativo. Portanto, seria de suma importância para o entendimento da resiliência de uma região, não só identificar as perturbações e crises, mas também, os pontos de viragem. Afinal, ao ultrapassar estes limites poderiam ocorrer mudanças na direção que o sistema se move, de forma gradual ou abrupta.

3.2.2.3 Espaço e Tempo

A elaboração de estudos sobre a resiliência enfrenta, ainda, um outro importante desafio, que é a definição das escalas espacial (limites regionais em que a resiliência pode ser observada e medida) e temporal que o estudo irá abranger. Neste sentido, Pendall et al. (2009) e Christopherson et al. (2010) alertam para a complexidade desse desafio. Afinal, um pesquisador pode tornar uma região mais ou menos resiliente simplesmente manipulando as fronteiras regionais para abranger ou eliminar territórios, sendo que isso também se aplica para a escala de tempo. Além disso, é fundamental reconhecer se o que a região enfrenta seria o que Pike et al. (2010) chamam de choques agudos ou de distúrbios crônicos, já que isto influencia diretamente na escala de tempo. Enquanto alguns anos poderiam ser suficientes para entender a resiliência de uma região devido um choque agudo, um terremoto, por exemplo, em outros casos poderia se levar uma geração para perceber como aquela região está mudando em virtude de choques crônicos, como ocorre no caso de uma transformação econômica prolongada.

Choques agudos tendem a ser mais facilmente identificáveis nas análises de resiliência. Já, os distúrbios crônicos, ao contrário, normalmente são difíceis de identificar, mas ambas são fundamentais para aferir a resiliência das regiões. Além disso, não se pode perder de vista a hipótese de que, depois de uma crise ou de uma perturbação, os diferentes componentes do sistema não reajam com a mesma velocidade, surgindo, por exemplo, uma resiliência diferencial dentro da região: alguns espaços, funções e atividades tendem a se recuperar mais rapidamente do que outros. Reghezza-Zitt et al. (2012) citam o caso de Nova Orleans, nos Estados Unidos, onde algumas comunidades reagiram mais rapidamente que outras na reconstrução da região

destruída pelo Furacão Katrina.

Outra questão importante, segundo Santos (2011), seria a existência de interações e interdependência entre escalas espaciais e temporais, que contribuem para modelar a estrutura e trajetória de cada sistema. Neste contexto, quanto mais pequena for a escala do SSE, mais susceptível esta é perante as influências externas de outros sistemas (ABEL et al., 2006). As interações entre escalas são extremamente influentes, não sendo possível compreender os SSE numa perspectiva isolada e contínua. Por isso, é necessário sempre levar em consideração a forma como as escalas superiores ou inferirores influenciam o espaço de estudo (SANTOS, 2011). Ou seja, para entender a resiliência de uma região não se pode perder de vista que, ao longo do tempo, uma trajetória de desenvolvimento vai sendo moldada pela aprendizagem coletiva, pela cultura, pelas pertubações e crises, bem como, pelo seu relacionamento com a base ambiental e os recursos naturais que a suportam, que fazem com que cada região tenha sua identidade específica.