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CAPÍTULO V – EXPLORANDO A ABORDAGEM TEÓRICA DA RESILIÊNCIA PARA A COMPREENSÃO DO

5.2.1 Caracterização da Escala Espacial do Estudo

5.2.1.3 Diferentes Fases da Formação Econômica Regional

Na bibliografia disponível sobre o Oeste catarinense existem diferentes periodizações, no que diz respeito às fases de formação da economia regional. Diante disto, este trabalho não adota a periodização proposta por um autor em especial. Para isto, analisa diferentes esforços, com destaque para Campos (1987), Mior (2003), Goularti Filho (2007) e Colleti (2009), e propõe a divisão em cinco fases, conforme segue: i) Produção extrativista e de subsistência e formação do capital comercial (meados do século XIX até o final da década de 1930); ii) Formação do capital agroindustrial e transformação da produção agrícola em uma policultura, hierarquicamente subordinada à suinocultura (início da década de 1940 até meados da década de 1960); iii) Processo de monopolização do capital agroindustrial, consolidação do mercado de trabalho urbano industrial na região e modernização seletiva da pequena produção mercantilizada (meados da década de 1960 até o início da década de1980); iv) Diversificação e ampliação da produção agroindustrial, integração e seleção dos produtores de suínos e início da grande crise regional (início da década de 1980 até o início da década de 1990); e V) A grande crise regional e o incremento de alternativas de diversificação agrícolas e não agrícolas na agricultura familiar (início da década de 1990 até a atualidade).

Estas fases permitem ilustrar os processos da formação econômica que resultaram em redirecionamentos no caminho de desenvolvimento da região Oeste catarinense. Sendo que, as mesmas não incluem o período em que a região era habitada somente por indígenas, devido a sua complexidade e especificidade. Além disso, posteriormente a cada fase encontra-se uma linha do tempo que se destina a apresentar de forma didática os principais eventos ocorridos durante as fases de formação da economia regional. As mesmas auxiliaram na identificação de perturbações, crises e pontos de viragem que provocaram vulnerabilidades no sistema de interesse, questões estas desenvolvidas no Capítulo VI.

Fase I: Produção extrativista e de subsistência e formação do capital comercial (meados do século XIX até o final da década de 1930)

Como já assinalamos anteriormente, não é objetivo deste trabalho analisar as sociedades indígenas que originariamente habitaram o Oeste catarinense. Por isso, iniciamos nossa discussão com o período que data de meados do século XIX quando, segundo Poli (1995), se esgota a fase

preponderante da ocupação indígena. Assim, a Fase I se caracteriza, em um primeiro momento (especialmente até a primeira década do século XX), pela presença de atividades econômicas que se resumiam à extração da erva-mate, ao tropeirismo e à roça cabocla. Na época, a população que habitava essa área era pequena e constituída principalmente por caboclos, com forte presença negra e indígena, mesclada a outros grupos (NODARI, 2009). Esta formação social se caracteriza, também, por seus traços nitidamente não capitalistas. Esta sociedade estava organizada com base na pequena propriedade de subsistência, com utilização da mão de obra familiar, formando pequenas comunidades ligadas por acentuado espírito comunitário. Nessa economia de subsistência, praticamente, não circulava a moeda33 porque a produção não tinha fins comerciais, o que ressalta o papel das bodegas como organizações centrais de uma verdadeira economia de escambo, na qual se trocava fumo, milho, feijão e erva-mate por sal, bebidas, querosene, pólvora, e instrumentos de trabalho.

Os caboclos costumavam cultivar pequenas roças de subsistência e criar alguns animais soltos, como galinhas, porcos e, às vezes, alguma cabeça de gado. Segundo Renk (2007), a roça cabocla era dividida em terras de plantar e terras de criar. As terras de plantar localizavam-se distantes da casa e o método adotado no cultivo consistia na derrubada da floresta, na queima, no plantio nas cinzas e no posterior abandono da área (pousio). Após a queima, era feito o plantio em covas abertas com a ponta da foice ou com uma cavadeira feita de madeira. As terras de criar ficavam próximas da casa e não demandava cercas, já que a roça estava distante. Renk ainda ressalta que este método, além de ser considerado atrasado, foi mais tarde ponto de tensão entre os caboclos e os migrantes (colonos).

A presença de tropeiros, como vimos anteriormente, era outro fator marcante e, em função destes terem uma alimentação constituída basicamente por toucinho de porco, feijão preto, farinha, pimenta-do- reino, café, arroz, rapadura para adoçar o café e erva-mate, os moradores que se encontravam nas proximidades dos caminhos das tropas passaram a aproveitar a oportunidade para vender alguns poucos excedentes de suas lavouras e de suas criações, como de suínos criados em meio aos pinhais (RENK, 2007). Esta população não tinha a

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O pagamento em dinheiro só se fazia no caso de empreitadas ou tarefas especiais (nas fazendas) (VIEIRA, 2011).

propriedade da terra34 e a agricultura praticada apresentava pouca integração com a economia nacional (TESTA et al., 1996). Além disso, a ocorrência de ervais nativos em terras devolutas possibilitava a colheita da erva-mate que, depois de beneficiada, também era vendida aos tropeiros e fazendeiros, ou ainda, a estabelecimentos comerciais locais. Com o tempo, este processo originou uma importante rota de comércio estruturado pela atividade do tropeirismo (MACHADO, 2004; RENK, 2007).

Segundo Renk (2007), entre o final do século XIX e início do século XX, o extrativismo da erva-mate firmou-se como a principal atividade econômica da região. A produção na sua maioria era destinada à Argentina, que era o maior mercado consumidor da erva-mate brasileira. O predomínio do comércio com a Argentina pode ser explicado pela certa facilidade de comunicação da Zona do Chapecó (como era conhecida parte da região que compõe a Mesorregião Oeste de Santa Catarina) com o Rio Grande do Sul. Também, conforme aponta Pertile (2008), pelo fato de que até início do século XX o Oeste do estado catarinense encontrava-se isolado de outros centros urbanos do estado, bem como, da capital Florianópolis, em total abandono por parte do governo. Assim, a comercialização de erva-mate possibilitava a geração de recursos que permitiam a aquisição de gêneros de primeira necessidade.

Reck (2007) aponta que, em 1910, passaram por Passo Bormann (atual cidade de Chapecó) aproximadamente 640 mil quilos de erva- mate cancheada35 e, no ano seguinte, 1.200 mil quilos. Como resultado deste comércio, a erva-mate configurou-se, durante as primeiras décadas do século XX, no produto de exportação mais importante, não apenas para o Oeste catarinense, mas também, para todo o estado. Renk (2006) acentua que, em 1928, o Brasil exportou cerca de 88 mil toneladas e a produção, em 1930, chegou a 280 mil toneladas. Contudo, a economia da erva-mate já se encontrava há algum tempo em crise, uma vez que, em 1910, a Argentina inicia o plantio de ervais na Província de Missiones, diminuindo então a demanda do produto brasileiro (RENK, 2006). Além disso, anteriormente, em 1905, uma mudança na política fiscal dos governos catarinense e paranaense implicou no aumento dos

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É importante salientar que em meados de século XIX se promulga a Lei de Terras. Os caboclos excedentes dos latifúndios não tinham recursos para a aquisição de terras e eram iletrados para recorrer as terras devolutas e por isso se alojam nestas como posseiros (VIEIRA, 2011).

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impostos de exportação (AURAS, 1984). Tais fatores são os precursores do processo gradual de declínio da economia da erva-mate. Pertile (2008) argumenta que, a partir de 1935, a madeira e a banha passaram a superar o valor da erva-mate na exportação. Contudo, esta nunca deixou de ser explorada, tanto que, o estado de Santa Catarina continua sendo um dos principais produtores do país.

Voltando aos primeiros anos do século XX, outros fatores contribuíram para mudanças na economia e na paisagem da região, em especial: a construção da Estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, em terras catarinenses; a Guerra do Contestado; e a intensificação do processo de colonização. Estes eventos desencadeiam um segundo momento da Fase I, quando o Oeste catarinense passa a ser inserido em um processo essencialmente capitalista, movido pela conquista e pela apropriação privada da terra, ainda que marcada pela pequena propriedade familiar e por uma formação social com fortes traços comunitários (GOULARTI FILHO, 2007). O colono que começa a chegar à região é bem diferente dos caboclos, a começar pelo objetivo da produção familiar, pois enquanto os caboclos produziam para seu próprio consumo, mantendo pouco contato com o mercado, a produção dos colonos “se organizou, em grande medida, em função do mercado” (POLI, 1995).

A intensificação do processo colonizador ocorreu, sobretudo, após o fim da Guerra do Contestado, momento também em que a extração da madeira começa a se consolidar como a principal atividade econômica da região. Tanto que, na década de 1920, a madeira já se configurava como um dos principais itens de exportação catarinense, integrando a economia estadual ao restante do país. No decênio seguinte, ocorre o surgimento de grande número de pequenas serrarias, o que gera um novo impulso à atividade. Em 1936, três estações de trem se destacavam em volume transportado: Caçador, Canoinhas e Três Barras. Em 1940, o montante exportado de madeira representou 19,10% da totalidade das exportações catarinenses, com enorme contribuição da região do Contestado. Carvalho e Nodari (2008) chamam a atenção para o espantoso crescimento no volume de madeira exportada após a Guerra do Contestado. Enquanto na década de 1910 foram exportados 481 mil m³, na de 1920 esse volume passou para 950 mil m³ e na década de 1940, quando o ciclo da madeira alcança seu auge, a exportação chega a 3,7 milhões de m³.

Dentre a madeira extraída, recebe grande destaque a araucária ou pinheiro-do-paraná. Na fase de grande extração, durante as primeiras décadas da colonização, grande parcela da floresta nativa foi desmatada.

O setor madeireiro, portanto, acabou por propiciar o início da industrialização da região, gestando uma acumulação de capitais que, posteriormente, foi direcionada a outras atividades econômicas (PERTILE, 2008). Já no setor agrícola, segundo Ferrari (2003), começa a destacar-se o cultivo comercial do fumo. A cultura do fumo foi a primeira produção agrícola a oportunizar a entrada de recursos nas propriedades familiares, de uma forma ampla. Esta atividade já era desenvolvida nas colônias velhas no Rio Grande do Sul e, com a vinda dos migrantes, ocorreu a implantação desta cultura no Oeste Catarinense.

Portanto, neste segundo momento da Fase I, eram as atividades extrativistas da erva-mate e da madeira, a ação das empresas colonizadoras e, em menor grau, o cultivo do fumo os principais condutores da organização desse espaço (CAMPOS, 1987). Renk (2006) ainda destaca que a população cabocla que, de meados do século XIX ao início o século XX, vivia no território levando um modo de vida tradicional, com agricultura de subsistência e o extrativismo da erva- mate, acaba voltando-se para o trabalho assalariado, extraindo erva-mate por tarefa depois de ser expropriada da terra e de ter seu modo de vida peculiar desestruturado. O que aconteceu foi uma mudança bastante acelerada, pois os valores introduzidos com a colonização forçavam a população local a adaptar-se ao novo sistema de propriedade e de trabalho ou a ficar excluída daquela sociedade, mas a adaptação significou também a desestruturação do modo de vida anterior à colonização. A Figura 20 apresenta na forma de linha do tempo os eventos mais importantes desta fase da Formação Econômica Regional.