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CAPÍTULO IV – PROPOSTA DE ESTRUTURA METODOLÓGICA PARA O ESTUDO DO

PARTIR DA ABORDAGEM TEÓRICA DA RESILIÊNCIA

Este capítulo é dedicado à proposição de uma estrutura metodológica que possa ser adotada para analisar o desenvolvimento de uma região, a partir da orientação teórica da resiliência. Para tanto, não podemos perder de vista que a resiliência é uma abordagem que se encontra em pleno processo de construção e, como tal, precisa continuar sendo testada e explorada em diferentes contextos. Também destacamos, como vimos no Capítulo III, que a construção de uma estratégia metodológica consistente, bem como, sua operacionalização ainda se apresenta como um dos principais desafios desta nova abordagem teórica.

O referencial teórico apresentado no Capítulo III é a base de sustentação da proposta de estrutura metodológica aqui sugerida. Portanto, devemos estar cientes de que, para compreendermos a resiliência de uma região, precisamos conhecer a capacidade de adaptação da mesma frente aos sucessivos processos de perturbações e de crises. Ou seja, é necessário conhecer o SSE e analisar a sua trajetória evolutiva, de modo que se possibilite encontrar as melhores estratégias para lidar com a mudança. Isto implica perceber a resiliência como um processo e, desta forma, a estrutura metodológica aqui proposta deve ser usada como uma “lente” que ajuda a focar o decurso evolutivo da região de interesse.

É importante frisar que esta estrutura é propositalmente abrangente, por se tratar de uma primeira proposta e, também, porque se propõe a servir como uma orientação metodológica passível de ser adaptada para o estudo da resiliência das mais diferentes regiões. A mesma conta com cinco etapas: planejamento, fundamentação necessária para a análise da resiliência, análise da resiliência regional propriamente dita, detalhamento do(s) subsistema(s) mais relevante(s) para a resiliência e síntese (Figura 14). Na sequência será detalhada cada uma das etapas.

Figura 14 - Fluxograma da estratégia metodológica usada para o estudo da resiliência.

Etapa 1: Planejamento

Todo o planejamento deve ser estruturado em função dos objetivos da pesquisa. Contudo, nem sempre esta é uma tarefa fácil. Por isso, listamos nesta etapa uma série de procedimentos cujo propósito é ajudar o pesquisador na estruturação da pesquisa.

Quanto à proposta de pesquisa: em função da proposta, poderemos definir se a pesquisa é comparativa e, portanto, envolve dois ou mais SSEs ou, se a mesma se restringirá a apenas um SSE. Pesquisas comparativas são mais frequentes na bibliografia. Em geral, os pesquisadores comparam regiões diferentes que enfrentaram o mesmo processo de crise. Nestes casos, são normalmente usados critérios objetivos, como taxa de emprego, média salarial, etc. Estas pesquisas tendem a ser muito focadas no econômico, mesmo assim, são bastante úteis para estudar eventos pontuais. Os critérios de seleção das regiões são fundamentais nestes estudos. Deve-se tomar o cuidado para selecionar regiões que enfrentaram o mesmo processo de crise e que apresentem características passíveis de comparação. Isto reduz a influência dos vieses do investigador na seleção dos casos.

Já, os estudos dedicados à análise de apenas um sistema socioecológico são os mais indicados para pesquisas que envolvem grandes escalas de tempo. Nestes casos é mais difícil fazer comparações com outros SSE, pois os mesmos provavelmente sofreram influências distintas ao longo do processo de desenvolvimento.

Quanto à escala espacial: é necessário definir os limites espaciais do SSE que será estudado. Sistemas maiores (países, estados, mesorregiões, regiões) tendem a apresentar um número maior de subsistemas e, por consequência, maior complexidade. Nestes casos, é mais difícil identificar todas as forças que estão agindo internamente, mas por outro lado, tais sistemas costumam ter maior poder (força política, número de instituições, redes, etc.) para a tomada de decisões, que os posiciona em relação aos efeitos advindos de uma economia globalizada. Já, nos sistemas menores (cidades, bairros, comunidades, etc.), normalmente, é mais fácil identificar as forças internas que estão atuando, contudo, estes têm menor poder para implementar ações (como políticas públicas) que permitam um reposicionamento em função de perturbações externas, por exemplo.

Também, é importante frisar que as interações entre escalas são extremamente influentes, não sendo possível compreender os SSEs

numa perspectiva isolada e contínua. Assim, sempre que estudarmos sistemas menores, devemos estar cientes que a complexidade interna tende a ser menor e, com isto, o sistema tende a sofrer proporcionalmente maior influência externa. Já, ao contrário, quando estudamos sistemas maiores, a complexidade interna tende a ser maior e, com isto, o sistema tende a sofrer proporcionalmente menor influência externa. Desta forma, em geral, o grande desafio está em considerar as diferentes influências externas em sistemas menores e, consequentemente, considerar as diferentes influências internas em sistemas maiores.

Ainda, com relação à escala espacial, é importante salientar que a sua delimitação nem sempre é uma tarefa fácil, já que uma simples alteração do limite espacial pode excluir ou incluir territórios e, com isso, a resiliência pode ser sub ou superestimada. Para minimizar estes riscos, as froteiras do SSE devem ser estabelecidas a partir de marcos pré-estabelecidos, marcos dados (político-administrativo), ou então, construídas a partir de um cuidadoso estudo dos aspectos culturais, sociais, que sinalizam a existência de uma identidade que permita delimitar um espaço, ou seja, um território.

Quanto à escala de tempo: outro decisão importante, diz respeito à escala de tempo estudada. A delimitação imprecisa da mesma pode resultar em interpretações equivocadas da resiliência. O pesquisador pode transformar a região em mais ou menos resiliente, apenas alterando a escala de tempo estudada. Isto ocorre porque, ao ser definida de forma equivocada, eventos importantes podem ser ignorados, como os característicos de distúrbios crônicos. Este tipo de distúrbio, como vimos anteriormente, é mais difícil de identificar e pode estender seus efeitos sobre a região por um tempo prolongado.

Para fins desta delimitação, vislumbram-se dois caminhos que são definidos em função do objetivo da pesquisa. O primeiro se aplica para pesquisas que pretendem estudar um ou mais eventos específicos, os quais já se encontram bem delimitados na bibliografia, como a crise mundial de 2008, por exemplo. Nestes casos, a escala de tempo já está dada, existe um corte temporal claro para o estudo. Já, o segundo se aplica às pesquisas que têm a pretensão de serem mais abrangentes, não se restringindo a um evento específico. Nestes casos, os cortes temporais devem ser definidos na Etapa 2 desta proposta, visto que, a mesma trará subsídios suficientes para esta tomada de decisão.

Quanto à forma de abordagem do problema: esta pode se dar através de métodos quantitativos, qualitativos ou mistos. Alguns trabalhos têm usado métodos quantitativos que, em geral, tendem a ser muito reducionistas e, normalmente, esbarram na dificuldade de encontrar dados confiáveis para toda a escala de tempo que se pretende estudar. Neste tipo de trabalho, a resiliência normalmente é percebida como um atributo do SSE e não como um processo. O grande desafio está em superar as análises que reduzem a resiliência a crescimento econômico, exemplos podem ser vistos em Foxà et al. (2011), Rose e Krausmann (2013) e Zamora (2014).

Outros trabalhos têm usado métodos mistos, que podem ser interessantes, em especial, para estudos de crises pontuais. Isto porque podem minimizar o peso de análises quantitativas, por vezes, excessivamente econômicas. Trabalhos com métodos mistos ainda são escassos, exemplos desde esforço podem ser vistos em Chapple e Lester (2010), Davies (2011), McManus et al. (2012) eSmith et al. (2012). Por fim, temos os trabalhos que discutem a resiliência qualitativamente, como nos casos de Simmie e Martin (2010), Wolfe (2010), Santos (2011), Amundsen (2012), Cowell (2013), Paniagua (2013), Wilson et al. (2013), dentre outros. As análises qualitativas tendem a ser as mais adequadas para estudos que procuram analisar longas trajetórias de desenvolvimento, em que a resiliência é percebida como um processo.

Quanto aos procedimentos técnicos: os procedimentos técnicos recomendados variam em função da forma de abordagem do problema, conforme segue:

- Em pesquisas quantitativas se valorizam diferentes métodos matemáticos para apontar a existência ou não de resiliência em um SSE. Existem trabalhos que exploram o método de Mínimos Quadrados Ordinários, outros trabalhos baseiam-se em indicadores com viés econômico, ou ainda, em regressões simples para determinar se existe correlação entre um fator de resiliência e as variáveis que representam as forças e as fraquezas regionais.

- Em pesquisas qualitativas podem ser usados diferentes procedimentos técnicos, os quais se destinam a explorar fontes de informação primária e secundária. Para o levantamento de fontes primárias, a técnica de entrevista livre ou semiestruturada é, comumente, a mais utilizada. O público-alvo constitui-se em diferentes agentes do desenvolvimento regional, como por exemplo: gestores públicos, empresários, dirigentes

sindicais, líderes de organizações não governamentais, especialistas, dentre outros. Para fins de esclarecimento, um especialista é definido como o indivíduo detentor de grande conhecimento sobre o processo histórico de formação e desenvolvimento do espaço estudado. Já, com relação às fontes secundárias, as técnicas mais utilizadas ficam por conta de pesquisa bibliográfica (elaborada a partir de material já publicado, como livros, artigos, periódicos, bases de dados, anais de eventos, dentre outros) e pesquisa documental (elaborada a partir de material que não recebeu tratamento analítico). As fontes de dados primários e secundários, normalmente, são utilizadas para embasar estudos de caso. Está técnica envolve o estudo profundo da região, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento, motivo pelo qual é comumente aplicada em trabalhos que tratam da resiliência regional.

- Em pesquisa mista, como o nome sugere, o pesquisador irá selecionar procedimentos técnicos recomendados para abordagens quantitativas e qualitativas.

De qualquer forma, é importante destacar que não existe uma obrigatoriedade a respeito de quais procedimentos técnicos devem ser utilizados. Esta decisão fica a critério do pesquisador, afinal, envolve outros aspectos como, por exemplo, o tempo disponível para pesquisa, o número de pesquisadores envolvidos, os recursos disponíveis. Contudo, é evidente que quanto mais detalhado for o estudo, mais consistente tendem a ser as análises.

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Esta etapa foi construída com o intuito de orientar o pesquisador durante o planejamento de pesquisa. Indica alguns caminhos que podem ser seguidos, com destaque para a separação entre pesquisas com abordagens quantitativas e qualitativas. Entendemos que ambas apresentam pontos forte e fragilidades, contudo, por hora, as abordagens qualitativas encontram maior sustentação metodológica, em especial, quando tratamos de estudos mais abrangentes, que procuram analisar a trajetória evolutiva de regiões através da resiliência. Já, as pesquisas quantitativas têm se mostrado mais adequadas em estudos que tratam de crises pontuais.

Portanto, se o objetivo é estudar o processo de desenvolvimento de uma região como um SSE resiliente, em que se exploram as

diferentes capacidades adaptativas, o caminho mais promissor passa pelo uso de abordagens qualitativas. Diante disso, as próximas etapas são pensadas para este cenário, muito embora, em parte, também possam ser adaptadas para estudos com abordagens distintas do aqui exposto.

Etapa 2: Fundamentação Necessária para a Análise da Resiliência