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O BRASIL E OS NOVOS PARÂMETROS DA GESTÃO PÚBLICA

DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ

6.1 - Introdução

Hoje, quando alguém fala em democracia, afinal, do que está falando? A resposta a essa pergunta é decisiva, pois, além de atribuir significado à democracia, também explicita o grau de expectativa que cada pessoa tem com relação ao fenômeno democrático.

Levando em consideração a história dos países ocidentais, especialmente a dos latino-americanos, o termo democracia converteu-se em uma expressão valorizada em si mesma, quase que independente do seu conteúdo. Tal constatação é resultado de um processo lento, impulsionado principalmente por ideais do Iluminismo, quando do surgimento dos regimes constitucionais. Estes, após diversas lutas, foram aperfeiçoados e receberam novas configurações, denominadas de regimes democráticos constitucionais. Hoje, o Ocidente tem na democracia constitucional o seu marco ideológico e institucional dominante, ainda que frágil.

Não há como negar que ainda vivem milhões de pessoas sob regimes não democráticos. Porém, também não há como negar que a democracia avançou com rapidez e adquiriu quase que um perfil normativo. Configurou um habitus, na expressa acepção de Pierre Bourdieu, inimaginável no século XIX, por exemplo. Na atualidade

são poucos os “países não democráticos” onde não exista um forte movimento em favor da democracia.

Essa situação de fato exige que este trabalho explicite qual o sentido que se dá ao termo democracia. Para fazê-lo é necessário, primeiro, romper com o conformismo teórico, redefinindo o conceito de democracia e desafiando a todos os acadêmicos que se satisfazem com uma visão burguesa e, portanto elitista e processual-formal da democracia. É preciso, portanto, nadar contra a corrente da mesmice, que se nega a questionar a realidade, optando por adequar-se a ela.

Redefinir a democracia é estabelecer uma nova categoria de análise, distinta das referências provenientes do mercado, como competitividade, produtividade e eficiência. Redefinir a democracia é lutar contra o embrutecimento diário que faz com que cada cidadão brasileiro veja a pobreza, a fome e a miséria como algo natural. Redefinir a democracia, sem receio de ser excluído e marginalizado, é a responsabilidade de qualquer acadêmico que pretenda contribuir para uma sociedade menos desigual.

O primeiro passo nesse sentido é afirmar que não existe democracia sem participação cidadã191, pois a efetiva participação cidadã e a ampliação dos mecanismos que a transformam em realidade não são os elementos definidores das “democracias burguesas” existentes.

O segundo passo exige, como conseqüência, que se reconheça que os termos “democracia” e “participação” são significados que estão em disputa na sociedade brasileira e podem ser encontrados nos discursos e nas práticas de forças políticas absolutamente antagônicas. Portanto, faz-se necessário debater e explicitar não somente o sentido que se atribui à “democracia”, mas também à “participação cidadã”.

Justifica-se o mencionado objetivo, pois num país marcado por uma tradição autoritária e excludente, onde as relações clientelistas, paternalistas e de favor sempre foram regra, é difícil acreditar que “democracia” e “participação cidadã” sejam, de fato, objetivos buscados. Ao contrário, a banalização da discussão sobre esses conceitos parece colaborar para a manutenção da ausência histórica dos mesmos na prática da gestão pública.

191 Participação cidadã e participação popular são expressões que serão utilizadas neste estudo com o

Portanto, este Capítulo está dividido em três partes. A primeira dedica-se, a partir de recentes pesquisas de opinião sobre o apoio à democracia, a examinar qual a “democracia” que é realmente existente na sociedade brasileira. Numa segunda parte, define-se “cidadania”, elemento nuclear de qualquer conceito de democracia. E na terceira parte, o objetivo é estudar o fenômeno da participação, examinando como o mesmo está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, assim como na gestão pública.

6.2 – Democracia

6.2.1 – A democracia nas pesquisas de opinião

Nos últimos anos um novo instrumento metodológico-ideológico vem sendo utilizado freqüentemente: os indicadores internacionais de democracia. Vários organismos internacionais estão voltados para realizar pesquisas de opinião com esse objetivo. Duas iniciativas latino-americanas merecem destaque: Latinobarómetro192 e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Pesquisas de opinião na América Latina e especialmente no Brasil têm revelado que o apoio à democracia tem sido posto em cheque. Uma das iniciativas mais destacadas nesse sentido é a pesquisa anual realizada desde 1996 pela organização não- governamental Latinobarómetro, baseada em cerca de dezenove mil entrevistas para se constituir uma amostra dos 400 milhões de latino-americanos e suas percepções sobre o regime democrático.

No tocante ao apoio à democracia, o Latinobarómetro realiza a seguinte pergunta: com qual afirmação você concorda mais? Oferece três respostas possíveis: (a) a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo; (b) em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um democrático; e (c) não há diferença entre um regime democrático e um não democrático.

No caso brasileiro, consta no Latinobarómetro que: no primeiro ano em que a pesquisa foi feita (1996), 50% dos brasileiros preferiam a democracia a qualquer outra

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forma de governo. Esse índice começou a cair a partir de 1998, ano da crise econômica que resultou na desvalorização do real em 1999, tendo atingido seu percentual mais baixo em 2001 (30%). Apesar da preferência pela democracia ter voltado a crescer em 2002 (37%), muito em função da expectativa gerada por uma nova eleição presidencial, os dados do Informe de 2005 (ver Gráfico 2) revelam que apenas 37% dos brasileiros acreditam que a democracia é preferível a qualquer outra forma de governo (enquanto a média dos latino-americanos é de 53%). Ou seja, 63% dos brasileiros entendem que em algumas circunstâncias, um governo autoritário pode ser preferível a um democrático ou que não há diferença entre um regime democrático e um não democrático (enquanto a média dos latino-americanos é de 47%).