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O QUADRO DE REFERÊNCIAS ULTRALIBERAIS: TEORIA(S) E MACRO-PRÁTICAS DO “NOVO” ESTADO

A REFORMA ULTRALIBERAL DO ESTADO

2.1 – Introdução

Em 26 de dezembro de 1996, quando o governo Fernando Henrique Cardoso, publicou a Lei nº 9.427, criando a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Brasil deu início ao seu processo de reforma regulatória dos serviços públicos, pela via das agências reguladoras.

A ANEEL não é o primeiro ente regulador da história da Administração Pública brasileira, mas é o primeiro a ser constituído no âmbito da reforma do Estado brasileiro iniciada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1995, com o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE)”, elaborado pelo Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE), aprovado pela Câmara da Reforma do Estado, em setembro de 1995, e publicado pelo Presidente da República, em novembro de 1995. O Banco Central, o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, entre outros, também são órgãos públicos com funções reguladoras, mas o contexto em que foram criados não é o mesmo das agências reguladoras e, portanto, não observam à mesma lógica. Por isso, não serão objeto de estudo deste trabalho.

A expressão “reforma do Estado” está sendo utilizada, neste capítulo, de forma ampla e genérica, com a intenção de identificar todo e qualquer processo de reformas que esteja sofrendo o Estado, a partir do impacto da globalização e das políticas

ultraliberais.

Fernando Henrique Cardoso, na apresentação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), afirmou que a reformar o Estado brasileiro era uma necessidade dentro do “quadro de uma economia de mercado”. Portanto, a criação de agências reguladoras no Brasil insere-se no contexto da reforma do aparelho do Estado, que, por sua vez, é conseqüência direta da teoria ultraliberal e do fenômeno da globalização.

Christian CAUBET (2004, p.11) resumiu esse momento histórico, relacionando as transformações sofridas pelo Estado à ideologia ultraliberal e ao processo de globalização.

A partir dos anos 1980, a ofensiva de diversos setores políticos e empresariais objetiva voltar atrás, nas condições de funcionamento do Estado de bem-estar social, além de inovar nas formas e modalidades da produção e da propriedade privada. Trata-se de suprimir vantagens já conquistadas, a par de aumentar os lucros e a produtividade do sistema. Inúmeros conceitos, criados nesse período, ilustram que muitos parâmetros fundamentais do sistema estão mudando. Pode-se citar, por exemplo, conceitos como os de: desregulamentação; deslocalização; precariedade; exclusão; globalização ou mundialização; Estado-mínimo; governança; resiliência; subsidiariedade. O fato de voltar atrás caracteriza atitudes políticas de reação e enseja o uso do epíteto reacionário, ao pé da letra e de forma metafórica, para qualificar tendências majoritárias do sistema ocidental como um todo. É nesse sentido que o neologismo “ultraliberal” está sendo usado nesta obra: refere-se a uma vontade política, a uma ideologia e a práticas de governo que promovem o retrocesso social e político, alma do novo sistema econômico que parece triunfar com a noção de globalização.

É evidente que há uma hipótese que sustenta esse raciocínio: as reformas sofridas pelos Estados ocidentais24, a partir dos anos 1980, são influenciadas pelo processo de globalização, que por sua vez exige um projeto político e ideológico, teoria ultraliberal.

No caso brasileiro, analisar o contexto em que surgem as agências reguladoras é como desvelar uma densa teia, onde quem ganha e quem perde nem sempre é tão visível.

Este Capítulo pretende demonstrar que: o fim do Estado é um mito; a atual relação existente entre os Estados desenvolvidos e os subdesenvolvidos configura um

24 Neste estudo os países latino-americanos são considerados países ocidentais, pois as elites latino-

americanas sentem-se ocidentais e conduziram reformas de redução do tamanho do Estado, em consonância com os ditames ultraliberais. Entretanto, é importante que seja ressaltado que os países latino-americanos possuem sociedades diversas das sociedades brancas ocidentais e que seu autor tem consciência do que Pierre BOURDIEU (1998, p.30) denominou de “falso universalismo ocidental”, quando o “universalismo é apenas um nacionalismo que invoca o universal”.

imperialismo de “novo tipo”, em que os organismos internacionais e as empresas transnacionais são os principais representantes dos primeiros; as transformações que sofreram e vem sofrendo os Estados, a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980, são resultados da teoria ultraliberal e da globalização.

Em função disso, o Capítulo está dividido em duas partes. A primeira parte examina o surgimento do Estado ultraliberal, o mito do fim do Estado e introduz a discussão sobre a reforma do Estado; e a segunda dedica atenção à pressão internacional que realizam os organismos internacionais e as empresas transnacionais por reformas nos Estados (especialmente na América Latina), passando pelo “Acordo de Bretton

Woods”, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial (BIRD), pela

cartilha do “Consenso de Washington” e pelo novo formato de Imperialismo que o capitalismo faz surgir, a partir do final da “Guerra Fria”.

2.2 – Estado ultraliberal

Em meados da década de 90, Perry ANDERSON (1996, p.14) já identificava a hegemonia alcançada pelo ultraliberalismo como ideologia, quando afirmou que “no início somente governos explicitamente de direita radical se atreveram a pôr em práticas políticas neoliberais; depois, qualquer governo, inclusive os que se autoproclamavam e se acreditavam de esquerda25, podia rivalizar com eles em zelo neoliberal”.

Óscar CORREAS (1996, p.6-7) identificou tal situação como o grande êxito do ultraliberalismo, pois conseguiu introduzir no imaginário social e jurídico26 o conceito de globalização:

como se fosse natural, como se não houvesse sido decidida por algumas mentes poderosas. E falam dos tratados e demais leis que a organizam, como se fossem de direito natural; como se não houvesse outra possibilidade que produzir essa legislação. “Há que ser realista”, dizem os que, não sendo liberais, participam desse imaginário jurídico, e engoliram essa ideologia como se fosse ciência.(...) Existe, na verdade, entre os não neoliberais, uma ideologia do cansaço: “não há nada que fazer”.

25

Por exemplo: Partido dos Trabalhadores (PT), em 2002, no Brasil; Partido Socialista Operario Español (PSOE), em 14 de março de 2004, na Espanha; esmagadora vitória do Partido Socialista nas eleições regionais francesas de 28 de março de 2004.

26 Pierre BOURDIEU (1998, p.31) identificou que “tal coerção econômica se disfarça muitas vezes de

A reforma regulatória brasileira faz parte desse contexto mais amplo e pode ser reconhecida como uma das tantas serpentes que fazem parte da “cabeça de medusa da lógica capitalista”, dentro do contexto da globalização e do ultraliberalismo.

2.2.1 - Antecedentes: o Estado no contexto do capitalismo

As formas de Estado, ao longo da história, vêm correspondendo, de forma instrumental, às estruturas sócio-econômicas prevalecentes em cada período. O Estado Moderno, na conformação de Estado liberal e Estado de bem-estar social, distingue-se do modelo anterior, o Estado feudal por três características básicas: diferenciação entre esfera pública e privada; dissociação entre poder político e poder militar; e separação entre funções administrativas e políticas.

Não é objetivo deste trabalho revisar exaustivamente o surgimento do Estado capitalista e tampouco observar todas as suas transformações históricas. Entretanto, faz- se necessário definir o que se entende por Estado liberal e Estado de bem-estar social, dois conceitos que serão utilizados de forma recorrente.

O Estado liberal exige um modo de produção capitalista. Está baseado numa economia de mercado, em que a atuação do Estado é restrita. O Estado não é considerado um sujeito econômico e sua atividade se limita a garantir o livre funcionamento do mercado, ou seja, a atividade estatal é exterior à atividade econômica, pois, em tese, não deve interferir na mesma. Portanto, o Estado liberal caracteriza-se pelo apoio à ordem capitalista, limitando as suas intervenções nos campos social e econômico, estimulando a auto-regulação da sociedade em suas diversas esferas.

Já o Estado de bem-estar social possui uma natureza intervencionista. Está voltado para a redução dos desajustes sócio-econômicos decorrentes dos momentos de crise do sistema capitalista. A regulação estatal emerge como medida preventiva contra os abusos de mercado, envolvendo a ação do poder executivo por meio de órgãos públicos orientadores e restritivos da ação da livre iniciativa. As práticas prescritas por Keynes e adotadas pelo governo norte-americano à época da depressão econômica de

1929 foram consolidadas com a Segunda Guerra Mundial.

Para Pierre BOURDIEU (1998, p.48) “o Estado é uma realidade ambígua (...), não é completamente neutro (...), é o lugar dos conflitos”. Portanto, quem controla o Estado, também exerce poder. Por isso ele é alvo de disputas tanto internas quanto externas. No plano teórico, o Estado deve ser o guardião dos valores éticos do bem comum, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. Tal concepção, no contexto do capitalismo, nunca passou de uma aspiração.

2.2.2 – O Estado ultraliberal

O Estado, como o principal agente e instância de deliberação e poder, encontra- se, atualmente em cheque, fruto de um avassalador processo globalizante, que tenta retirar do Estado-nação a centralidade do poder político, a partir da submissão total à lógica do mercado. O capitalismo transforma tudo em mercadorias, bens e serviços, incluindo o trabalho. O ultraliberalismo vai além, transformando em mercadorias os serviços públicos essenciais: saúde, educação, água, luz, etc.

As contradições existentes no modo de produção capitalista geram crises que são aprofundadas ou estendidas de acordo com a luta de classes e as condições pragmáticas de desenvolvimento do capitalismo. Entretanto, estranhamente a crise da qual se fala e se escreve é a crise do Estado e não a crise do capitalismo, dando a entender que o Estado está em crise, que vivemos um período de transição do Estado-nação e isso não é verdade.

A crise que se aprofunda é a crise do capital, crise essa que foi estancada, parcialmente, com o Estado de bem estar social, no pós-Segunda Guerra Mundial, em alguns países, mas que com a primeira crise do petróleo, no início de 1973, voltou a mostrar sinais.

Entretanto, é a partir da segunda crise do petróleo, em 1979, que o Estado neoliberal começa, de fato, a constituir-se. Após sucessivos fenômenos de recessão, déficit fiscal, aumento do desemprego, entre outros, o culpado passa a ser o Estado de bem estar social. O capitalismo é um sistema altamente dinâmico.

Na América Latina, a crise financeira internacional de 1982/83 gerou um colapso generalizado nas economias dos países da região. Os Estados latino-americanos foram taxados de ineficientes, mal geridos e inadimplentes. A solução adotada foi reduzir o déficit orçamentário (em especial no que se refere à despesa pública) e implementar políticas de diminuição da máquina estatal.

Antoni VERGER (203, p.24) recorda que:

como se define nos últimos informes do Banco Mundial, o Estado deve procurar criar as condições adequadas para o crescimento econômico. Em tempos de ultraliberalismo o Estado não está mais frágil, apenas mudou de funções. No modelo de Estado a que nos referimos, as funções sociais são um obstáculo para o desenvolvimento: o Estado não pode seguir garantindo o bem-estar dos cidadãos e cidadãs. Sua função principal, como diz o próprio Banco Mundial, deve ser garantir a ordem pública, proteger a propriedade privada e aplicar as normas e políticas de forma previsível.

2.2.3 – Estado democrático de direito e teoria ultraliberal: uma contradição insuperável

Como se deve chamar o Estado fundamentado na ideologia ultraliberal? A resposta óbvia indicaria a denominação “Estado ultraliberal”. Entretanto, ela não é usual. Na América Latina, por exemplo, após as ditaduras militares, anos 1980, o “sonho” de qualquer país era constituir um “Estado democrático de direito”. Por outro lado, os anos 1990 corresponderam ao início da trajetória ultraliberal na América Latina. E aí reside a dificuldade: encontrar um Estado democrático de direito que seja regido pela teoria ultraliberal. É uma tarefa que vai além das possibilidades de qualquer jurista ou sociólogo sério.

O Estado democrático de direito está fundamentado na soberania e na autonomia. Em tese, a condição exigida por um Estado democrático de direito é jamais estar subordinado aos ditames estritos das regras econômicas, mesmo que tidas por muitos como “leis insuperáveis” que regem a sociedade. Neste particular tanto a economia clássica como suas mais atuais manifestações que atendem exclusivamente ao mercado, diferem apenas quanto à natureza da lei que submete as sociedades, eis que concordam em essência que existam leis econômicas que subordinam as pessoas. Ou seja, não são os sujeitos sociais que escolhem seus caminhos. Antes, existem especialistas que,

conhecedores das “ocultas” regras da organização e realidades sociais, desvendam-lhe o sentido, determinam o rumo dos governos e desenham as regras com que devem se mover os partidos e as sociedades. Pois um Estado democrático de direito é avesso à noção de regras de especialistas, que sempre estão ocupados em desvendar, e após revelar, quais as leis devemos seguir. O conteúdo “democrático de direito” é intrinsecamente político e se sustenta a partir da decisão política voluntária, já que democrática. É antes de qualquer coisa, um Estado fundado num acordo social, na concertação das vontades e na defesa dessas regras assim instituídas e não de qualquer outra. De certa maneira, um Estado democrático de direito é a forma de uma sociedade ideal onde deve imperar o desejo concertado de seus indivíduos e não de leis ou regras que os mesmos desconheçam. Portanto, há uma contradição insuperável entre o Estado democrático de direito e a teoria ultraliberal, que reside na contradição existente entre o ultraliberalismo e a democracia (leia-se contradição entre capitalismo e democracia)27.

2.2.4 - O mito do fim do Estado

A globalização e a teoria ultraliberal afetaram os Estados “desenvolvidos” e os Estados “subdesenvolvidos” de forma diversa. Atilio BORON (2002, p.90) defende a tese de que os Estados de capitalismo avançado “fortaleceram-se nos últimos vinte anos, apesar de que muitos governos desses Estados tenham sido verdadeiros campeões da retórica anti-estatista que iniciou furiosamente no começo da década de 1980”. Para comprovar sua assertiva, recorre ao exame da proporção do gasto público com relação ao PIB de cada país desenvolvido e observa que vem ocorrendo um aumento do tamanho do Estado. Em 1980, num universo de quatorze países da OCDE, o gasto público correspondia a 43,4% do PIB, enquanto que em 1996 o percentual havia subido para 47,1%.

Outra diferença importante entre países “desenvolvidos” e “subdesenvolvidos” é no tocante à abertura do mercado. Enquanto os primeiros mantiveram suas políticas protecionistas, os últimos foram obrigados a abrir seus mercados, quase que sem regulação estatal.

27

Atilio BORON (2002, p.45 e 46), discordando do mito do desaparecimento dos Estados nacionais, pergunta: no caso de expropriação de uma filial de uma empresa, dita global, como Microsoft, McDonald’s ou Ford, quem apareceria para reclamar?

A pergunta de Atilio Boron foi respondida recentemente, após o governo argentino ter anunciado, dia 22/03/2006, a reestatização da empresa Águas Argentinas

S.A. (AASA)28, cujos principais acionistas são o grupo francês Suez e o grupo catalão

Águas de Barcelona. No mesmo dia, após o anúncio da reestatização, o porta-voz das

Relações Exteriores da França, Jean-Baptiste Mattéi, falou de uma “decisão repentina” do governo argentino e exortou a adotar “medidas adequadas” (referindo-se, obviamente, à indenização) para que Suez possa encerrar suas atividades em “condições satisfatórias”. Em sinal de represália, o presidente francês, Jacques Chirac, excluiu a Argentina da viagem realizada pelo Cone Sul da América Latina, no final do mês de maio de 2006, mantendo apenas Brasil (24 a 26/05/2006) e Chile (26 e 27/05/2006) no roteiro inicialmente previsto29.

2.2.5 – A reforma do Estado30: solução para a crise do Estado ou para a crise do capitalismo?

O conceito de reforma nada tem a ver com o conceito de correção. A reforma foi e é apresentada como a dissolução de um modelo prévio para a formação de um novo esquema de crescimento baseado na abertura comercial para o exterior e no mercado externo como principal beneficiário.

É importante recordar que a reforma não se refere ao estabelecimento de limites à intervenção econômica do Estado, mas sim à reorientação dos propósitos dessa intervenção. É por isso que a reforma do Estado possui uma contradição: a supremacia

28

No Capítulo IV, quando do relato da experiência estrangeira, a reestatização da empresa Águas Argentinas S.A. (AASA) é objeto de detalhada análise.

29 Para maior informação, ver notícias veiculadas sobre o fato no sítio do jornal argentino El Clarín: La

relación con Francia quedó ahora en su punto más flaco

(http://www.clarin.com/diario/2006/03/23/elpais/p-00401.htm), em 23/03/2006, e Chirac, de gira por Sudamérica, no visita a la Argentina (http://www.clarin.com/diario/2006/05/25/elmundo/i-02701.htm), em 25/05/2006. Acesso em 10/06/2006.

30 Neste trabalho sempre que as expressões “reforma do Estado” e “reforma do aparelho do Estado”

do mercado, que é a superação das distorções extra-econômicas (políticas e sociais) no jogo da oferta e da demanda, deve ser buscada por um profundo processo de reforma política. Normalmente esse processo é destituído de caráter democrático. Por exemplo, o processo de privatizações no Brasil nunca foi objeto de consulta popular. Ou seja, a cidadania brasileira nunca foi chamada a participar da tomada de decisão que decidiu privatizar as empresas públicas de um determinado setor (telefonia, energia elétrica, água, etc.). Ademais, os inúmeros protestos (passeatas, petições, ações sindicais, etc.) realizados por setores da sociedade civil organizada também não foram objeto de efetiva consideração por parte da “classe política”.

Observa-se que a discussão que envolve o tema da reforma do Estado é resultado de um falso dilema, pois antes de representar uma solução para a crise do Estado, ela representa a tábua de salvação do capitalismo. Portanto, é uma discussão que deve ser travada primeiramente no campo da ideologia31.

Os aspectos ideológicos de onde parte a tese predominante da reforma do Estado no Brasil32 estão vinculados com o conservadorismo no plano político e com o ultraliberalismo no econômico.

O tema da reforma do Estado ganhou projeção ao final da década de 1970, na Inglaterra, quando o modelo estatal montado no pós-guerra passou a ser responsabilizado pela crise do capitalismo. Na América Latina, a grande justificativa foi dada pela crise fiscal, gerada pelos “choques do petróleo” (1973 e 1979), que teve efeitos por toda a década de 1980. No Brasil, foi a partir da metade da década de 1990, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, que esse debate ganhou impulso e passou a merecer destaque.

O processo de reforma do Estado brasileiro ocorreu para propiciar a formação de um Estado de tipo ultraliberal. A combinação de medidas de estabilização macro- econômica, ajuste estrutural e readequação de atividades do Estado correspondeu a um pacote geral de reformas. O Estado organizado pelo protagonismo econômico do setor público deu espaço a um modelo “entreguista” ao setor privado que prioriza o lucro em detrimento do interesse público.

Luiz Carlos BRESSER PEREIRA, principal formulador do “Plano Diretor da

31 Este estudo trabalha com o conceito de ideologia como um conjunto de idéias que podem ser utilizadas

para justificar o sistema de dominação (ideologia dominante) ou para deslegitimar essa dominação.

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Reforma do Aparelho de Estado” (PDRAE), deixa evidente os motivos que a justificaram: “num sistema capitalista crescentemente mais competitivo as exigências, tanto econômicas como de eficiência, requerem uma reforma na Administração Pública que permita sua evolução até uma verdadeira gestão pública” (2004, p.13-14).

Portanto, o principal postulado ultraliberal que colabora para a idéia de reforma do Estado é: o Estado intervencionista na economia deve dar lugar a um Estado regulador, pois o Estado interventor é ineficiente, corrupto e distorce a economia.

Edgar MORIN (2004, p.03) questionando-se quanto à possibilidade de reformar a Administração Pública, afirma que ela não pode ser concebida isoladamente, necessitando de um outro conjunto de reformas:

somente pode se realizar dentro de um processo complexo de transformações e regenerações humanas, sociais e históricas, que incluem uma reforma da sociedade, uma reforma da educação, uma reforma da vida (do modo de viver) e uma reforma ética, posto que a moral está baseada na responsabilidade e na solidariedade.

A reforma do Estado, portanto pode ser definida como um processo integral que inclui diversas dimensões: política, econômica, social, administrativa e jurídica.

Normalmente, as medidas propostas são: redução do tamanho do Estado, fixação de limites ao gasto público, controle do endividamento das instituições públicas, racionalização do fasto público, políticas de privatização e reformas regulatórias.

Não há dúvida de que a reforma do Estado, portanto, não se limita à reordenação administrativa. O conceito de espaço público e as relações entre o Estado e a sociedade são temas igualmente importantes nesse contexto.

O debate referente à reforma do Estado tem sua base teórica de apoio na escola