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O BRASIL E OS NOVOS PARÂMETROS DA GESTÃO PÚBLICA

GRÁFICO 3: AMÉRICA LATINA APOIO À DEMOCRACIA

Apoio à democracia Brasil X América Latina

42.4 27.0 30.6 26.5 30.5 43.0 0 10 20 30 40 50

Democratas Ambivalentes Não-democratas

p e r c e n tu a l d a p o p u la ç ã o Brasil América Latina

Fonte: “Relatório sobre a Democracia na América Latina” (PNUD, 2004).

A proporção de “democratas” brasileiros é ligeiramente superior à de “não- democratas”, mas a diferença é tão pequena que está dentro da margem de erro da pesquisa, que é de três pontos percentuais, para mais ou para menos no caso do Brasil.

Os democratas podem ser definidos como aqueles que têm uma atitude permanentemente positiva em relação à democracia em todos os três aspectos estudados: apoio às instituições representativas, apoio à democracia como sistema de governo e apoio a limitações ao poder do presidente. Os não-democratas, por sua vez, apresentam atitudes contrárias aos preceitos democráticos em todas as três dimensões pesquisadas. São os que mais concordam, por exemplo, com a frase “não importa se um governo é autoritário desde que ele resolva os problemas”. Já os ambivalentes alternam opiniões a favor de instituições como o Congresso e os partidos e dos princípios da democracia representativa, por um lado, com simpatia por soluções de força centradas no presidente, que é considerado à frente das leis, e habilitado a deixar de lado o Congresso para governar.

Combinando essas três condições, os autores do relatório elaboraram uma medida sintética, o Índice de Apoio à Democracia (IAD). Ele expressa a proporção de democratas versus não-democratas, o grau de ativismo político dos três grupos e a distância de posições entre ambivalentes e os demais. Quanto mais uma população apóia a democracia, maior o valor do IAD de um país, quanto menor esse apoio, mais próximo de zero será o índice. Nesses casos, segundo o relatório, os regimes democráticos estão mais sujeitos a uma crise do que naqueles em que há um respaldo de cidadania aos valores da democracia. O Brasil tem um IAD inferior à média latino- americana, que é de 2,03. Fica em 15º lugar no ranking dos dezoito países, com um IAD de 1,12, à frente apenas de Colômbia, Paraguai e Equador. A classificação é liderada por Costa Rica e Uruguai, com índices de 7,32 e 4,31, respectivamente.

Ademais, em toda a população entrevistada foram detectados somente sete não- democratas “puros” e cento e quarenta e dois democratas “puros” (os dois somam apenas 1% das pessoas). Um não-democrata “puro” é uma pessoa que em todos os aspectos incluídos na pesquisa das tendências sempre escolheu a resposta mais hostil à democracia. Pelo contrário, um democrata “puro” é uma pessoa que, em todos os casos, escolheu a resposta mais favorável à democracia.

Uma última reflexão a respeito da pesquisa do PNUD é necessária. Na América Latina, palco de diversos governos ditatoriais, ao longo do século XX, é, no mínimo, um despropósito que uma pesquisa de opinião tenha a seguinte pergunta-chave como referente nuclear focal: “você apoiaria um governo autoritário se ele pudesse resolver os problemas econômicos”? Parte-se do pressuposto, em primeiro lugar, de que há um consenso entre os entrevistados acerca de quais seriam os problemas econômicos principais na América Latina. Em segundo lugar, a pergunta é claramente tendenciosa, pois supõe que de algum modo uma situação autoritária poderia resolver tais problemas. É uma questão que reafirma, de antemão, a possibilidade de os governos agirem sobre as dificuldades econômicas. Em terceiro lugar, essa questão deixa implícito que em determinados momentos, no continente latino-americano, os problemas econômicos foram resolvidos pelas ditaduras estabelecidas, não demonstrando nenhuma preocupação com a diferença existente entre crescimento e desenvolvimento, na medida em que o primeiro não possui como objetivo a desconcentração de renda e a diminuição da desigualdade social.

Mesmo que os dados mencionados do Latinobarómetro (2005) e do “Relatório sobre a Democracia na América Latina” (PNUD, 2004) abordem uma realidade diversa e complexa e que também possuam grande disparidade de critérios teóricos e metodológicos (o que gera dificuldades na hora de comparar os indicadores existentes), ambos apontam um grande paradoxo: se por um lado o Brasil possui mais de duas décadas de governos “democráticos”, por outro enfrenta uma profunda crise social, materializada na pobreza e na desigualdade social e econômica, que põe em dúvida o papel que vem cumprindo a democracia nesse contexto.

Como explicar esse paradoxo (ou ambigüidade, como preferem alguns), revelado pela crise no apoio à democracia? É necessário distinguir o apoio que os brasileiros dão à democracia, como regime político, das críticas que eles fazem ao seu funcionamento e eficácia. Parece haver crença no ideal democrático, mas, por outro lado, há uma evidente insatisfação com o mau funcionamento das instituições, que tem resultado no prejuízo das condições de vida e na falta de melhoria dos indicadores sociais. Avaliar essa situação implica analisar a crise da democracia no país, resultado também da incapacidade dos partidos políticos de agirem como mediadores entre a sociedade e o Estado, muito por estarem cada vez mais interessados na defesa de interesses privados. Exige, também, questionar sobre que democracia os brasileiros estão falando nessas pesquisas, sob pena de transformar o resultado dessas pesquisas em artefatos sem qualquer sentido.

Por isso, é necessário explicitar, desde logo, o que se entende por democracia, pois será a partir desse conceito que a “reforma do Estado” no Brasil e especialmente as agências reguladoras brasileiras são analisadas.

6.2.2 - A insuficiência da “democracia burguesa”

Hoje, parece haver tantas definições de democracia quanto há autores preocupados em defini-la. Entretanto, tamanha diversidade conceitual também vem sendo responsável por uma grande confusão teórica. A confusão começa no conceito em si. É o fenômeno que Giovanni SARTORI (1994, p.22) denominou de “era de democracia confusa”.