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GRÁFICO 1: AMÉRICA LATINA EVOLUÇÃO DA POBREZA E DA INDIGÊNCIA 1990-2004 (%)

O QUADRO DE REFERÊNCIAS ULTRALIBERAIS: TEORIA(S) E MACRO-PRÁTICAS DO “NOVO” ESTADO

GRÁFICO 1: AMÉRICA LATINA EVOLUÇÃO DA POBREZA E DA INDIGÊNCIA 1990-2004 (%)

Fonte: CEPAL34.

Segundo estimativas da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) a situação da pobreza35 e da indigência36 nos países latino-americanos não sofreu alterações importantes da segunda metade dos anos 1990 até 2004 (último ano avaliado). Em 2004, 42.9% das pessoas na América Latina viviam abaixo da linha da pobreza, ou seja, em níveis muito semelhantes a 1997 (43,8%). Quanto à taxa de indigência pode-se afirmar algo parecido, ou seja, quase não houve variação com respeito a 1997.

34 Para informação mais detalhada ver “Panorama Social de América Latina” (novembro de 2004),

disponível em http://www.eclac.org (acesso em 20/06/2006).

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A definição de pobreza usada na América Latina pela CEPAL se dá mediante o “método de ingresso”, baseado no cálculo da linha de pobreza. Esta representa o montante do ingresso que permite que cada família satisfaça as necessidades básicas de todos os seus membros. A linha de pobreza está baseada na estimativa do custo de uma cesta básica de alimentos que cubra as necessidades nutricionais da população e que leva em consideração seus hábitos de consumo, assim como a disponibilidade efetiva de alimentos no país e seus preços relativos. Ao valor dessa cesta básica deve ser somada a estimativa dos recursos requeridos pelas famílias para satisfazer o conjunto de necessidades básicas não alimentares.

36 Já a linha de indigência (pobreza extrema) é definida levando em conta somente o custo da cesta básica

Considerando que o processo de “reformas do Estado” tem início na América Latina justamente a partir da segunda metade dos anos 1990, mesmo que o período analisado seja relativamente curto (1997-2004), pode-se concluir que ele não colaborou para a redução da pobreza e da indigência na região.

Basicamente, dois tipos de estratégias podem ser identificados para realizar uma reforma: nacionalista (com um projeto nacional de desenvolvimento), e de influência estrangeira (desenhada e instrumentalizada pelos países desenvolvidos, credores e ricos, pelos organismos financeiros internacionais e pelas grandes empresas transnacionais). Outros dois tipos de atores também têm influência no processo de pressão para reformar o Estado, especialmente na América Latina. São eles: intelectuais neoliberais e elites dos países subdesenvolvidos. Todos esses atores têm em comum a ideologia ultraliberal nos seus discursos.

Deve-se observar que as medidas que compõem as reformas do Estado nos países periféricos estão quase sempre vinculadas a prescrições de organismos internacionais. Por exemplo, em razão da importância do papel que cumprem as agências reguladoras para os objetivos comerciais dos países desenvolvidos e das grandes empresas transnacionais, o Banco Mundial (BIRD)37 e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)38 produziram uma série de documentos (na verdade funcionam quase como cartilhas, como é a praxe no relacionamento desses organismos com Estados periféricos), fazendo recomendações para que sejam empreendidas reformas regulatórias nos países subdesenvolvidos.

É curioso observar, apesar de todo o empenho dos organismos internacionais em dizer o contrário, que nos países desenvolvidos os gastos governamentais com relação ao PIB não foram fortemente reduzidos, mesmo depois da reestruturação do setor público ocorrida nas duas últimas décadas. Quanto aos funcionários públicos, não se observa redução quanto ao número, mas sim alteração na localização governamental. As reformas nos países desenvolvidos têm buscado conciliar a atuação regulatória dos governos, o equilíbrio fiscal, a eficiência e a democratização da tomada de decisões,

37 Ver http://www.worldbank.org, para obter as recomendações do Banco Mundial (BIRD) para as

reformas regulatórias, tais como: How to strengthen regulatory framework / agencies; Concession for

infrastructure: a guide to their design and award; Regulatory trade-offs in the design of concession Contracts. Acesso em 15/04/2006.

38 Ver http://www.oecd.org, para obter as recomendações da Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) para as reformas regulatórias, tais como: Ad hoc advisory group

on regulatory reform: the OECD report on regulatory reform (1997) e The OECD report on government capacity to assure high quality regulation (1999). Acesso em 15/04/2006.

sem a necessidade do desmantelamento do Estado. Já nos países latino-americanos as reformas estão associadas ao enfraquecimento do Estado.

2.3 – A pressão internacional para reformar o Estado

Não se pretende exaurir esse tema, apenas realizar uma breve reflexão, apontando algumas das instituições que cumprem esse papel, na medida em que foram e continuam sendo decisivas no processo de reforma do aparelho do Estado brasileiro.

2.3.1 – Organizações internacionais: co-governo?

Os Estados dos países desenvolvidos detêm os meios de transformar relações de poder em regras aparentemente universais. Para tal, costumam utilizar-se da pretensa neutralidade das grandes instâncias internacionais por eles dominadas. John SAXE- FERNÁNDEZ e Gian Carlo DELGADO-RAMOS (2004, p.24) afirmam que na América Latina a presença de instituições como o FMI e o Banco Mundial corresponde a um “co-governo”.

Na exame das privatizações brasileiras da situação brasileira é realizada uma análise detalhada dos mecanismos jurídicos utilizados por instituições como o FMI e o BIRD para pressionar o governo brasileiro a privatizar empresas públicas. Tal estratégia corresponde ao conceito de “condicionalidade cruzada” (FMI e BIRD exigem que os Estados latino-americanos a cumpram, respectivamente, cartas de intenção e programas de ajuste estrutural, que são complementares). John SAXE-FERNÁNDEZ e Gian Carlo DELGADO-RAMOS (2004, p.142) definem o termo como “a condicionalidade imposta pelo FMI e a correspondente aos empréstimos setoriais do Banco Mundial. Para acessar a qualquer linha de crédito desta última instituição, é um necessário o visto positivo do FMI”.

informais do governo norte-americano”. Já para John SAXE-FERNÁNDEZ e Gian Carlo DELGADO-RAMOS (2004, p.16), “o FMI e o Banco Mundial foram desenhados de forma tal que Washington pudesse dominar suas políticas e impulsionar programas favoráveis a seu aparato empresarial, pela via de seus mecanismos de votação”.

Gordon SMITH (2002, p.54 e 55), analisando a possibilidade de alteração no modelo de votação usado pelo FMI e pelo Banco Mundial, afirma que:

uma enorme suspeita e algum desconforto continuam a existir relativamente ao desempenho e às políticas quer do FMI, quer do Banco Mundial. Foi avançado um extenso conjunto de propostas, apesar de nenhuma delas dizer respeito à modificação das estruturas de voto, questão que não figura na agenda.

Ao longo deste tópico, quando do exame individualizado do FMI e do Banco Mundial, pretende-se demonstrar que os Estados Unidos possuem o domínio formal dessas instituições, utilizando as mesmas para defender seus interesses e manter sua hegemonia, baseada em valores ultraliberais.

2.3.2 – O Acordo de Bretton Woods

Em 1944, de 1º a 22 de julho, 730 delegados representando 44 países se reuniram no Hotel Mount Washington, em Bretton Woods, New Hampshire, Estados Unidos, com o objetivo de definirem uma nova ordem econômica mundial para o período pós-guerra, que já se avizinhava.

Harry Dexter White, Secretário-Assistente do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e Keynes, representando a Inglaterra, foram os líderes da mencionada reunião e propuseram que fossem criadas instituições econômicas internacionais com o objetivo de uniformizar o sistema econômico internacional.

O documento firmado em 22 de julho de 1944, conhecido como o “Acordo de

Bretton Woods”, contemplava duas decisões importantes. A primeira dizia respeito a

três ações que deveriam ser empreendidas: predomínio do livre comércio e eliminação do protecionismo; financiamento externo de países com problemas de curto prazo; e políticas de reconstrução e desenvolvimento dos países devastados pela guerra. A

segunda decisão foi a criação de instituições responsáveis por reger o funcionamento do capitalismo contemporâneo, substituindo o sistema colonial existente pré-Guerra: Banco Mundial, em 1945; Fundo Monetário Internacional, em 1946; e Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) 39, em 1947.

2.3.3 - Fundo Monetário Internacional (FMI)40

Quando o FMI foi criado em 1944 tinha como objetivo regular o sistema monetário internacional. Visava assegurar a estabilidade do novo sistema monetário, baseado no dólar. Os empréstimos realizados pelo FMI podiam ser tomados com base nas quotas que os países membros dispunham no Fundo. Posteriormente criou-se outra modalidade de empréstimo: os acordos stand-by, não previstos no acordo original. Tal tipo de empréstimo permite ao membro associado sacar uma determinada quantidade de recursos além do assegurado por sua quota, com a condição de que explicite suas “intenções” em termos de política econômica. Progressivamente, o Fundo foi alterando seus objetivos iniciais, passando, cada vez mais, a controlar os países devedores. Nas “Cartas de Intenções” eram expressas as “condicionalidades”, ou seja, exigências de políticas econômicas que garantissem o pagamento dos compromissos com os credores internacionais. Por exemplo, as privatizações e a necessidade de um marco regulatório que desse tranqüilidade aos investidores estrangeiros são tipos de “condicionalidades” (no caso estruturais) constantes nas cartas de intenções assinadas pelos governos brasileiros, a partir dos anos 1990.

39 O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) foi assinado por 23 países, entre eles o Brasil,

durante a Rodada de Genebra, em 1947. O principal objetivo do GATT era a diminuição das barreiras comerciais e a garantia de acesso mais eqüitativo aos mercados por parte de seus signatários e não a promoção do livre comércio. O Acordo deveria ter um caráter provisório, até a criação da Organização Internacional de Comércio (OIT). Entretanto, as negociações realizadas na Conferência de Havana, em 1948, não obtiveram êxito e a OIT não foi criada em razão da recusa do Congresso norte-americano em ratificar o Acordo. Com isso, o sistema idealizado em Bretton Woods ficou apenas com dois pilares, o FMI e o Banco Mundial. O GATT incorporou então muitas das provisões da OIT, contidas na Carta de Havana (subscrita por 53 países, inclusive o Brasil), e foi adquirindo progressivamente atribuições de uma organização internacional. No entanto, não perdeu o seu caráter de acordo provisório e nem obteve uma personalidade jurídica própria. Em 1° de janeiro de 1995 entrou em funcionamento a Organização Mundial do Comércio (OMC), com a função de administrar o sistema multilateral de comércio resultante da Rodada Uruguai (1986/93), em substituição ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). Para maior informação, ver http://www.wto.org. Acesso em 12/03/2006.

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Hoje, compete ao FMI cuidar das políticas cambial, monetária, fiscal e salarial. A estratégia ultraliberal do FMI defende que essas políticas não devem ser distorcidas por intervenções governamentais inadequadas, uma vez que são a base de um novo modelo de estabilização (equilíbrio da balança de pagamentos e estabilidade de preços). Michel CHOSSUDOVSKY (1999, p.46) descreve como se dá o controle por parte do FMI.

O FMI monitora anualmente o desempenho econômico do país nos termos das Assessorias do Artigo IV (inspeção regular da economia de um país- membro). Essa inspeção fornece – juntamente com a trimestral, mais rigorosa, das metas de desempenho constantes dos acordos de empréstimo – a base das chamadas atividades de supervisão do FMI das políticas econômicas dos membros.

No caso do FMI o controle norte-americano está garantido pelo sistema interno de votação. O Convênio Constitutivo do FMI, no seu artigo III, seção 2, inciso C, diz que: “será requerido uma maioria de 85% da totalidade dos votos para acordar qualquer modificação das quotas”41.

Examinando a tabela com os percentuais de poder de voto dos membros do FMI42, observa-se que: os Estados Unidos possuem 17,08%. Após, em seqüência: Japão (6,13%), Alemanha (5,99%), Inglaterra (4,95%), França (4,95%), Itália (3,25%), Arábia Saudita (3,22%), China (2,94%), Canadá (2,94%), Rússia (2,74%), Holanda (2,38%), Bélgica (2,13%), Índia (1,92%), Suíça (1,60%), Austrália (1,50%), Brasil (1,41%), Espanha (1,41%), Venezuela (1,23%), México (1,20%) e Suécia (1,11%). Os outros cento e sessenta e quatro países não alcançam sequer um ponto percentual de poder de voto (o FMI, atualmente, é composto por cento e oitenta e quatro membros). Conseqüentemente, os Estados Unidos podem bloquear qualquer programa ou ação que vá de encontro aos seus interesses. Não resta dúvida de que o FMI é uma instituição porta-voz dos interesses norte-americanos.

No mesmo sentido, Noam CHOMSKY (2002, p.11), em entrevista43 concedida à jornalista Juana Libedinsky sobre o papel que cumpre o FMI, afirmou que o mesmo:

é uma subsidiária da Secretaria da Fazenda norte-americana. Se Estados Unidos realizasse as mesmas reformas que recomenda a países como

41

Ver http://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/spa/aa03.htm#2. Acesso em 23/03/2006.

42 Ver http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/members.htm, atualizado em 21/03/2006. Acesso em

23/03/2006.

43 América Latina no es colonia formal, pero sí lo es en términos económicos, publicada pelo jornal

Argentina teria que estar realizando enormes reformas estruturais, porque seu déficit é muito superior ao admissível. Algo que jamais fará e que nenhum país poderoso faria. Então, por quê deveriam aceitá-la? Até o titular da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) reconheceu que os países que mais haviam seguido as recomendações de Washington eram os que em pior situação estavam.(...) América Latina não é colônia formal desde o século XIX, porém continua sendo em termos econômicos.

Gerald BOXBERGER e Harald KLIMENTA (1999, p.45) afirmam que o FMI e o BIRD são instituições que transportam o pensamento ultraliberal, pois ambos defendem ações como: “a eliminação de alfândegas; retração do Estado com relação à economia; privatização de empresas estatais; abertura de fronteiras para o comércio; e para a participação de empresas, disciplina interna e estabilidade monetária”.

2.3.4 - Banco Mundial (BIRD)44

O Grupo do Banco Mundial é constituído por cinco instituições e sob uma única presidência: Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD)45,

Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) 46 , Corporação Financeira Internacional (IFC)47, Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI)48 e Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI)49.

O Banco Mundial teve como objetivo inicial financiar os projetos de recuperação econômica dos países atingidos pela Segunda Guerra Mundial, fornecendo empréstimos diretos, de longo prazo. Porém, a partir da década de 1980, o Banco Mundial começou a promover ajustes ultraliberais relacionados: à liberalização do

44 Para maior informação, ver http://www.worldbank.org. Acesso em 12/03/2006. 45

O BIRD proporciona empréstimos e assistência para o desenvolvimento a países de rendas médias com bons antecedentes de crédito. O poder de voto de cada país-membro está vinculado às suas subscrições de capital, que por sua vez estão baseadas no poder econômico relativo de cada país. O BIRD levanta grande parte dos seus fundos através da venda de títulos nos mercados internacionais de capital.

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A AID proporciona empréstimos e outros serviços a países subdesenvolvidos.

47 A IFC é a grande articuladora entre as organizações internacionais, as empresas transnacionais e os

Estados dos países periféricos. Ela financia investimentos do setor privado e a prestação de assistência técnica e de assessoramento aos governos e empresas. Em parceria com investidores privados, proporciona empréstimos e participação acionária em negócios nos países subdesenvolvidos.

48 A AMGI busca estimular investimentos estrangeiros nos países subdesenvolvidos por meio de garantias

a investidores estrangeiros contra prejuízos causados por riscos não comerciais.

49 O CIADI proporciona instalações para a resolução, mediante conciliação ou arbitragem, de disputas

comércio, à desregulamentação do sistema bancário, à privatização de empresas estatais e à reforma fiscal. A estratégia principal passou a ser aplicar Programas de Ajuste Estrutural (PAE), especialmente para os países “subdesenvolvidos”, condição para os mesmos receberem empréstimos e rolarem a dívida externa.

Michel CHOSSUDOVSKY (1999, p.46) recorda que:

o Banco Mundial está presente em muitos ministérios: as reformas na saúde, educação, indústria, agricultura, transporte, meio ambiente, etc. estão sob jurisdição. Além disso, desde o final dos anos 80, ele supervisiona a privatização de empresas estatais, a estrutura do investimento público e a composição dos gastos públicos através da chamada Revisão dos Gastos Públicos.

O Grupo Banco Mundial possui porcentagens de poder de voto por país. John SAXE-FERNÁNDEZ e Gian Carlo DELGADO-RAMOS (2004, p.19) lembram que no: BIRD, eixo do Grupo Banco Mundial, os EUA têm 16,39%, enquanto que na IFC – justo onde são administrados os investimentos privados a favor das empresas transnacionais e dos Estados desenvolvidos – esse país concentra 23,68%. Ao contrário do FMI, no Banco Mundial o percentual necessário para aprovar qualquer projeto ou resolução é de 80%. As correlações internas de poder são similares às do FMI.

Ademais, a nomeação do ultraconservador Paul Wolfowitz, Subsecretário de Defesa do governo George W. Bush, para a presidência do Banco Mundial, em 31 de março de 2005, é a mais uma prova de que os países desenvolvidos dominam as grandes instituições multilaterais.

2.3.5 – O Consenso de Washington

Em novembro de 1989 o Instituto de Economia Internacional convocou em Washington uma conferência sobre "O Ajuste na América Latina: O quê ocorreu?", em que se pretendia estabelecer o estado da arte tanto das políticas de ajuste como das atitudes nacionais com relação às reformas implicadas. John Williamson tentou um sumário das coincidências entre os presentes na reunião, gerando o manifesto conhecido como "Consenso de Washington".

Os temas da agenda do “Consenso", que constituem o catecismo ultraliberal para a América Latina são: déficit fiscal; reforma tributária; abertura ao comércio internacional; extinção das barreiras que impedem o investimento direto estrangeiro; privatização das empresas estatais; extinção das regulações que impedem a concorrência (desregulação); outorgar direitos de propriedade; gasto público redirecionado para as áreas de educação fundamental, saúde e infra-estrutura; liberalização financeira (para que o “mercado” determine as taxas de juros); e gerar um nível suficiente de concorrência para induzir um rápido crescimento das exportações não tradicionais.

Os países subdesenvolvidos ou periféricos foram bastante debilitados, após a aplicação das políticas do “Consenso de Washington”, pois o desmantelamento do setor público serviu para o pagamento da dívida. A estratégia no que se refere às empresas públicas, segundo Atilio BORON (2002, p.92), foi desfinanciá-las e depois vendê-las a valores irrisórios às grandes corporações dos países centrais.

A aplicação das receitas do “Consenso” não produziu os efeitos econômicos e sociais pretendidos. Entre as críticas, uma das mais curiosas é a auto-critica arrogante do próprio John WILLIAMSON (2003, p.306). Ao mesmo que afirma que as conseqüências foram frustrantes, principalmente em termos de crescimento, emprego e redução da pobreza, afirma que a causa não se deve às políticas recomendadas, mas sim a três fatores principais: (1) alguns países as adotaram como uma ideologia (é um argumento hipócrita, pois, conforme já foi examinado neste capítulo, a força da teoria ultraliberal reside justamente no seu caráter ideológico); (2) houve crises muito fortes, como a mexicana e a argentina; (3) as reformas propostas desprezaram alguma reforma imprescindível, como a do mercado de trabalho, e deixaram de considerar outras como a geração de uma institucionalidade fiscal que garanta equilíbrios entre os anos bons e os anos ruins.

2.3.6 - Empresas transnacionais: atores poderosos no contexto da globalização

Embora, haja divergência quanto à origem50 das empresas transnacionais é com a globalização que elas, individualmente ou formando parte de grupos de pressão51, se convertem em atores com grande peso político.

Este fenômeno é preocupante, pois as grandes empresas transnacionais atuam primeiro em seu próprio interesse econômico, um interesse que busca maximizar os benefícios para os altos cargos e os acionistas. Seus interesses normalmente são contrários aos interesses de trabalhadores, de comunidades locais, de ambientalistas, muitas vezes de consumidores e, principalmente, da cidadania em geral, que se vê afetada por campanhas agressivas de publicidade e pela pressão política movida pelo poder do capital, na construção de redes de lobbying.

Segundo Antoni VERGER (2003, p.10), o conceito de empresa transnacional (ETN)52 não está definido legalmente, pois as empresas possuem a nacionalidade do lugar onde está a sede. Para o referido autor, uma ETN é “uma organização econômica complexa na qual uma empresa possui a propriedade – ou parte dela – de uma ou várias empresas estrangeiras, as denominadas filiais”.

As empresas transnacionais são empresas que possuem origem em algum Estado e que possuem uma sede ou matriz em algum Estado. Portanto, são empresas nacionais. A partir da constatação de que a sede social de uma empresa está sujeita às leis do país no qual está registrada, não há dúvidas: não existe empresa apátrida, pois segundo o

50 Para Andrés S. Suárez SUÁREZ (2004, p.15) as empresas transnacionais surgiram após a Segunda

Guerra Mundial, durante as décadas de 1950 e 1960. Já para Antoni VERGER (2003, p.13) a origem das ETN remonta ao século XV, tendo sido o Banco dos Medici de Florença, com 18 sucursais européias, a primeira empresa transnacional.

51 Como, por exemplo, a “Mesa Redonda Européia dos Industriais” (ERT), cujos 45 membros, diretores

das mais importantes transnacionais da Europa, exercem uma enorme influência sobre as decisões da Comissão Européia. Outro exemplo europeu é a União de Confederações de Empresários e Industriais da Europa (UNICE), com sede em Bruxelas. A Transatlantic Business Dialogue (TADB), criada em 1995, como o próprio nome já indica reúne 150 transnacionais européias e norte-americanas que pressionam