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DEMOCRATA NO PENSAMENTO MARXISTA EM EDUCAÇÃO

2. Democracia e educação no Brasil

2.1 Democracia e Qualidade na Educação

Para argumentar que o conceito de qualidade na educação migra do mundo produtivo – como sendo algo específico a esse momento do capitalismo – a conclusão de seu texto afirma a necessidade de impor novo sentido à qualidade, disputando-o com neoconservadores e neoliberais, imprimindo-lhe caráter democrático “(...) qualidade como fator indissoluvelmente unido a uma democratização radical da educação e a um fortalecimento progressivo da escola pública.” (GENTILI, 2001 a, p.172), e

(...)Por outro lado, trata-se de construir um novo sentido que leve a qualidade da educação ao status de direito inalienável que corresponde à cidadania, sem nenhum tipo e restrição ou segmentação de caráter mercantil (GENTILI, 2001 a, p.172).

Formulemos, então, três conclusões básicas, a partir das quais é possível avançar em nossa luta contra essa nova retórica:

Primeira: “qualidade para poucos não é ‘qualidade’ é privilégio.”

Segunda: “a ‘qualidade’ reduzida a um simples elemento de negociação, a um objeto de compra e venda no mercado, assume a fisionomia e o caráter que define qualquer mercadoria: seu acesso diferenciado e sua distribuição seletiva.”

Terceira: “ em uma sociedade democrática e moderna, a qualidade da educação é um direito inalienável de todos os cidadãos, sem distinção” Não existe “qualidade” com dualização social. Não existe “qualidade possível” possível quando se discrimina, quando as maiorias são submetidas à miséria e condenadas á marginalidade, quando se nega o direito à cidadania a mais de dois terços da população. Reiteramos enfaticamente: “ ‘qualidade’ para poucos não é qualidade é privilégio”. Nosso desafio é outro: consiste em construir uma sociedade onde os “excluídos” tenham espaço, onde possam fazer-se ouvir, onde possam gozar do direito a uma educação radicalmente democrática. Em suma, uma sociedade onde o discurso da qualidade como retórica conservadora seja apenas uma lembrança deplorável da barbárie que significa negar às maiorias seus direitos (GENTILI, 2001 a, p.176).

Nos fragmentos que se seguem, temos a crença no Estado e na democracia como possibilitadora de outra ordem social e a insistência na democracia que pode ser limitada e falsificada – quando se refere à representatividade e à igualdade jurídica – e a democracia real e verdadeira – quando se refere a todos, ou ao socialismo.

Em última instância, a opção pelo mercado formulada pela Nova Direita esconde, além disso, um brutal desprezo pela democracia e pelas conquistas democráticas das maiorias. Para alguns autores, isso se reflete em novas formas de articulação política orientadas por um processo de “des-democratização da democracia” ou, em outras palavras, de constituição de democracias delegativas que encerram, em si mesmas, a negação de qualquer princípio democrático- participativo e caráter equalizador (O’Donnell, 1991; Weffort, 1992). Esta ofensiva antidemocrática revela o alto grau de despotismo político e de autoritarismo que caracterizam os regimes neoconservadores e neoliberais (GENTILI, 1998, p. 243).

Porque a democracia ainda não teria sido plenamente realizada, as característcas do neoliberalismo se configuram e toda sua plenitude no Brasil:

A restauração conservadora sentencia a educação das maiorias ao mais perverso destino: transformar-se na caricatura de um passado que nunca chegou a efetivar suas promessas democratizadoras, dentro de um modelo social já irreversivelmente marcado pela desigualdade e pela dualização (GENTILI, 1998, p. 249).

Na discussão colocada no Capítulo I sobre os debates acerca dos anos 80 levantamos a hipótese de que a interpretação dos autores estudados indicavam as possibilidades que o país teve em construir alternativas democráticas, sem porém se realizarem, já que houve a interrupção desse processo. Nos excertos que seguem buscaremos explicitar aquela nossa hipóteses, pois entendemos que ela fortalece nossa tese.

A hipótese parte da formulação de Frigotto e Gentili sobre como se deu a derrota dos movimentos sociais - particularmente de educadores – e os setores conservadores que impuseram o modelo neoliberal de Estado e economia, vêm produzindo um nova cultura.

Em Pedagogia da Exclusão, Frigotto (1998) vai argumentar como se

construiu um novo entendimento, uma nova cultura, que permitiu a instauração de políticas neoliberais em educação. Ele lida com a idéia de ressignificação conservadora. Sua leitura busca provar o quanto, essa metamorfose conceitual, é uma leitura invertida do real: qualidade total, autonomia e flexibilidade no plano formal e atomização e descentralização autoritária no plano real.

O conceito de ideologia em Marx e Engels – sobretudo no texto A Ideologia

Alemã, mas não abandonado no percurso de sua obra, já apresenta a constituição do plano

formal como espaço de falseamento do real, porém a referência de Frigotto para a concepção de ideologia, não é, a ortodoxia marxiana, mas fundamentalmente Gramsci e Bobbio, que, conforme explicita nesse artigo, permitem uma compreensão mais ampliada. No exemplo abaixo, ideológico é sinônimo de ideal, utópico:

Ou seja, o neoliberalismo ataca a escola pública a partir de uma série de estratégias privatizantes, mediante a aplicação de uma política de descentralização autoritária e, ao mesmo tempo, mediante uma política de reforma cultural que pretende apagar do horizonte ideológico de nossas sociedades a possibilidade mesma de uma educação democrática, pública e de qualidade para as maiorias. Uma política de reforma cultural que, em suma, pretende negar e dissolver a existência mesma do direito à educação (GENTILI, 1998, p. 244).

Nosso argumento é que, a sua análise explicita-nos como, os conceitos de que trata, não significam o que dizem, assim sendo, aponta o universo discursivo como expressão da nova cultura conservadora, pois como o “o ideário neoliberal (...) está impondo uma atomização e fragmentação do sistema educacional e do processo de conhecimento escolar” (FRIGOTTO, 1998, p.79), afirma que esse processo no Brasil começa com o golpe militar e vem até os anos de 1990. Nossa atenção não pode ser desviada do conteúdo dos conceitos:

Anderson realça que a luta primeira é no campo dos princípios. ‘Primeiro temos que contra-atacar robusta e agressivamente sobre o terreno dos valores, ressaltando o princípio da igualdade como critério central de qualquer sociedade verdadeiramente livre.(...) Anderson, 1995,p.199)’ (FRIGOTTO, 1998, p.79).

Vale ressaltar o quanto sua referência teórica desconsidera a experiência do socialismo real, ou nega-a como experiência socialista, assim como o faz grande parte da tradição social-democrata.

Os conceitos de esquerda e socialismo são hoje usados com parcimônia. Na perspectiva que nos aponta Anderson, é fundamental que sejamos capazes de ressignificá-los a partir de uma perspectiva histórica. Para o primeiro conceito ver os livros recentes de N. Bobbio(1995) e de Emir Sader (1995); em relação ao segundo, ver Frederic Jameson (1994) (FRIGOTTO, 1996, p. 102).

Numa ampla análise do historiador inglês Perry Anderson (1995), ao examinar a gênese teórica e político-prática da avassaladora ideologia neoliberal vigente hoje no mundo e a significativa capitulação de quadros de intelectuais, antes pertencentes à esquerda, convida-nos, como ponto de partida para uma

alternativa efetivamente democrática, a não transigir no plano ético-político e a aprender com a direita a não transigir no plano teórico (FRIGOTTO, 1996, p.97, grifos nossos).

A busca por uma alternativa “efetivamente democrática” indica a vinculação entre política e ética. No pensamento social-democrata, essa questão é tratada por Bernstein, conforme apontado no capítulo anterior. Aquele autor, coloca a democracia e a ética na base do socialismo, sua argumentação salienta que, apesar de, nas democracias ocidentais, ocorrer uma igualdade política, de direitos e cidadania, ainda assim, sobrevivem desigualdades materiais. Perseguir a igualdade nas condições de existência material de todos os homens pressupõe não abdicar da democracia, enquanto edificação.

Temos aqui uma proximidade considerável entre as proposições dos educadores marxistas, particularmente Frigotto e Gentili, ao recuperar a questão ética, em detrimento do processo histórico, para analisar o quanto o direito não se realiza, e parecem indicar como uma impossibilidade de igualdade material pode ser superada pela igualdade que se mantém no plano jurídico, trata-se, portanto, de garantir a efetivação desses direitos, particularmente pela ação do Estado. Também localizamos aqui a idéia de que haja uma vinculação entre a democracia e a economia, já que a democratização traria necessariamente melhoria das condições econômicas aos setores mais expropriados da sociedade. Esses dois pontos são centrais no revisionismo de Bernstein – a questão do Estado poder atender a todos os interesses sociais e a “contradição existente entre igualdade política e desigualdade social”, conforme Lúcio Colleti apud Fetscer (1982, p.285)

Estes aspectos são expressões da mesma lógica: a ética como a vontade política da sociedade expressa pelo Estado que, em resposta à demanda social, amplia a democracia e o cumprimento dos direitos democráticos. Essa ampliação tem como decorrência a melhoria da qualidade de vida e portanto a distribuição mais justa dos bens econômicos. Essa formulação tem também uma coincidência com o eurocomunismo, conforme já apontamos anteriormente.