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DEMOCRATA NO PENSAMENTO MARXISTA EM EDUCAÇÃO

2. Democracia e educação no Brasil

2.7 Estado do “Bem Comum” e Escola “Para Todos”

Assim como na tradição social-democrata, há uma recorrência desses autores em tratar o Estado na perspectiva liberal, que entende a sua organização e funcionamento como sendo destinada a promover o Bem Comum, e indica uma avaliação de classe ao governos, mas parece tratar o Estado como um instituição para além dos interesses de classe. A luta seria na direção de democratizar este Estado e não constituir um outro, lembrando-nos

Togliatti, quando passa à defesa de reformas que possam incidir na estrutura do capitalismo. Sua argumentação nunca desconsidera o caráter de classe do Estado, mas entende a possibilidade de tomada dessa mesma estrutura estatal e pela construção de uma democracia com “conteúdo diferenciado” e que, considerasse as questões sociais, poderia propor novas políticas de Estado que transformassem as estruturas econômicas da sociedade burguesa.

Essa postura, conforme indicamos no capítulo anterior, retoma o revisionismo e o gradualismo na construção do socialismo, pois defende a contínua ação de massas na direção de mudanças políticas, que só se dariam com a intervenção estatal. Muito próximos a Togliatti, os educadores Frigotto e Gentili, acreditam que pela reforma as classes populares possam modificar o bloco de poder e construir um outro, por meio da democratização da gestão do poder, e muitas vezes referindo-se à superação da corrupção como decorrencia dessa democratização. A proximidade de suas análises é mais intensa se focalizarmos a identidade entre democracia e participação, ou seja, na tomada do controle político pelas massas por meio das consultas próprias às práticas democráticas.

A luta imediata da sociedade organizada, dos partidos e dos sindicatos progressistas e dos movimentos sociais é para uma transparência sobre o volume de recursos investido, incluídas todas as fontes em instituições como SENAI, SENAC etc. Luta que implica a participação do Estado (e um

Estado efetivamente democrático) e dos trabalhadores, além dos empresários na gestão dos recursos e na condução política, filosófica e pedagógica da formação profissional. Em síntese, é tempo de democratizar

estas instituições (FRIGOTTO, 1995, p. 189/190).

Direitos não são mercantilizáveis. O desmonte do Estado nestas áreas

significa desmonte de direitos. O efeito do abandono do Estado no campo da saúde e educação básica nos oferece um quadro perverso. Trata-se de uma violência, incomensuravelmente maior que os arrastões. Há pois que se ampliar

o papel do Estado nessas áreas (FRIGOTTO, 1999 a, s. 186, grifos nossos).

Como as classes estariam em disputa por um mesmo corpus institucional dado – isso posto quando não estiverem em “pacto social’, conforme afirma na citação acima ( Estado + trabalhadores + empresários) – permitiria a construção do socialismo, a simples democratização dessas instituições estatais, mais especificamente o controle do fundo público.

Este projeto alternativo, para o qual buscamos nos capacitar como educadores, centra-se na idéia de que, em primeiro lugar, vêm as pessoas e estas não podem ser sacrificadas em nome da reestruturação produtiva. Ou seja, um projeto de uma sociedade centrada na solidariedade e igualdade dos seres humanos. Solidariedade e igualdade que somente podem ser garantidas no espaço público.

democrático do fundo público, assinalam a direção do socialismo necessário e

possível (FRIGOTTO, 1996, p.101, grifos nossos).

Contraditoriamente, localizamos, como exceção, o seguinte argumento, que faz, inclusive, dura crítica à social-democracia:

A efetiva alternativa para a crise do Estado de Bem-Estar e do modelo fordista de acumulação, como nos apontam Hobsbawm e Oliveira, não é a regressão às leis de mercado e nem a proposta da social-democracia, pois as estratégias

políticas que a viabilizaram tinham no fundo público sua razão básica. A

transnacionalização da economia expõe o limite da elasticidade do fundo público e sua crescente incapacidade para atender a reprodução ampliada do capital e da força de trabalho (FRIGOTTO, 1999a, p.81, grifos nossos).

Ocorre que, com também já pontuamos no capítulo anterior, muitos troncos da social-democracia, particularmente o revisionismo e o austromarxismo vão apontar a possiblidade de, ampliando-se a participação democrática da classe trabalhadora no interior do Estado, este tornar-se-ia uma “instância de gestão geral” e progressivamente serviria “predominantemente ao proletariado”. Bauer chega a afirmar que a vontade geral pode efetivamente configurar-se no Estado democrático, ainda no interior do capitalismo.

O tipo de cobrança realizado pelos educadores marxistas às políticas educacionais implementadas pelo governo “neoliberal” de Fernando Henrique Cardoso, parecem carregar exatamente essa concepção de Estado – que vinha sendo construída pelos movimentos sociais dos anos de 1980 e sofrera então um golpe de morte com a eleição daquele presidente. Isso indica que o capitalismo segue seu curso porém se a sociedade organizada conseguir de algum modo eleger um governo comprometido com as causas dos trabalhadores, graças às instâncias democráticas, esse governo poderia ampliar sua ação social e caminhar na construção do socialismo.

Mas aumentar pura e simplesmente o tamanho do Estado na educação e na saúde significa pouco se não se alterarem os processos de gestão do fundo público. Neste particular a idéia central é a que expõe F. de Oliveira e P. Singer, entre outros, de que o Estado (sociedade política) deve ser permeado pela

ação da sociedade civil organizada. Os processos de gestão necessitam ser

democráticos no método, no conteúdo e na forma (FRIGOTTO, 1995, p. 187, grifos nossos).

Deste Estado republicano, deve decorrer uma escola ‘para todos’, como tem sido a base de sua argumentação:

No campo da formação profissional, (...) as forças preocupadas com a efetiva

emancipação humana dos trabalhadores, comprometidas com as mudanças estruturais da sociedade brasileira por entender a natureza e características da produção e das relações sociais e políticas desse final de século, devem

defender como a mais adequada para a qualificação humana, e, em conseqüência, para a formação profissional, a universalização da escola

unitária que envolve o ensino básico e médio (atual segundo grau) como um

direito de toda a criança e de todo o jovem e um dever do Estado.

Esta é uma luta na qual está implicada a própria viabilidade de uma efetiva

democracia. Uma tarefa política urgente é para que os recursos do fundo

público que são desviados, em forma de múltiplos incentivos a empresas lucrativas ou diretamente em forma de concessões e convênios (bancos, emissoras de televisão, etc.) sejam concentrados para o financiamento da escola básica unitária (FRIGOTTO, 1995, p. 189, grifos nossos).

A base conceptual da educação básica em um novo projeto é, primeiro, o reconhecimento dos problemas maiores do mundo globalizado, sob os quais temos que tomar decisões locais. Em segundo lugar, assumir o direito

inalienável do povo a uma escola pública de qualidade, que garanta a todos os cidadãos a satisfação da necessidade de um continuo aprendizado. Neste

sentido, a educação é tanto um direito social básico e universal quanto vital para romper com a histórica dependência científica, tecnológica e cultural do país, e fundamental para a construção de uma nação autônoma, soberana e solidária na relação consigo mesma e com outras nações. A educação é, portanto, ao mesmo tempo determinada e determinante da construção do desenvolvimento social de uma nação soberana. Além de ser crucial para uma formação integral humanística e científica de sujeitos autônomos, críticos, criativos e protagonistas da cidadania ativa, é decisiva, também, para romper com a condição histórica de subalternidade e de resistir a uma completa dependência científica, tecnológica e cultural (FRIGOTTO e CIAVATTA , 2003 b, p. 102/103, grifos nossos).

Dessa concepção de Estado “para todos”, temos a questão – também presente nos debates da social-democracia, sobretudo às vésperas da I Guerra Mundial – acerca do internacionalismo da luta proletária, afinal, a democratização aqui indicada, por tratar o coletivo povo-Nação, desconsidera a identidade de classe e destaca o cidadão ativo, membro dessa Nação, como o sujeito por excelência. Essa perspectiva tanto pode ser identificada com os discursos liberais pelo “Pacto Social” e a colaboração de todos os setores para o desenvolvimento nacional, quanto com o debate revisionista de que, como sucessor do liberalismo, o socialismo poderia contar com a adesão e colaboração de setores burgueses.

Quanto mais as forças progressistas comprometidas com a democratização da sociedade vislumbram a possibilidade de assumir a direção do Estado brasileiro, tanto mais urgente se coloca a tarefa de adquirir e exercitar a competência (política e técnica) de transcender a pedagogia da resistência e passar a alternativas demarcadas pela transparência, e, portanto, pelo

efetivo exercício da democracia. Nesta perspectiva, nem a história acabou e,

menos ainda a luta para a construção da utopia socialista. Trata-se de uma condição necessária para que a cidadania concretamente possa desenvolver-se e

constituir-se para a grande maioria da população brasileira (FRIGOTTO, 1995, p.192, grifos nossos).

Nessa defesa da esfera pública tratada como positividade, identificamos uma universalidade humana, próxima ao discurso do país “para todos” e da “escola para todos”, trata-se de “ disputar concretamente o controle hegemônico do progresso técnico, do avanço do conhecimento e da qualificação, arrancá-los da esfera privada e da lógica da exclusão e submetê-los ao controle democrático da esfera pública para potenciar a satisfação das necessidades humanas” (FRIGOTTO, 1995, p. 139).

A oposição de classes fica secundarizada nessa universalização do homem: “Trata-se de uma relação conflitante e antagônica, por confrontar, de um lado, as necessidades de reprodução do capital e, de outro, as múltiplas necessidades humanas.” (FRIGOTTO, 1995, p.139). Assim colocado, e na forma como encaminha sua análise, a oposição entre acumulação e necessidades humanas, além de fazer essas necessidades humanas parecerem homogêneas, não explicita o quanto parte desses homens realizam suas necessidades nesse mesmo movimento da reprodução do capital.

Nessa perspectiva de ‘para todos’ Gentili explica o que seria a igualdade na pedagogia da esperança:

A igualdade que a pedagogia da esperança pretende construir não pode ser uma igualdade meramente formal ou que se reconheça, apenas, nos princípios jurídicos que a estabelecem (“somos todos iguais perante a lei”, “todos tem direito à educação”). Sem desconsiderar a importância que, numa sociedade democrática, possui a igualdade formal, a pedagogia da esperança pretende ir além, construindo valores, sentidos e direitos onde a igualdade se estruture como prática efetiva (GENTILI, 2003, p. 260, grifos nossos).

E como o Estado pode ser ‘para todos’ ele precisa definir políticas eficientes, que, independentes de revolução deste Estado produziriam o fim da miséria de setores da sociedade, trazendo o socialismo: “A consolidação de uma sociedade democrática depende não apenas da existência de programas para “atender” aos pobres, mas de políticas orientadas a acabar com os processos que criam, multiplicam e produzem socialmente a pobreza.” (GENTILI, 2001 c, p.40). No mesmo movimento contrapõe solidariedade ao assistencialismo:

A solidariedade é, na pedagogia da esperança, sinônimo de compromisso social e de luta pela transformação radical da práticas que historicamente condenam à miséria e à exclusão milhares de seres humanos. A solidariedade

não rima com o assistencialismo focalizado de programas que deshierarquizam, degradam e pulverizam a dignidade dos que sofrem as conseqüências de um

regime baseado na exploração e na miséria (GENTILI, 2003, p.266, grifos nossos).