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DEMOCRATA NO PENSAMENTO MARXISTA EM EDUCAÇÃO

1. Democracia é Socialismo

Conforme vimos construindo nossa argumentação nos capítulos anteriores, parte dos educadores de esquerda, aqui expressos por Frigotto e Gentili, têm defendido a identificação entre democracia e socialismo, algumas vezes indicando que a democracia levará ao socialismo, noutras afirmando que democracia é socialismo. Raras vezes há uma orientação de que se trata da democracia econômica ou uma democracia das condições materiais de existência; na expressa maioria, os textos lidam com uma concepção de democracia – real, verdadeira, efetiva, substantiva, em posição a democracia ressignificada ou falsificada, uma democracia ideológica, burguesa, formal, esvaziada de seu sentido original.

No texto Educação e a construção democrática no Brasil, encontramos, como

exceção, a vinculação entre democracia e condições materiais, mesmo assim como expressão de socialismo, mas não é esse entendimento que predomina no recorte de sua obra realizado nessa pesquisa, ou seja, os textos de 1994 a 2002 que se referem às políticas educacionais dos anos de 1990, é importante porém explicitar essa observação:

A democracia efetiva só pode ser construída sob a igualdade de condições socioeconômicas, culturais, educativas etc. dos seres humanos na produção de sua vida intelectual e social. O horizonte dessa base material, social, cultural (objetiva e subjetiva) não pode ser outro senão o de avançar de uma democracia de massa para relações sociais socialistas (FRIGOTTO, 2003 a, p. 53).

Ao contrário dessa colocação, o que constitui recorrência é a idéia de que democratizar a sociedade é construir o socialismo, e muitas vezes que democracia é socialismo, como afirmou toda a social-democracia aqui estudada. O referendo a Carlos Nelson Coutinho(1980) e seu importante texto “Democracia como valor universal”, inicia nossa seleção:

A alternativa que pode incorporar o imenso progresso técnico a favor das necessidades e ampliação da liberdade humana, malgrado o colapso do socialismo real, continua sendo a do socialismo. As questões que se colocam são: que tipo de socialismo e qual caminho para a travessia? Por certo, sobre as tentativas concretas de resposta a estas questões a história tem lições amargas mas salutares.

A crise do Estado de Bem-Estar e o colapso do socialismo real parecem mostrar que o caminho de construção do socialismo implica um tecido de realidade e de sujeitos políticos que rompam, desde as vísceras do regime capitalista mais desenvolvido, sua coluna vertebral. A travessia não comporta fórmulas, mas como indicam vários pensadores – F. de Oliveira (1992), Coutinho (1984 e 1991) e Hobsbawm (1992c) -, exige, necessariamente, a radicalização da

democracia. (...) Coutinho, na mesma perspectiva, defende que a luta pela

democracia ( de massa popular) e pelo socialismo é a mesma coisa: “a democracia não é um caminho para o socialismo, mas sim o caminho do socialismo (FRIGOTTO, 1995, p. 82/83, grifos nossos).

Carlos Nelson Coutinho publica, em 1979, “Democracia como valor universal” texto que vai detonar, no Brasil, um importante debate sobre as formas de luta política na direção de superação do capitalismo, e foi referência a toda uma geração de educadores que, no início dos anos 80, estiveram lutando pela redemocratização da sociedade brasileira e da educação como um todo. Sua argumentação parte da citação do secretário do Partido Comunista Italiano Berlinger, que, nas comemorações de 70 anos da Revolução Soviética, fez a seguinte declaração “ a democracia é hoje não apenas o terreno no qual o adversário de classe é obrigado a retroceder mas é também o valor historicamente universal sobre o qual fundar uma original sociedade socialista”.

Berlinger enfatiza que as conquistas democráticas do movimento operário e de seus aliados históricos nos Estados capitalistas europeus configuraram direitos universais. O contraponto se dirigia aos anfitriões soviéticos e ao movimento comunista internacional que exigia respeito às liberdades nos países burgueses, liberdades essas que eram negadas aos cidadãos soviéticos. A recusa do socialismo real por Belinger dava-se por seu caráter não democrático.

Coutinho recoloca o debate sobre democracia e socialismo, mostrando como foi uma questão para Marx, Engels e Gramsci – que o atualizou ao refundar a teoria da transição ao socialismo colocando no centro a questão da democracia. Recupera Berlinger, para apresentar o eurocomunismo como “um modo dialeticamente novo, não uma novidade metafisicamente concebida como ruptura absoluta – de conceber essa relação entre democracia e socialismo” (COUTINHO, 1980, p.20)

A necessidade de se fazer a crítica ao socialismo real, levou Carlos Nelson Coutinho a uma recuperação das questões postas pela social-democracia, pois vai indicar que a democracia é a estratégia, é a condição para se chegar, consolidar e aprofundar o socialismo. Nesse sentido seria uma forma eterna de organização social. Identificamos essa perspectiva nos seguintes excertos:

(...) o capital, mediante diferentes mecanismos, busca manter tanto a subordinação do trabalhador quanto a “qualidade” de sua formação. Mas é também neste processo que se evidenciam os próprios limites e ambigüidades do ajuste neoconservador e, igualmente, o terreno sobre o qual as forças que lutam por uma democracia substantiva ou por uma sociedade socialista

democrática devem trabalhar. Nesta luta, o conhecimento, a informação técnica

e política constituem-se em materialidade e alvo de disputa (FRIGOTTO, 1995, p. 154, grifos nossos).

O segundo ponto de análise é, justamente, o de se pensar quais são os desafios na formação e profissionalização do educador, hoje, numa perspectiva de construção de relações sociais alternativas – democráticas, solidárias ou

socialistas – e o papel da educação nessa construção (FRIGOTTO, 1996, p

78, grifos nossos ).

Parece-nos importe salientar que a possibilidade de construção de alternativas

democráticas e socialistas implica, necessariamente, um esforço sistemático de

compreensão crítica da crise do capitalismo hoje realmente existente e o embate no plano teórico, ideológico e ético-político (FRIGOTTO, 1998, p.103, grifos nossos).

O Estado de Bem Estar Social – entre nós, como indica Eduardo Galeano, Estado de mal-estar social – ao produzir formas mais avançadas de reprodução

da força de trabalho e de direitos sociais, mediante o fundo público, sinaliza que o caminho não é a regressão, de face à crise, mas o salto para novas formas sociais, que vários autores denominam socialismo com democracia (FRIGOTTO, 1998, p. 104/105, grifos nossos ).

Porém, para além da identidade entre democracia e socialismo, temos a compreensão da superioridade da democracia independendo das relações sociais de produção, como em:

As políticas e os planos educacionais, implementados em nível do Estado, no Brasil, acompanham as vicissitudes da sociedade brasileira na falência de não

consolidar, até hoje, uma sociedade democrática e de não incorporar amplos

setores populares a um projeto superior de país ( FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003 b, p. 112, grifos nossos ).

Em alguns momentos localizamos uma indicação que a igualdade material viesse junto com a democracia ou decorresse dela, que o acesso às formas jurídicas de igualdade, sobretudo o direito ao voto, poderiam expressar um avanço social, argumento presente em toda a social-democracia, dos mais ortodoxos aos revisionistas. No artigo

Educação básica no Brasil na década de 1990: subordinação ativa e consentida à lógica do mercado, Frigotto e Ciavatta, historicizando a cidadania no Brasil e se referindo ao período

imperial afirmam:

A questão sobre quem pertencia à comunidade política recebeu “nuances democráticas”. A primeira interpretação excluía da comunidade política somente os criminosos, os estrangeiros e os religiosos. Mas, como o pacto político deveria expressar as desigualdades existentes na sociedade que, no pensamento da época, eram naturais, definiu-se que os homens de posse eram os responsáveis pela riqueza do país e constituíam a comunidade política. O que se traduziu pelo critério censitário, de renda para a distribuição dos direitos de voto. Posteriormente, com o voto obrigatório universal, ampliaram-se os direitos de votar e ser votado, sem que as condições adequadas de vida, trabalho e educação tivessem se estendido, efetivamente, para toda a sociedade (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003 b, p.101).

A forma como os autores constroem sua argumentação permite-nos o entendimento de que o acesso ao voto nos possibilitasse a socialização das condições de vida e trabalho, como algo necessário. A estratégia social-democrata de investir no caminho eleitoral – parlamentar tinha essa premissa como norteadora de sua ação política.