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BREVE HISTÓRICO DA SOCIAL-DEMOCRACIA: O DEBATE SOBRE A DEMOCRACIA

4. A Social-democracia russa

O Partido Social-Democrata Russo, era, na transição do século XIX para o XX, um partido próximo ao SPD e seus teóricos dialogavam, especialmente Kautsky e Rosa Luxemburgo, que produziram análises específicas da situação política russa. O debate se acirra e o partido russo ganha uma autonomia de ação política e de produção teórica, especialmente nos anos em torno da Revolução de 1905.

Nesse momento, o partido já se encontra rachado entre bolcheviques e mencheviques, mas é efetivamente no IV e V Congressos, em 1906 e 1907 que se expressam as diferenças táticas e se produzem análises mais estruturadas sobre as especificidades de uns e outros quanto à construção do socialismo, e, particularmente quanto à transição. O cerne do debate refletia a experiência de um ano de lutas revolucionárias, particularmente o problema agrário e a Duma. Nesta oposição, bolcheviques são acusados de populistas e anarquistas e mencheviques são acusados de burgueses.

Conforme Strada (1984), os bolcheviques, em linhas gerais, defendem a construção da tomada de poder imediata pelo proletariado apoiado pela retaguarda camponesa. Eles entendem que constituída uma ditadura democrático-revolucionária, orientada pelo partido forte – militarizado inclusive – far-se-ia a revolução burguesa e seguir- se-ia construindo o socialismo, sem entregar o poder à burguesia ou fazer qualquer aliança. Os grandes nomes desse debate eram Lênin e Stalin.

Os mencheviques entendiam serem utópicas as proposições bolcheviques, denunciavam seu idealismo por desconsiderarem a realidade dada, o que os aproximava de anarquistas e populistas. Defendiam, por sua vez, a união com a pequena burguesia e a necessária constituição de um governo republicano constitucional democrático e portanto,

burguês, através do qual – pelo embate próprio ao regime democrático – se daria a conscientização das massas, já que efetivamente exerceriam direitos políticos. Eram portanto pelo partido de massa e rechaçavam a idéia de partido militar. As referências eram Plekanov, Martov e Martinov.

O racha definitivo entre bolcheviques e mencheviques, se dá em 1907, no V Congresso, em Londres, apesar de muitos teóricos e militantes perseguirem a unificação. Mesmo caracterizando-se como organizações distintas, mantêm-se sobre a mesma sigla e seguem sendo o Partido Social-Democrata Russo.

Lênin muitas vezes associou os bolcheviques aos jacobinos e os mencheviques aos girondinos – não como repetição de seu programa, mas como uma comparação para esclarecer as táticas. A maior diferença entre leninismo e jacobinismo seria, para Lênin, a presença de um partido ideológico-político como centro do movimento. (STRADA, 1984, p. 180)

A Revolução de 1905 colocou questões internas como a aliança com a burguesia, aliança com o campesinato, greve de massa, e também externas como o imperialismo e, especialmente para os outros partidos social-democratas, a questão de serem, as estratégias utilizadas pela ação russa – Oriente – transferíveis para o Ocidente, onde o capitalismo era consideravelmente mais desenvolvido. Tais questões seguiram provocando o contraponto no interior dos partidos social-democratas europeus.

Da revolução de 1905 para a de 1917, tal debate se acirra, e, se amplia em função da I Guerra Mundial, que, provoca o fim da II Internacional, quando muitos partidos passam a apoiar os governos locais em detrimento da causa operária internacionalista. Há um recuo no debate, nos anos iniciais da I Guerra, mas que volta com toda força com a tomada do poder russo primeiro pelos mencheviques – em fevereiro – e, posteriormente, pelos bolcheviques – em outubro.

Salvadori (1984), analisando o debate que se dá a partir de 1905 e se estende por todo o século XX, faz a seguinte observação:

(...) No curso daquelas controvérsias, foram colocadas de modo claro e irreversível as premissas para a divisão que, depois de 1917, separou o movimento operário europeu em dois troncos principais: o que considera que o processo revolucionário deve ter sua base fundamental nas lutas de massa extraparlamentares e que crê ter sido precisamente o proletariado russo a abrir caminho e fornecer inspiração essencial para a nova estratégia; e o que, ao contrário, considera funesta a imitação das formas de luta do proletariado russo pelo proletariado dos países capitalistas avançados, e pensa ser necessário proceder segundo os caminhos da legalidade, no interior das instituições

parlamentares, e indispensável chegar ao socialismo ampliando os espaços criados pela democracia política entendida segundo a herança liberal (p.244). Assim como os avanços da luta russa durante o ano de 1905 acirra o debate internacional favorecendo os argumentos pela radicalização, as decorrências que se seguem, reforçam, na seqüencia, as teses moderadas, especialmente as que viam a diferença entre a formulação da ação dos partidos operários marxistas no Oriente e no Ocidente.

Alexander Parvus tem uma importante contribuição ao acentuar a diferença entre a Rússia e a Alemanha. É um russo com cidadania alemã, foi mentor de Trotski e estudioso da tese da revolução permanente. Sobre a experiência de 1905 na Rússia, entende que é um resultado das novíssimas contradições do capitalismo internacional e que essas contradições permitiram a produção de algo original: os soviets. Essa grande novidade mediava o partido e as massas, dando sustentação ao processo revolucionário, e dando base concreta ao programa do partido, constituindo-se como o germe de um novo poder estatal. Via a greve de massas como a revolução sem armas e não contra um governo, mas contra o Estado ocorrendo ações em todo o país – e não só nas capitais. Essa ação poderia desestabilizar o país como um todo permitindo a ascensão socialista.

Defendia a ascensão da social-democracia – e não da burguesia – ao poder para que construísse uma república democrática, já que não existiam os pressupostos econômicos para a transformação socialista. Ou seja, acreditava na necessidade de os proletários tomarem o poder para implementarem um projeto democrático-burguês que desse condições de desenvolvimento econômico e aí então a passagem ao socialismo. “Trata-se, portanto, de explorar o liberalismo burguês para os objetivos autônomos do proletariado” (Salvadori, 1984, p.282).

O debate entre os revisionistas teve sempre o acento na impossibilidade de tratar-se o movimento operário como um todo, devendo-se considerar as diferenças gritantes entre o desenvolvimento econômico do Oriente e Ocidente. Alguns rechaçavam a greve de massas reafirmando o caminho parlamentar como Eduard David “Uma vez conquistada a maioria da população, obteremos então o poder político a que visamos. Não há outro caminho. A democracia e o socialismo não podem ser impostos; enquanto a maioria do povo for contra nós, temos que respeitar sua vontade.” (apud SALVADORI 1984, p.286) Afinal, era fundamental lembrar o peso do Estado alemão e sua força em aniquilar movimentos de massa que poderiam derrotar definitivamente a social-democracia e tudo que já haviam construído até então.

se opor a ações reacionárias do Estado, mas, em debate com Rosa Luxemburgo acusava seu romantismo de favorecer a direita reacionária, ao incitar a greve de massas pela revolução. A vitória russa era por ele entendida mais como um sinal da fraqueza e desorganização do Estado Russo, e das fracas possibilidades de reação das classes proprietárias, do que força do movimento – o que era oposto na Alemanha. Reforçava, nesse momento, o seu argumento de que a social-democracia alemã era gradualista e reformista em sua prática histórica e, deveria reconhecer-se que o caminho histórico dos trabalhadores alemães tinha levado a esse perfil de partido e, portanto, a luta na Alemanha se faria pela conquista parlamentar.