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A democracia e a representatividade dos cidadãos no processo de participação nas políticas públicas

A GOVERNAÇÃO LOCAL E O PROCESSO DA AGENDA 21 LOCAL

2.2 Os governos locais e o poder local

2.2.3 A democracia e a representatividade dos cidadãos no processo de participação nas políticas públicas

Hoje em dia, segundo Isabel Guerra (2000: 94), todo o debate ligado à questão da democracia e da cidadania parte do pressuposto que é preciso reforçar os mecanismos democráticos da sociedade actual, isto é, é preciso encontrar novos campos de exercício da democracia "sob pena de ver agravar os fenómenos de desigualdade de oportunidades". Este autêntico desafio à sociedade moderna, incorpora um desafio à capacidade dos indivíduos, isoladamente e enquanto membros da sociedade, de exercerem novas formas de democracia.

Na sociedade democrática, os poderes e a forma como eles são exercidos, está a transformar-se. A defesa do “individual” está a evoluir para uma interacção entre os interesses individuais, colectivos e gerais. De acordo com Marques (1999: 73), "é neste quadro de multiplicação de poderes e de inter-relações que

se movem as novas formas de organizar e gerir os territórios, assumindo diferentes formas de descentralização, de participação e de partenariado (em particular público e privado), mas também sintomas de uma crise política, de um desenvolvimento do contencioso, de uma falta de aprofundamento das estratégias".

Encontrar “novos campos do exercício da democracia” através da participação do cidadão, tem sido objecto de amplos debates, não havendo acordo sobre o alcance da representatividade dessa participação.

Stivers (1990)

Os estados modernos administrativos são demasiado grandes e complexos, o que dificulta a proximidade de relações das quais depende o processo da democracia participativa.

Grant (1994) et Barber (1981)

Altos graus de mobilização elevam os conflitos políticos em vez de obter consensos, destruindo a estabilidade social e a própria liberdade.

Almond e Verba (1989)

Os resultados do processo de participação não reflectem na realidade as preferências ou interesses dos agregados populacionais, uma vez que poucas pessoas tomam vantagens com as oportunidades de participação e as pessoas tendem a actuar mais como sujeitos do que como cidadãos. Grant (1994) Nas sociedades modernas industriais, a participação é um luxo porque

requer técnicas, recursos, dinheiro e tempo que muitos cidadãos não têm. Kweit e Kweit

(1990)

A falta de formação promove a imagem de que o cidadão não está qualificado para contribuir de forma significativa na tomada de decisões políticas.

Catanese (1984) Sewell e Coppock (1977)

As pessoas só se envolvem no processo de planeamento quando se apercebem que as questões são do seu interesse imediato e tangível.

Henig (1982)

Atendendo à lei da inércia, transferida para o domínio social, torna-se mais fácil reunir contra uma adversidade e bloquear uma eminente ameaça, do que propor uma acção positiva ou soluções para os problemas.

Etzioni-Halevy (1983)

A deferência aos grupos de interesses através de uma maior participação e descentralização, não elimina o poder governamental mas transfere-o para mãos privadas, tornando possível a exploração das políticas públicas por interesses privados, correndo-se o risco de corrupção.

Quadro 1: Inconvenientes do processo participativo, de acordo com alguns autores

Fonte: Elaboração própria a partir de Day, Diane (1997: 425-426)

Com efeito, segundo Day (1997: 421), não existe consenso entre os teóricos sobre o significado, as metodologias e técnicas utilizadas, os impactos, os resultados e o alcance da participação. Apesar da participação dos cidadãos

nas tarefas públicas e no processo de planeamento parecer ter um papel sobre o seu sucesso, para alguns teóricos existem dúvidas relativamente à capacidade das "massas" em contribuir construtivamente para a governança,1 constituindo a participação dos cidadãos o "Calcanhar de Aquiles no planeamento". Segundo aquela autora, esta ambivalência parece resultar de um desacordo entre, por um lado, as exigências de um planeamento como actividade burocrata, racionalmente organizada, com perícia técnica e imparcialidade e, por outro lado, as características de um sistema democrático social e político que defende um processo participativo na sua plenitude. Está aqui em causa a questão da representatividade dos cidadãos durante o processo de participação.

Na década de 1990, economistas e politólogos anglo-saxónicos e algumas instituições internacionais como a ONU, o Banco Mundial e o FMI, fizeram renascer o termo governance designando-o como a arte ou maneira de governar, mas dotando-a de uma fórmula enriquecida com o contributo dos novos modelos de gestão pública, baseados na participação da sociedade civil em todos os níveis: local, regional, nacional e internacional.

Este termo surge como resposta às mudanças nas políticas, mas também como resposta a uma mudança mais abrangente em termos mundiais, com o aumento da globalização, crescimento de redes entre o Estado e a sociedade civil e o aumento da fragmentação, entre outras mudanças de fundo (Hirst, 2000), citado em Fidélis e Pires (2007).

Este novo conceito de governance surgiu em Portugal associado ao termo de governação, termo adoptado ao longo deste trabalho. Embora os planeadores escrevam muitos artigos sobre a importância da participação, Grant (1974), argumenta que a recessão no início dos anos 80 levou a que os planeadores colocassem a participação dos cidadãos fora de primeiro plano, dando ênfase às questões do planeamento e desenvolvimento económico (referido em Day, 1997: 421). Ultrapassado, porém, esse contexto, muitos autores defendem o progresso para uma democracia plenamente participativa, com o aumento da participação

1

O termo governança deriva da palavra francesa governance referindo a arte ou maneira de governar "gouvernement", noção utilizada a partir século XVIII, estando este termo associado ao antigo regime.

de actores não estatais na tomada de decisões a vários níveis territoriais (Bache e Flinders, 2004), citado em Fidélis e Pires (2007).

A questão da participação dos cidadãos está, assim, fortemente ligada à questão filosófica da democracia. Consoante as diversas interpretações da democracia, assim a representatividade da participação dos cidadãos ou o seu desempenho é compreendido nas políticas públicas2.

Vasconcelos (2001: 778), defende que é de todo relevante um processo social colectivo, não personalizado, o entroncar com todo um novo processo de comunicação, não baseado na argumentação, parecendo assumir por vezes características de contencioso, onde "os discursos não são prisões" e podem ser uma chave para a democracia, "visto representarem uma partilha de significados de sentido do mundo integrados na linguagem", resolvendo-se problemas sociais complexos através dos mesmos.

A construção da política pública deve apoiar-se cada vez mais numa cidadania activa e num discurso público. As tendências parecem ser na direcção de a comunidade assumir o seu próprio futuro. Planeadores a trabalhar nas arenas de decisão pública, não podem ignorar estes aspectos e terão de ser capazes de trabalhar as novas metodologias para integrarem novas formas de operacionalização na procura de soluções em política pública" (Vasconcelos, 2001: 778, referindo Dryzek, 2000).

2

Clara Mendes (1990: 17) considera política pública como "[...] toda a decisão de origem pública [...] que tenha directa ou indirectamente efeitos territoriais"; Nunes da Silva (1995: 12) entende que "uma política pública é [...] aquilo que o poder público decide ou não fazer"; Margarida Pereira (1994: 28) define "o conceito de política pública obedece a um conjunto de requisitos: tem referência espacial, directa ou indirectamente explicitada; contém elementos de decisão que lhe conferem natureza voluntária imposta pelos responsáveis políticos; pretende atingir objectivos e satisfazer interesses; possui conteúdo, convertido em medidas e acções; tem intrínseca uma lógica de "serviço público", estabelecendo normas e fornecendo bens ou serviços onde o funcionamento do mercado mostra deficiência ou mesmo incapacidade de respostas satisfatórias; dirige-se a um destinatário preferencial, embora possa afectar indivíduos ou territórios não previstos, condicionando-1hes os comportamentos e os interesses" (citações em Vitorino, 2000: 58- 59).

2.2.4 O planeamento e a metodologia participativa no projecto de