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A DENGUE E A RELAÇÃO COM O MEIO AMBIENTE

vida na terra, ou seja, é a natureza com todos os seres vivos e não vivos que nela habitam e interagem. É tudo aquilo que nos cerca, como a água, o solo, a vegetação, o clima, os animais, os seres humanos, dentre outros (MAGALHÃES, 2019). Desta forma, qualquer ação que ocorra no meio ambiente terá uma consequência, ou um impacto (seja positivo ou seja negativo) em algum/alguns indivíduos que nele habitam. O entendimento de que ocorre essa interação é imprescindível para pensar sobre a relação meio ambiente / dengue / seres humanos / insetos / vírus.

O problema ambiental que vivemos atualmente é por conta de impactos que estão causando grandes desequilíbrios na saúde do planeta. Nas últimas décadas, o meio ambiente vem sofrendo cada vez mais com a ação humana (ação antrópica), uma delas é a prática das queimadas. Como essa intervenção nem sempre é harmônica e de forma sustentável, surgem diversos problemas ambientais como: mudanças climáticas, efeito estufa, aquecimento global, poluição da água, poluição do ar, destruição da Camada de Ozônio, extinção das espécies, chuva ácida e desmatamento (MAGALHÃES, 2019).

O desmatamento e as queimadas prejudicam muito o meio ambiente e são realizados, pelos seres humanos, com o objetivo de ocupação de um território para um devido fim, como para moradia ou, comumente, para fins pecuários. Destaca-se como consequência de locais com desmatamento, a perda da produtividade do solo, as mudanças no regime hidrológico da bacia hidrográfica, as alterações na precipitação e no escoamento local e, diretamente, se observa a perda de toda uma biodiversidade na fauna e, principalmente, na flora (VAREJÃO et al. 2005). Neste ponto, é possível entender o porquê do aumento de doenças chamadas de transmissão vetorial nos centros urbanos (cidades). Esses vetores, na maioria insetos, restritos a locais de mata anteriormente, no momento que se iniciam o desmatamento e as queimadas, perdem seu habitat natural e precisam procurar outros lugares seguros para se protegerem. Ocorre então a migração de animais, incluindo os insetos vetores, e com eles os micro-organismos causadores de doenças.

Todos os impactos aqui citados vão influenciar de maneira direta ou indireta os demais componentes que habitam o meio ambiente, incluindo de forma especial os seres vivos. Essas alterações ambientais causam desequilíbrio, escassez de recursos, diminuição de diversidade de espécies e entre elas a redução de qualidade de vida. Hoje sabemos que o modo de vida dos seres humanos está intimamente relacionado com a ocorrência de inúmeras doenças, as quais podem ser oriundas de algum fator ambiental alterado, principalmente pelas ações antrópicas. E por sua vez, essas interações humanas

com o meio ambiente têm exercido grande influência no aumento significativo de doenças como a dengue.

Vamos começar a entender como tudo isso está relacionado e a partir de então, pensar na maneira como estamos inseridos neste meio ambiente e como poderemos contribuir para a redução dos impactos ambientais e prevenção da dengue.

Para iniciarmos, é preciso entender o termo Doença Tropical Negligenciada (DTN), o qual ajudará a discorrer sobre essa íntima relação entre o meio ambiente e a dengue. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a dengue como uma DTN. Mas o que isso quer dizer? O que isso tem de importante para o nosso conhecimento? Por qual razão está relacionada com o meio ambiente? Ser classificada como uma DTN implica em dois significados importantes: o primeiro significado que vamos tratar está relacionado às condições ambientais, ou seja uma doença tropical, a qual ocorre nos trópicos (países tropicais e subtropicais). O clima é um fator ambiental muito importante, talvez o principal, para a permanência dos mosquitos nas regiões tropicais e subtropicais (Américas, Sudeste Asiático, Pacífico Ocidental) em ambientes urbanos e semiurbanos, nos quais eles estão bem-adaptados. Os mosquitos já foram encontrados em aproximadamente 125 países ao redor do mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020; MURRAY & WILDER-SMITH, 2013).

Essa informação, nos leva a pensar na primeira relação da dengue com o meio ambiente: as condições climáticas favoráveis. A expansão do vetor está de fato relacionada com o habitat. A temperatura é um fator diretamente relacionado com a sobrevivência dos mosquitos adultos, com a replicação viral e com o aumento da infecção. Essa relação implica diretamente na distribuição da doença nos países tropicais e subtropicais e explica o motivo para que a dengue seja classificada como DTN. Ainda, segundo a OMS, climas quentes e úmidos são fundamentais para os vetores se disseminarem. O Brasil, por ser um país tropical, tem um clima favorável para o desenvolvimento da dengue, o que explica a grande quantidade de pessoas que já foram infectadas e adoeceram por esta enfermidade. Algumas épocas do ano têm maior número de casos, devido à temperatura elevada e consequentemente ao aumento da reprodução e desenvolvimento dos mosquitos.

Além disso, é amplamente conhecido que estamos vivendo um período de aumento progressivo da temperatura média global, por diversas ações antrópicas que já citamos, que alteram as condições climáticas normais do planeta. A elevação da temperatura em locais, outrora frios, está garantindo a adaptação do vetor em regiões que até pouco tempo não tinham a sua presença, pois este mosquito gosta do calor, e o aquecimento global está favorecendo a sua adaptação. Assim como a alteração da distribuição das chuvas, com

invernos de temperaturas elevadas e com considerável quantidade de chuva, que favorecem a ocupação de nichos que anteriormente não tinham sua presença.

Alguns insetos, incluindo os mosquitos do gênero Aedes, possuem uma característica especial de sobrevivência chamada de diapausa. É um período do desenvolvimento interrompido, ou seja, quando o inseto para de se desenvolver para sobreviver a adversidades, como frio e estiagem, permanecendo no ambiente sem avançar para as próximas fases de desenvolvimento. Por exemplo, se há um ovo no ambiente, ele não vai se transformar em larva até o momento em que as condições estiverem favoráveis. Após as condições ambientais voltarem à estabilidade, o ovo volta ao seu desenvolvimento e a fase imatura eclode e mantém o ciclo natural de vida. Portanto, essa habilidade dos mosquitos permite o desenvolvimento mesmo após passar por períodos inóspitos, onde esses ovos poderiam perder a viabilidade, garantindo uma forma efetiva de sobrevivência. Como podemos perceber, o clima favorece muito a adaptação e permanência desta espécie, logo, o aumento da transmissão do vírus, e o aquecimento global é um aliado.

A dengue é conhecida como uma doença urbana, por estar concentrada em centros urbanos e semiurbanos, devido à característica cosmopolita dos mosquitos, ou seja, bem- adaptados aos grandes centros. Essa característica relaciona-se com as necessidades de sobrevivência e reprodução e os fatores ambientais propícios. Os grandes responsáveis pela manutenção da dengue nas cidades são os seres humanos, que produzem locais apropriados para a deposição dos ovos e são as fontes de alimentos para as fêmeas. Os mosquitos possuem hábitos diurnos e no ambiente urbano encontram as condições ideais para a deposição dos seus ovos: em locais contendo água parada, como tanques de armazenamento e vasilhames temporários, dentro e fora das casas, em objetos variados como potes, barris, latas, garrafas e vasos de planta (PEREIRA & LEMES, 2018). A doença surge a partir da proliferação em grande escala do mosquito que tem preferido os reservatórios artificiais (o que inclui o manejo incorreto dos resíduos sólidos), mesmo tendo oportunidade de completar seu ciclo no meio natural, isso pelo fato de, no meio antropizado ter sua prole mais protegida (PEREIRA & LEMES, 2018).

Embora, relatamos aqui que a doença apresente uma feição mais urbana, atualmente os mosquitos estão conseguindo ocupar mais espaços rurais e pode-se relacionar com os mesmos fatores ambientais que estão permitindo o seu desenvolvimento e sua propagação nos ambientes urbanos. Assim como nas cidades, na zona rural também ocorrem as alterações de temperatura e regime de chuva muito associados ao desmatamento. As mudanças nos padrões de consumo da população rural também refletem alterações, o acúmulo de lixo, devido ao acesso de bens de consumo, lixos

plásticos, recipientes com água, itens descartados de maneira incorreta que podem ser potenciais reservatórios de água parada. A falta de saneamento e de coleta de lixo se somam a esse grande problema, pois permitem a manutenção de microambientes adequados ao desenvolvimento dos mosquitos. No Rio Grande do Sul, a adaptação do mosquito em áreas rurais já é percebida, com a presença de focos de infestação que mostram a ruralização da enfermidade. (Para muito além da dengue, 2019).

Até aqui falamos que a doença é tropical e urbana, entendemos um pouco o que as condições climáticas e os hábitos/ ações humanas impactam na elevação de mosquitos e consequentemente no aumento da doença. Agora abordaremos a característica a qual confere a classificação como doença negligenciada. O termo negligenciado é indicativo de que a enfermidade se observa com maior frequência em populações carentes desses países tropicais. Está presente, principalmente, em comunidades que vivem em locais com condições precárias de vida e contato com animais e insetos vetores (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020). A precária disposição do lixo, bem como inadequadas condições de saneamento básico, resultantes da ação antrópica ocasionam o aumento da proliferação do vetor, que se observam com muita frequência em locais negligenciados, regiões periféricas dos centros urbanos. Também vale ressaltar como fator limitante para o aumento da doença, as condições sociodemográficas das comunidades, como o número de pessoas que moram em uma residência, a falta de acesso água encanada.

É importante saber que embora as populações carentes sejam as mais susceptíveis, não são somente elas que estão sob risco de infecção e adoecimento. Uma vez que a doença está instalada naquela comunidade/ bairro/ cidade, qualquer pessoa poderá se infectar. E vamos entender o porquê, ao conseguirmos perceber como as DNTs têm relação com os seres humanos e com as suas ações e com a saúde planetária.

Já possuímos conhecimentos necessários para entender o ciclo de transmissão da doença, mas embora todo conhecimento adquirido, você sabe por que essa doença tem aumentado no mundo? Justamente, porque apesar de toda informação necessária para prevenção, nossas atitudes com relação ao meio ambiente continuam facilitando a disseminação do mosquito, tais como: o rápido crescimento e urbanização desordenada das populações nas áreas tropicais, a alta densidade populacional nas áreas metropolitanas, a ausência de infraestrutura básica de saneamento, levando as pessoas a armazenarem água para utilização doméstica. A coleta de lixo inadequada ou ausente acarreta um aumento dos criadouros do mosquito e o aumento da produção de descartáveis. A maior frequência de viagens facilitando o movimento migratório e a disseminação do vírus pelas pessoas infectadas, além de todos os fatores ambientais.

De maneira geral, a disseminação da dengue se dá devido a elevada capacidade reprodutiva do mosquito, aliada a condições favoráveis de clima, e às condições ambientais produzidas pelos seres humanos e o acesso ao alimento. Diante do exposto, o primeiro passo para a prevenção da dengue é quebrar a cadeia de transmissão, eliminando os locais de proliferação do mosquito. Um caminho para a prevenção contra essa doença se dá pela participação da comunidade no controle da enfermidade, através de atividades educacionais que conscientizem a população para que possam também atuar no controle do vetor, não basta só tirar a água parada dos recipientes, precisamos evitar a super produção de lixo, diminuir a poluição, acabar com o desmatamento e queimadas.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue: manual de enfermagem – adulto e criança. Brasília, DF: MS/SVS, 2008. p. 7-48.

MAGALHÃES, L. Meio Ambiente. [s. l.], 2019. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/tudo-sobre-meio-ambiente/.

MURRAY, N. et al. Epidemiology of dengue: past, present and future prospects.

ncbi.nlm.nih.gov, [S. l.], [s. d.]. Disponível em:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3753061/. Acesso em: 2 maio. 2020. PARA MUITO ALÉM DA DENGUE. Entrevistador: Aristóteles Cardona Júnior.

Entrevistados: Enrique Barros, Tatiana Camargo e Mayara Floss. [S. l.] Medicina em debate, 11 jun. 2019. Podcast. Disponível em:

https://medicinaemdebate.com.br/2019/06/para-muito-alem-da-dengue/. Acesso em: 03 mai. 2020.

PEREIRA, C. M.; LEMES, J. R. A. Education and health strategies at school: continuous prevention against dengue. Em Extensão, [S. l.], v. 17, n. 1, p. 191–205, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.14393/REE-v17n12018-rel08

VAREJÃO, J.; SANTOS, CB, HR REZENDE, BEVILACQUA, LC, FALQUETO, A. Criadouros de Aedes (Stegomyia) aegypti (Linnaeus, 1762) em bromélias nativas na Cidade de Vitória, ES. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, [S. l.], v. 38, n. 3, p. 238–240, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0037- 86822005000300006&script=sci_arttext. Acesso em: 2 maio. 2020.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Dengue y dengue grave. [s. l.], 2020. Disponível em: https://www.who.int/es/news-room/fact-sheets/detail/dengue-and-severe-dengue. Acesso em: 2 maio. 2020.

ZEIDLER, J. D. et al. Vírus dengue em larvas de Aedes aegypti e sua dinâmica de

infestação, Roraima, Brasil. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 42, n. 6, p. 986-991, 2008. doi: https://doi.org/10.1590/ S0034-89102008000600002.

Maria Aparecida Maia de Mello João Victor Silveira Verçosa Marlise Grecco de Souza Silveira Jeferson Rosa Soares Fernando Icaro Jorge Cunha Osmar Senador Mendonça Júnior

A dengue é um dos principais problemas de saúde pública no mundo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 2,5 bilhões de pessoas – 2/5 da população mundial – estão sob risco de contrair dengue e que ocorram anualmente cerca de 50 milhões de casos. Desse total, cerca de 550 mil necessitam de hospitalização e pelo menos 20 mil morrem em consequência da doença (BRASIL, 2009).

Desse modo, podemos perceber que a dengue é uma doença que exerce influência na qualidade de vida da população e pensando no cenário brasileiro essa situação é ainda alarmante, pois vivemos em um país com inúmeras desigualdades sociais, econômicas e políticas.

No estudo de Tauil et al (2001, p. 100), observamos que os fluxos migratórios rurais- urbanos acarretam o processo desenfreado da urbanização, entretanto as políticas públicas de saneamento básico, abastecimento de água e coleta de lixo ainda não atendem a totalidade da população.

As mudanças demográficas ocorridas nos países subdesenvolvidos, a partir da década de 60, consistiram em intensos fluxos migratórios rurais-urbanos, resultando num “inchaço” das cidades. Estas não conseguiram dotar-se oportunamente de equipamentos e facilidades que atendessem às necessidades dos migrantes, entre as quais incluem-se as de habitação e saneamento básico. Boa parte desta população passou a viver em favelas, invasões e cortiços. Estima-se que 20 a 25% da população de grandes cidades da América Latina estejam nestas condições. O saneamento básico, particularmente o abastecimento de água e a coleta de lixo, mostra-se insuficiente ou inadequado nas periferias das grandes metrópoles. Uma das conseqüências desta situação é o aumento do número de criadouros potenciais do principal mosquito vetor.

Como a água é indispensável à sobrevivência, a população que habita esses locais vê-se obrigada a armazenar água em depósitos domésticos, que servem como criadouros do vetor (CLARO et al. 2004, p. 1448).

Capítulo 05

A DENGUE E SUA INFLUÊNCIA NA QUALIDADE DE VIDA DA