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Descarpak é o recipiente utilizado na instituição estudada, para desprezar os resíduos pérfuro-cortantes Apresenta paredes rígidas, saco plástico no interior e abertura única na parte superior, por onde são descartados

Explorando a associação de motivos condicionantes do acidente de trabalho na perspectiva da reflexão coletiva

46 Descarpak é o recipiente utilizado na instituição estudada, para desprezar os resíduos pérfuro-cortantes Apresenta paredes rígidas, saco plástico no interior e abertura única na parte superior, por onde são descartados

tais resíduos. Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas, os resíduos pérfuro-cortantes são todos aqueles resíduos que podem causar lesão cortante ou perforante, incluindo agulhas, lâminas de bisturi, entre outros.

No que tange aos recursos humanos, cabe salientar que o número reduzido de trabalhadores tende a desencadear um agir rápido e desordenado, como tentativa de cumprir todas as ações destinadas a um turno de trabalho. Devido à sobrecarga, os trabalhadores apenas fazem, sem tempo para refletir, o que abre precedentes para a ocorrência de acidentes, como comentado no foco temático anterior.

A fala do Tl mostra a pressa como conseqüência da sobrecarga de ações e do número reduzido de pessoal:

“Sobrecarga de serviço (...) muitas tarefas, poucos funcionários. Inclusive agora deu um acidente no turno da tarde. Estão trabalhando três ou quatro, com 45 paciente. Dá problema. Já se acidentou uma e vai se acidentar mais. A pressa...está com pressa de fazer o serviço, não pode ser assim. O pessoal que se acidenta, geralmente é por sobrecarga de trabalho. E mesmo a pressa. Muita confusão, muitas vezes o serviço está tumultuado e

se acaba fazendo bobagem.” (Tl)

A inadequação de recursos humanos às necessidades institucionais não impõe, necessariamente, que o trabalhador desempenhe suas ações cotidianas associadas à pressa. Antes, deve conduzir à seleção de prioridades, para que possa atuar em cima das necessidades mais prementes, a elaboração de um planejamento, ao invés de buscar a execução de maior número de ações em um mesmo período de tempo. A seleção de prioridades limita o gasto de tempo, direciona as ações para que aconteçam, sem que o trabalhador necessite usar da pressa em sua jornada de trabalho e possibilita um agir de forma organizada, sem os “atropelos” tão comuns no cotidiano de trabalho, quando da falta de pessoal.

As más condições de trabalho, ou seja, de recursos humanos e materiais, promovem um desgaste físico e emocional no trabalhador, o que pode aumentar as possibilidades de acidentes. Ilustra-se tais reflexões com a fala de dois

trabalhadores entrevistados:

“Numa urgência, tu precisa de equipamentos que tu não tem e tem que sair correndo atrás. E como é uma situação de urgência que tu tem que correr, tu estás correndo risco, porque tu está fazendo muito agitado. Tu tem que correr para providenciar monitor, correr para o desfibrilador, correr para não sei o quê. Tudo vai, corre, daqui a pouco cai com um troço pesado em cima. (...) Se tu tiver tudo à mão, tu fa z as coisas devagar, com atenção, numa boa, com calma e segurança. Agora, se tu está correndo, já traz o equipamento correndo, larga ali, aí monta, aí tu tem que puncionar... o paciente está mal, não dá para perder tempo, tu já não põem a luva. Então são coisas que te expõem. ”(T2)

“(...) Faltam as coisas, a gente tem que está improvisando, correndo para fazer as coisas....é um desgaste total” (T4)

O desgaste, que é uma face negativa do trabalho, é abordado por Laurell e Noriega (1989), quando analisam a dinâmica do acidente a partir da lógica do processo de produção. Segundo os autores, na análise dos acidentes sob esta ótica, “aparecem novos elementos causais e uma articulação totalmente distinta entre eles” (op. cit, p. 114). Estes elementos, desgaste e cargas de trabalho, necessitam ser discutidos, para que se compreenda suas relações com os acidentes de trabalho.

Carga de trabalho, para os autores supra citados, diz respeito aos elementos presentes no processo de trabalho que interatuam dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador, gerando processos de adaptação, que se traduzem no seu desgaste, sendo este desgaste a perda da capacidade potencial ou efetiva, corporal e psíquica. Estas cargas de trabalho que, ao interagir com os trabalhadores, podem conduzir ao desgaste, constituem-se em elementos de risco, que predispõem ou não à ocorrência de acidentes de trabalho, dependendo da forma como são manejados e articulados com o processo de formação do ser

humano.

Os elementos de risco, que se mantêm em um movimento dinâmico dentro do processo de trabalho, influenciam significativamente no modo de trabalhar e viver do conjunto dos trabalhadores.

Depreende-se daí que o desgaste resultante da interação do corpo individual com os elementos presentes no processo de trabalho fragiliza os trabalhadores, fazendo com que desenvolvam suas ações muito próximo à possibilidade de acidentes, no tênue limite da situação de risco. Conhecer estes elementos, sob a ótica dos trabalhadores, permite intervir no processo de trabalho, através de ações transformadoras.

Poderiam surgir, da análise dos recursos humanos e materiais não adequados a demanda, questionamentos da seguinte ordem: É possível parar para refletir, quando se tem que correr na busca por recursos para trabalhar? É possível refletir sobre EPI, quando a luva que se tem é inadequada em tamanho? É possível refletir quando não se tem certos materiais para trabalhar? Este é um espaço que precisa ser conquistado, uma conquista que não é fácil, pois envolve além do enfrentamento da organização do trabalho. É preciso enfrentar a si mesmo, em primeiro lugar, para “aprender” a buscar espaços de reflexão que desacomodem e que façam nascer a crítica fundamentada na prática e no conhecimento.

A organização do trabalho, planejada por trabalhadores que, hierarquicamente, detêm o poder decisório, pode ser modificada por trabalhadores, que conhecem a realidade e, portanto, sofrem o desgaste imposto por condições precárias, por relações que tendem a aumentar este desgaste.

“Hoje não tinha luvas para trabalhar, e eu fu i buscar. A gente têm que exigir. Não se pode aceitar trabalhar sem luvas. ”(T6)

A partir do momento em que se percebe o desgaste que provém da não adequação das condições disponíveis às exigências do trabalho, deve-se lutar pelo equilíbrio, pela adequação, de forma coletiva, fazendo valer a, força dos trabalhadores na busca por um trabalho seguro, de qualidade e com saúde.

“Quanto mais intenso for o desgaste da força de trabalho dentro do processo produtivo, maior tenderá a ser o depauperamento da mesma, ou melhor, o desgaste físico e emocional” (Costa, 1981, p.31). A mesma autora refere que os acidentes refletem um dos ângulos da forma de exploração da força de trabalho. Esta exploração, que abarca diversos aspectos do processo de trabalho, como os exemplos analisados, tem repercussão nas diversas esferas da existência humana, podendo manifestar-se no momento do trabalho em forma de acidente. Tal exploração e suas conseqüências devem ser contestadas pelo próprio sujeito do trabalho e modificadas, visando resultados outros que não o acidente, ou seja, visando a produção da sua saúde dentro desse espaço, que pode abrigar qualidade, partindo de atributos positivos, ao invés de negativos.

O desgaste é produzido no cotidiano de trabalho, bem como provém de fatores externos ao ambiente/espaço do trabalho, relativos às condições gerais de vida, como salários baixos, alimentação precária.

Na abordagem feita por Costa (1981) sobre acidentes de trabalho, fica evidenciado que os níveis gerais ou condições gerais de vida do trabalhador são extremamente importantes de serem considerados, visto existir uma correlação entre acidente, desgaste e padrões gerais de vida. Segundo esta autora, o trabalhador, que sofre um desgaste antes de iniciar a jornada de trabalho, já começa a trabalhar sem ter as condições para tal. Por estar mentalmente esgotado, “a mera diminuição de seus reflexos, por menor que seja, pode causar um acidente” (op. cit, p.73).

influência, tanto das condições gerais de vida como do trabalho na maneira de viver, é uma realidade incontestável, pois ele é o mesmo nas diferentes esferas de sua existência. No entanto, como construtor de sua saúde, como sujeito do trabalho, deve buscar, enfaticamente, a congruência entre suas necessidades internas e o meio externo para ser saudável. Então saudável, construtor se faz da saúde dos outros trabalhadores e dos clientes da prática. Acomodar-se a um sistema ou às condições existentes, seria estabelecer a incongruência que lhe conduz ao adoecimento. Esta busca não é apenas individual, é também do conjunto de trabalhadores, pois o ser humano, em suas relações de trabalho, têm limites, sofre influências, convive, jvive. Por estarem estabelecendo constantes relações, esta é uma busca de todos os trabalhadores.

Ao analisar a associação de motivos condicionantes dos acidentes, envolvendo sangue e/ou fluidos corporais, no hospital estudado, percebe-se que os motivos realmente não ocorrem de forma isolada, validando a reflexão inicialmente feita. Ao contrário, estão extremamente entrelaçados, sendo difícil que a alusão a um deles não implique em que os outros apareçam, concomitantemente. Estes entrelaçamentos demonstram que os motivos estão muito mais na organização do trabalho, do que em ações individuais. Os motivos estão emergindo e convergindo para tal organização a cada ação individual refletida.

Cada motivo apontado pelos trabalhadores, está permeado pelo processo de reflexão-ação, que ainda se encontra num patamar afastado do fazer dos trabalhadores. Cada motivo é gerado na organização do trabalho, a qual está na dependência das necessidades dos meios de produção e da sociedade. São resultados, então, de um conjunto de ações e de relações no e do trabalho, processados no cotidiano da prática. Isto posto, depreende-se que é nesta prática

e com estes trabalhadores que deve ser iniciado um processo de transformação, embasado no processo educativo que, com muita propriedade, faz superar desafíos, recuperar a criatividade e a participação dos trabalhadores na organização do trabalho, de modo a, utilizando-se dos saberes próprios de cada um, produzir saúde numa organização tecnológica que esteja igualmente voltada para este prisma.

Análises outras, distantes daquelas centradas na associação de motivos condicionantes, emergem do discurso dos trabalhadores e são compiladas a seguir.

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