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O desfecho de uma situação de risco pode se constituir, ele mesmo, em elem enta de risco para outra situação, já que essas situações são inúmeras no processo de trabalho, relacionadas entre si.

Explorando a associação de motivos condicionantes do acidente de trabalho na perspectiva da reflexão coletiva

42 O desfecho de uma situação de risco pode se constituir, ele mesmo, em elem enta de risco para outra situação, já que essas situações são inúmeras no processo de trabalho, relacionadas entre si.

elemento de risco. A ação do trabalhador de enfermagem encadeia-se na ação do trabalhador da coleta. Esta percepção de conjunto é imprescindível na prevenção de acidentes, se o trabalhador da enfermagem, neste caso, atentar para, o conjunto, que é o trabalho; e, se compreender a amplitude da ação individual, a qual não é um fim em si mesma, compreenderá e aplicará a prevenção em todas as etapas que compõem o seu fazer e o fazer coletivo do trabalho.

Na seqüência, relacionam-se os acidentes relatados, com o conjunto do trabalho, extrapolando, portanto, a segurança individual que o uso da luva confere aos trabalhadores. A situação de risco, na percepção dos trabalhadores, está vinculado ao corpo do paciente HIV positivo. EnquantoJem a possibilidade de contato com sangue e/ou fluidos corporais no corpo do paciente, existe o cuidado de proteção, porque existe o elemento de risco - sangue e/ou fluídos corporais. A partir do momento em que o toque, o contato com o corpo do paciente não se faz mais necessário, a possibilidade de acidente desaparece pela não percepção da continuidade do risco.

Os procedimentos e sua relação direta ou não com o corpo do paciente devem ser percebidos de forma mais ampla, para que exista prevenção, ou seja, desde o preparo do material até o seu encaminhamento ao destino final. Esta visão mais ampla não descarta o entendimento da existência da ação individual em cada procedimento, que é o de sua execução propriamente dita. No entanto, como o processo de trabalho é coletivo, a prevenção e controle das situações de risco e acidentes deve compor cada uma de suas etapas, mesmo que seja momentaneamente individual, pois pode interferir direta ou indiretamente em suas ações subseqüentes ou nas de outros trabalhadores.

A segurança, também vinculada ao fazer rotineiro e igualitário das ações que confere aos trabalhadores, aparece como um dos motivos condicionantes dos acidentes.

é eu começar a me acostumar com o que eu estou fazendo e já fazer sem refletir, já fazer por fazer, e acabar correndo risco por isso. Eu acho que em todos, até as enfermeiras, eu acho que de tanto puncionar, já não precisa mais luva, porque já sabe como é que faz. Está correndo o risco muito, muito grande. A gente acaba achando uma maneira mais fácil de fazer as coisas, mais rápido, sem ocupar tanto... e acaba se expondo a um acidente. ”(T3).

Aquele fazer sempre da mesma forma, vinculado à técnica de execução, faz com que o trabalhador adquira certa confiança em seu fazer, a ponto de rotinizá-lo e não mais questionar etapas ou maneiras novas de agir. Esta rotinização do fazer pode conduzir a acidentes, pois as etapas vão se sucedendo de tal forma, como se uma ação desencadeasse a outra, sem a necessidade da ação refletida. Parece que, na repetitividade43das ações, os riscos deixam de ser percebidos mais facilmente, como se fosse uma venda, impedindo a compreensão de situações que oferecem risco.

No trabalho em saúde, o processo reflexão-ação se faz necessário para que os trabalhadores sejam, não só perspicazes na identificação das situações de risco, como também no estabelecimento de uma política de produção da sua saúde, visto ser esta planejada em cima de possibilidades que, quando detectadas, podem ser evitadas. É a reflexão-ação abre os horizontes do fazer, transformando-o em um fazer refletido, permeado pela crítica, pelo querer ser melhor.

Outro aspecto que emana da rotinização, da repetitividade das ações, é a limitação da extemalização da criatividade do trabalhador.

A rotinização, a repetição, tende a bloquear a capacidade criativa do ser humano, que é uma das formas de mantê-lo partícipe do processo de trabalho, o que diminui a fragmentação, o parcelamento do trabalho. Porém, a criatividade

43Repetitividade das ações, ou ações repetitivas, é usado no sentido das ações se processarem sempre de uma mesma forma, no cotidiano de trabalho.

que o toma participante não é aquela criatividade voltada exclusivamente para resolução de problemas emergenciais, como usualmente ocorre. Neste rumo, Lunardi Filho(1998) ressalta que a criatividade que surge nas instituições de saúde tem, muitas vezes, um caráter de improvisação. Esta criatividade de “improvisações” cansa, estressa, desgasta o trabalhador e não permite o seu livre movimento sobre o objeto de trabalho. Dejours (1988, p. 113) refere que “o trabalho repetitivo cria a insatisfação, cujas conseqüências não se limitam a um desgaste particular. Ela é, de certa forma, uma porta de entrada para a doença(...)”. Neste estudo, a “doença” está focalizada no acidente, que não deixa de ser uma doença do processo de trabalho.

O desgaste referido por Dejours, como proveniente da insatisfação gerada pelo trabalho repetitivo, não se limita ao corpo individual, ou seja, pressupõe o envolvimento do corpo social do trabalho no processo de desgaste. Isto significa dizer, que a insatisfação “coletiva”, é fonte de acidentes de trabalho.

A criatividade que é fonte de prazer, é aquela que permite exteriorização, a materialização do ser humano no objeto de trabalho. Ao extemalizar seu interior na forma de produção concreta, o ser humano satisfaz suas necessidades de subsistência e de existência humana e social, fazendo com que seja partícipe e produtor de saúde, no contexto do trabalho hospitalar.

A criatividade proporciona ao trabalhador, ser sujeito no e do trabalho, por permitir sua exteriorização no objeto e sua participação no processo de trabalho. Laurell & Noriega (1989, p. 104), destacam que o trabalho é visto como uma “atividade consciente orientada para um fim, base da criatividade. É, pois, a capacidade de criar intencionalmente novos objetos, mas também novas relações entre os homens”. Enquanto essa qualidade do trabalho, como assim a chamam, “só é potencialidade até realizar-se, tende constantemente a ser negado à grande

maioria dos trabalhadores quando o trabalho assume a forma explorada e alienada. Esta constante negação da capacidade criativa de trabalho, então, explicaria porque a atividade especificamente humana toma-se destrutiva e não potencializadora das capacidades humanas dos trabalhadores”. Urge que o processo de trabalho tenha a reflexão-ação como estrutura de sua organização, pois é só refletindo que o trabalhador impede a destruição de si para promover a si e ao outro.

- Ações de risco vinculadas às condições gerais do ser humano trabalhador

Refletir-se-á, neste momento, sobre a relação existente entre o processo saúde-doença do trabalhador e sua exposição a acidentes de trabalho.

De acordo com o relato do T l, seu segundo acidente deve-se ao fato de “estar doente”:

“Trabalhar doente é a coisa mais horrível, a gente fica muito estranha. Eu me lembro que eu estava resfriada, eu estava ruim, me sentindo mal, não era coisa para atestado, mas eu estava péssima no dia que me acidentei com esta paciente. (...) Foi HGT44, finquei nela e não sei de que jeito, me finquei. Porque não tinha necessidade de me fincar daquele jeito. Não me lembro se eu estava de luva...acho que estava de luva também. Não, não estava sem luva. ” (T l)

As condições gerais do ser humano interferem e repercutem, diretamente, na interação do trabalhador com seu trabalho, deixando-o mais vulnerável a acidentes. “Sabe-se que o agravamento das condições de saúde do

44 HGT= Haemoglucotest. São tiras reagentes utilizadas para determinação dos níveis de glicemia. Micro-

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