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Descrição sumária das atividades usadas para ensinar-aprender sobre as ciências

Capítulo II- Metodologia e características do ambiente de aprendizagem

II.4- Descrição sumária das atividades usadas para ensinar-aprender sobre as ciências

Nesta seção farei uma breve descrição das atividades usadas com a turma de 7ª série. Meu objetivo é assinalar as estratégias por meio da quais essas atividades pretendiam promover a evolução do saber dos estudantes sobre as ciências. De modo geral, as atividades pretendiam criar contextos significativos para a discussão de questões e aspectos relacionados à natureza da atividade científica, bem como para a explicitação dos raciocínios e compromissos epistemológicos dos estudantes.

Do que foi combinado previamente com o professor, apenas o tema “Luz e Visão” chegou a ser desenvolvido. O tema “Ondas e Sons”, também previsto no programa e contemplado no livro texto adotado pela escola, não foi trabalhado. De um total de 22 atividades produzidas e encaminhadas para a análise do professor, apenas 17 chegaram a ser usadas, em função da necessidade de circunscrever o desenvolvimento do tema Luz e Visão ao período de um trimestre letivo. Além desta restrição, algumas das atividades originais sofreram alterações.

A primeira versão das atividades encaminhadas ao professor continha uma série de comentários com sugestões para a realização de discussões que contemplavam os cinco aspectos da natureza das ciências apresentados no diagrama I.1.

Em sua grande maioria, as atividades foram efetivas em suscitar o interesse dos alunos em interpretar os fenômenos luminosos que constavam no plano de ensino do professor e no livro didático adotado na escola. Apesar disso, notei certa apatia e desinteresse entre os estudantes, que parece ter se transformado em indisciplina e agitação crescentes à medida que o trimestre foi avançando. Isso não esmoreceu o professor, que exerceu de forma vigilante e consistente o papel de encorajar os estudantes a utilizar suas próprias idéias e crenças nas análises propostas pelas atividades. O esforço do professor, entretanto, não obteve sucesso no sentido de controlar a indisciplina. Os estudantes, por sua vez, não se dispuseram a apresentar alternativas ou mesmo críticas à condução dos trabalhos, nas diversas vezes em que o professor interrompeu a aula para fazer este tipo de solicitação.

Uma diferença importante entre o que eu havia imaginado quando concebi as atividades e a maneira como elas acabaram sendo utilizadas, diz respeito à orientação proposta por Duschl (2001) de estruturar as atividades para criar fóruns de investigação, argumentação e avaliação da relação entre evidências versus explicações e modelos versus realidade. O objetivo de avaliar essas relações parece ter sido parcialmente alcançado, mas as atividades não seguiram a dinâmica de investigação em grupos acompanhadas de apresentações dos trabalhos conduzidos em cada grupo e “grandes debates” e discussões dos grupos entre si.

No lugar destes debates, o que se ouviu foi a voz do professor, que conduzia as discussões e sugeria as conclusões. Essa mudança de perspectiva deve ser atribuída não apenas ao estilo do professor e ao tipo de trabalho que ele já realizava com os alunos antes da nossa intervenção, mas também às próprias atividades que, para aquela turma de alunos, não suscitaram problemas suficientemente autênticos capazes de alimentar os “fóruns” de discussão. De acordo com o relato do professor, que usou as mesmas atividades na turma da manhã, o envolvimento limitado da turma da tarde, cujo trabalho eu acompanhei, deveu-se também a características da própria turma. Segundo ele o envolvimento da turma da manhã foi bem maior.

Há ainda uma outra característica importante a mencionar na forma como o professor conduziu as atividades em sala. O material complementar que entreguei a ele foi concebido para dar esclarecimentos quanto às questões epistemológicas de fundo que inspiraram cada atividade. No texto das próprias atividades, apenas os objetivos e questões estritamente ligadas à aprendizagem das idéias das ciências encontravam-se, sistematicamente, explicitadas. Algumas atividades propunham diretamente questões de natureza epistemológica, mas a maioria delas mantinha essas questões implícitas. O professor sempre iniciava as atividades fazendo a leitura do texto onde eram propostos os problemas a serem enfrentados e as investigações a serem realizadas. A compreensão dos estudantes em relação ao que devia ser realizado e o que estava sendo investigado em cada atividade demonstrou-se plenamente satisfatória, mas pode ter se mantido restrita, em alguns casos, ao foco no “aprender as idéias da ciência”, dado que não houve explicitação sistemática dos objetivos associados ao “aprender sobre ciências”.

Todas as atividades produzidas e utilizadas foram inspiradas na Metodologia de Modelização. Este é um termo derivado da expressão em inglês Model Based Teaching Learning que é discutida nos trabalhos de Clement (1989) e outros autores como Hestenes (1996), Arnold e Millar (1996), Raghavan e Glaser (1995). Além da minha convicção no valor pedagógico desta orientação para a educação em ciências, eu acreditava que ela também poderia facilitar a caracterização da ciência como uma atividade fundamentada na imaginação e na criatividade, elementos essenciais para aqueles que se dedicam à produção de modelos do mundo natural.

Diversas atividades traziam solicitações tais como Faça a experiência e tente explicar o que você observou ou (...) faça desenhos e esquemas para desenvolver seu raciocínio. Em algumas ocasiões, os estudantes recebiam como solicitação algo do tipo: Junto a seu grupo, crie uma teoria para tentar explicar como a luz branca que atinge o papel celofane pode produzir uma sombra azul sobre o chão10. Em outras atividades, ainda, os termos “modelo” e “teoria” foram atribuídos a idéias e explicações produzidas ao longo da história da ciência. Este é o caso das atividades que trataram do modelo de partículas concebido por Isaac Newton para explicar a reflexão, a refração e a dispersão da luz. Por fim, as atividades 16 e 17 apresentavam uma síntese dos conceitos de modelo e modelização utilizando-os para caracterizar a ciência como uma atividade criativa, imaginativa e conjectural.

Em geral, as atividades não propuseram diretamente discussões sobre os propósitos do trabalho científico. A única que colocou esta questão diretamente em pauta foi a atividade de abertura. Nela, afirmei que o estudo da luz e visão sempre foi um tema de interesse das ciências e pedi aos alunos para apresentarem sua opinião sobre as possíveis razões desse interesse, sobre os aspectos do problema que mais interessariam aos cientistas e sobre a possibilidade de haver questões acerca da luz e da visão que não seriam de interesse ou que não poderiam ser tratadas de forma científica. As respostas da maioria dos estudantes para esta questão foram vagas e a questão também não foi enfatizada na discussão coletiva da atividade conduzida pelo professor.

Apesar das atividades não terem investido em uma discussão aberta sobre os propósitos das ciências, acredito que o estímulo permanente para que os estudantes produzissem explicações ou modelos, e as oportunidades em que se discutiu o processo de produção de teorias e modelos nas ciências contribuíram para caracterizar a busca por explicar e compreender os fenômenos naturais como o propósito elementar das ciências. Entretanto, isso certamente não representou algo novo para os estudantes, já que eles demonstraram possuir, basicamente, essa imagem dos propósitos da ciência, como ficou demonstrado na entrevista inicial que realizei com eles e cujos resultados serão apresentados no capítulo IV.

10 Extraído da atividade 04.

Em relação à discussão sobre os propósitos das ciências é importante dizer que não houve investimentos consistentes para associar o objetivo elementar de explicar e compreender os fenômenos naturais a outros propósitos e metas que podem ser atribuídas às ciências quando se aprofunda a reflexão acerca das relações entre ciência, tecnologia e sociedade.

No que diz respeito à reflexão sobre as relações ciência-tecnologia-sociedade, a atividade 11 suscitou um pequeno movimento, ainda que bastante incipiente. Esta atividade pretendia promover uma discussão sobre os problemas éticos associados à pesquisa científica. Mais especificamente, ela levantava questões sobre os problemas decorrentes do uso de animais como cobaias e sobre a legitimidade da intervenção da sociedade no processo de produção do conhecimento científico.

Os alunos não se envolveram muito com essa atividade durante a discussão coletiva conduzida pelo professor. Além disso, a discussão fugiu ao que estava previsto no roteiro e se limitou a alguns aspectos éticos da pesquisa sobre a clonagem, tema não mencionado na atividade, mas muito discutido pela mídia da época. Nas respostas que os estudantes produziram por escrito sobre as questões originais do roteiro, notei uma grande variação no modo de compreender o tipo de reflexão solicitada pela atividade e uma opinião majoritária, mas não unânime, sobre a necessidade de controle social do processo de produção do conhecimento científico.

Também relacionada à discussão sobre os propósitos das ciências, a atividade 05 foi concebida com o objetivo de caracterizar a ciência como um empreendimento social. Esta discussão foi promovida através de leituras que narraram um pouco da história dos estudos sobre a luz e, particularmente, do estudo das cores e da dispersão da luz branca no arco-íris. A discussão gerada a partir destas leituras foi bastante rica e proveitosa e está registrada em vídeo à espera de uma análise mais cuidadosa de minha parte. Um artigo com a análise desta atividade está em gestação, mas seu conteúdo não foi incluído nesta tese. Os filtros que eu utilizei para definir quais seriam os dados produzidos na pesquisa a serem apresentados nesta tese são o tema da próxima seção deste capítulo, denominada Estratégias de Análise e Validação dos Dados.

De todas as 17 atividades utilizadas, apenas as atividades 05 e 11 faziam referência explícita à história da ciência. Mas, o modo como eu concebo as estratégias de tratamento de questões epistemológicas em sala de aula não se limita a referências explícitas à história da ciência. A maneira mais comum de interpretar o eixo epistemológico do currículo defendido por Ogborn (1988), subsumido à questão “Como sabemos o que sabemos?”, está ligada ao uso de relatos da história das ciências, como foi feito nas atividades 05 e 11. Mas, eu também associo o eixo epistemológico do currículo proposto por Ogborn (ibidem) à pergunta “por que acreditamos no que acreditamos?”. É essa segunda pergunta que inspirou todas as atividades que concebi. Tais atividades apresentaram modelos e teorias construídos pelas ciências, solicitaram aos estudantes que participassem da produção de modelos e explicações, e procuraram discutir criticamente a relação entre modelos, teorias e as evidências que os sustentam.

Uma atividade que se diferenciou das outras em termos do tipo de abordagem epistemológica da relação teoria e evidência foi a atividade de número 07. Essa atividade foi estruturada a partir de uma questão inspirada na dissensão entre Robert Hooke e Isaac Newton acerca de qual é a origem das cores que surgem quando a luz branca atravessa o arco-íris. Tal dissensão havia sido mencionada no texto da atividade 05 e foi apresentada como um dos elementos da disputa entre as teorias destes grandes e renomados cientistas. Outro elemento da disputa mencionado no texto dizia respeito às diferentes concepções sobre a natureza da luz. Enquanto Hooke e Huygens afirmavam que a luz era constituída por ondas, a teoria de Newton estruturava-se a partir da idéia de que a luz era constituída por minúsculas partículas.

O texto estudado na atividade 05 havia sido concluído com a afirmação de que não era possível à época escolher entre as interpretações corpuscular e ondulatória da natureza da luz, visto que tanto a teoria de Newton, quanto a teoria de Huygens permitiam explicar satisfatoriamente grande parte dos fenômenos luminosos conhecidos. A atividade 07, denominada Misturas de Luzes Coloridas, estabelecia um cenário diferente e propunha a superioridade das idéias de Newton acerca da decomposição da luz branca sobre o ponto de vista apresentado por Hooke. Alguns experimentos foram realizados e discutidos para afirmar tal superioridade. Esses experimentos apresentam resultados inconsistentes com a idéia de Hooke, de que é o prisma que “acrescenta”

as cores à luz branca. Essa idéia, por sinal, fazia parte dos conhecimentos prévios da maioria dos estudantes.

A leitura que se segue aos experimentos desta atividade levanta uma questão também derivada dos resultados dos experimentos, mas que não pode ser respondida através deles. A intenção dessa leitura era a de atribuir um papel ambíguo ao processo de experimentação nas ciências naturais: ao mesmo tempo em que os experimentos podem ser conclusivos, no que diz respeito à questão inicial a partir da qual eles foram formulados, eles também podem suscitar novas questões que ficam sem respostas. Em outras palavras, a idéia era afirmar que os experimentos científicos produzem, muitas vezes, um misto de conhecimento e ignorância. O texto síntese da atividade utilizava esta condição ambígua e contraditória dos experimentos científicos para afirmar que “ciência é devir” sem, todavia, utilizar esta expressão. Nas palavras do texto: as ciências vivem um interminável ciclo constituído por perguntas respostas conhecimento

ignorância novas perguntas novas respostas nova ignorância.

Na continuidade da leitura, a afirmação contida na citação anterior é utilizada para se distinguir dois tipos de fontes de onde surgem as questões que interessam aos cientistas: (a) uma externa e que tem origem em necessidades sociais e culturais que marcam um determinado tempo histórico; (b) outra interna e que tem origem nas próprias investigações da ciência, quando novos conhecimentos são acompanhados por um novo sentimento de ignorância. O texto, então, é encerrado com a apresentação de informações sobre a questão que havia sido levantada e não respondida pelos experimentos realizados na atividade. Estas informações, por sua vez, apontam para a convergência de várias áreas da ciência. Tal convergência, ainda de acordo com o texto, permitiria o tratamento de questões que extrapolam o escopo de uma única área de investigação cientifica.

Comentarei agora as atividades concebidas para avaliar a aprendizagem dos estudantes em relação às idéias produzidas pelas ciências para interpretar os fenômenos luminosos. A concepção de atividades de avaliação deste tipo fazia parte do meu entendimento de que na educação em ciências não se pode pretender promover a aprendizagem sobre as ciências descolada da aprendizagem das idéias das ciências.

Além da prova final concebida pelo professor, duas outras atividades importantes de avaliação ocorreram no final da etapa. A primeira era o pós-teste que retomou as situações e questões propostas na atividade de abertura. A segunda oferecia aos estudantes quatro diferentes modelos de luz e visão para serem avaliados e confrontados, de modo a se identificar o modelo mais adequado às evidências e fatos que haviam sido construídos ao longo do trimestre letivo.

Nesta última atividade, após escolher um determinado modelo, os alunos eram solicitados a argumentar a seu favor e, ao mesmo tempo, argumentar contra os modelos preteridos. Esta avaliação foi realizada antes que o “modelo científico” - unanimemente escolhido pelos alunos como mais adequado - houvesse sido discutido em sala de aula e formalizado pelo professor. Assim, a atividade nos deu garantias suficientes de que os alunos haviam conseguido alcançar o que a ciência escolar geralmente estipula como compreensão do modelo de luz e visão. Nesse modelo, a luz é entendida como uma entidade que se propaga em linha reta em meios homogêneos, desde o lugar em que é produzida, até os objetos nos quais é parcialmente refletida. Ao ser refletida, a luz, então, dirige-se aos olhos de quem fita os objetos e estimula suas retinas, que enviam os impulsos nervosos até o cérebro dos observadores onde, finalmente, produz-se a sensação visual.

A eficácia dessa atividade de avaliação se contrapôs à relativa ineficácia da atividade de pós-teste que pretendia propiciar aos alunos, ao professor e ao pesquisador, a oportunidade de confrontar o entendimento que eles haviam logrado alcançar sobre o tema luz e visão com seus conhecimentos prévios expressos no pré-teste. É possível que as questões propostas no pós-teste tenham sido consideradas um tanto vagas pelos estudantes, de modo que a comparação entre pré-teste e pós- teste não foi muito produtiva.

Na prova realizada no final da etapa, os alunos foram solicitados a fornecer explicações, justificativas, argumentos e a apresentar evidências que sustentassem suas respostas e afirmações. Em alguns casos, as questões orientavam os estudantes a fazer uso de desenhos e diagramas para produzir respostas e justificativas. Essas eram, exatamente, as mesmas orientações encontradas em todas as atividades, mas o desempenho dos estudantes, em geral, não foi satisfatório. Alguns deles demonstraram-se frustrados com isso.

Apenas uma dentre as oito questões desta prova abordou uma situação que não havia sido discutida em sala de aula. Ela solicitava a interpretação dos resultados de uma experiência envolvendo a absorção de luz por plantas verdes dentro e fora de garrafas verdes ou transparentes. A questão produziu uma grande gama de diferentes respostas com idéias e “teorias” diferentes para explicar os mesmos resultados. Essa diversidade poderia ter oferecido um material bem rico para suscitar reflexões de natureza epistemológica. Exemplos de algumas discussões que poderiam ter sido realizadas com os estudantes são: Afinal, como um mesmo fenômeno pode ser explicado por “teorias” diferentes? Como escolher uma dentre estas diversas “teorias”?

Apesar de interessantes, essas questões não foram exploradas. O segundo trimestre havia chegado ao final. Outros conteúdos precisavam ser trabalhados e eu havia chegado ao final de minha estadia. Minha intenção em mencionar discussões que não foram realizadas, mas poderiam ter sido utilizadas para provocar reflexões sobre a natureza do processo de produção do conhecimento é a de mostrar que há realmente um conjunto diversificado de alternativas e ocasiões que podem ser criadas e aproveitadas por um professor adequadamente preparado e especificamente interessado em promover reflexões desta espécie.