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Capítulo III- A natureza das ciências

III.2- Múltiplas estratégias

Na introdução deste capítulo utilizei o diagrama III.1-A para sumarizar a concepção da natureza das ciências defendida nesta tese. Nesta seção, e nas seguintes, reproduzirei esse diagrama modificando-o para dar destaque à dimensão da atividade científica que estiver diretamente em discussão. AS CIÊNCIAS PRESSUPÕEM Empreendi- mento Coletivo Argumento e Persuasão Imaginação e Modelização Provisoriedade e Devir Autoridade, Reificação e Fatos Múltiplas Linguagens Múltiplas Estratégias Coordenação entre Teorias e Evidências Diagrama III.2

Assim, tanto o diagrama III.2 acima, quanto diagramas semelhantes encontrados na abertura de todas as seções seguintes, assinalam qual é a “porta de entrada” que estaremos utilizando, em cada momento, para desenvolver nosso esforço de caracterização da atividade científica.

Esse recurso tem como objetivo mostrar que a necessidade didática de predicar separadamente sobre cada dimensão não deve nos levar a esquecer que, a rigor, não é possível compreender as ciências sem levar em consideração todas as suas dimensões.

A afirmação de que as ciências pressupõem múltiplas estratégias assinala minha preocupação em destacar a enorme extensão de objetos de estudo e interesses das ciências, bem como as diversas formas de organização das comunidades de especialistas. É uma visão que se opõe à visão

simplista e equivocada que, infelizmente, ainda se faz notar em textos didáticos e nas práticas de alguns professores. A crítica a essa visão ingênua e sua presença na educação em ciências já foi realizada a contento por autores Hodson (1988), Millar e Driver (1987), Gil-Perez (1993 e 1996) e Millar (1991) e, portanto, não irei reproduzi-la aqui.

Os autores citados discutem os equívocos dos grandes projetos de ensino das décadas de 60 e 70 que pretendiam ensinar o que se supunha constituir os “processos da ciência” e investir no desenvolvimento de habilidades de observação e experimentação, necessários à realização desses “processos”. Grosso modo, os “processos da ciência” foram reduzidos ao uso de um método algorítmico, supostamente, utilizado na investigação científica. Segundo Ryder (2002) o problema da maioria das análises sobre o ensino sobre as ciências em sala de aula é sua aparente ignorância em relação à enorme variedade de características da atividade científica.

As ciências constituem formas de cultura e empreendimentos sociais bastante específicos. Envolvem também intensa atividade teórica e cognitiva. Por essa razão, pode-se caracterizar cada uma das dimensões da atividade científica representada no diagrama III.1 a partir das contribuições da epistemologia, sociologia e da psicologia cognitiva.

Aplicando-se essa perspectiva à questão das múltiplas estratégias das ciências, pode-se falar em três conjuntos diferentes de estratégias: 1o- estratégias cognitivas de coordenação entre teorias e evidências; 2o- estratégias destinadas à produção e à transmissão das culturas especializadas que compõem as ciências; 3o- estratégias políticas ligadas ao gerenciamento e à manutenção das atividades das comunidades de especialistas. Até o final desta seção, eu farei um esforço para sugerir como a interferência mútua entre essas estratégias pode ocorrer, o que irá me ajudar a definir um pouco melhor cada uma delas.

As estratégias políticas são necessárias, pois, as ciências pressupõem empreendimentos coletivos. Todo cientista precisa lançar mão de estratégias políticas quando age em defesa de um grupo restrito de colaboradores. Mas, há que se lembrar, ainda, do papel político das sociedades de cientistas, onde se faz a defesa dos interesses coletivos ou de grupos maiores, frente à sociedade em geral ou outras comunidades. Por exemplo, pode-se mencionar a defesa de financiamento para determinadas áreas ou linhas de pesquisa. Desse modo, os cientistas se organizam como

fazem outros segmentos da sociedade que também constituem clubes, associações, entidades sindicais e grupos de pressão. As ações das associações de cientistas podem ser regionais, nacionais ou internacionais. Historicamente, elas têm sido determinantes nos rumos da atividade científica.

Em síntese, há estratégias políticas relacionadas à captação e ao gerenciamento de recursos para a pesquisa, à prestação de contas, às fontes de financiamento, à coordenação do trabalho dos membros das equipes de pesquisa, à transmissão das culturas especializadas a novas gerações de pesquisadores e, finalmente, à publicação dos resultados das pesquisas que pressupõem o recurso a técnicas de argumentação e disputas entre grupos de pesquisadores rivais. A consideração de algumas dessas estratégias é o objeto da etnografia das ciências (LATOUR e WOOLGAR, 1997; LATOUR, 2000) ou de trabalhos com enfoque na sociologia das ciências (ZIMAN, 1979, 1981 e 1996). Além desses trabalhos, em Kuhn (1979 e 1998) ou em Giere (1988), encontramos boas contribuições sobre as políticas destinadas à transmissão da cultura científica a novas gerações de pesquisadores.

As estratégias cognitivas destinadas à coordenação entre teorias e evidências constituem o conjunto de estratégias que distinguem as ciências de outros empreendimentos coletivos humanos. Tais estratégias compõem um amplo espectro de metodologias e desautorizam qualquer tentativa de caracterizar as ciências a partir de algum “método científico” de caráter algorítmico. Em geral, o que limita o amplo espectro de estratégias destinadas à coordenação entre teorias e evidências é o desenvolvimento teórico e tecnológico do campo de pesquisa, bem como a natureza dos próprios objetos de estudo.

Em ciências médicas, a enorme complexidade dos processos, bem como o desconhecimento de quais são os fatores relevantes e de como eles se inter-relacionam, condicionam os investigadores ao uso de correlações e métodos estatísticos, o que produz explicações limitadas do ponto de vista causal e prognósticos muitas vezes imprecisos. As limitações associadas à natureza dos objetos de estudo também envolvem, neste caso, questões éticas tais como a proibição de utilizar seres humanos em determinados tipos de testes. Mais do que em outras áreas, as comissões de

ética na pesquisa têm nas ciências médicas um papel fundamental na determinação de quais metodologias de pesquisa são aceitáveis11.

A separação entre estratégias políticas e de poder, por um lado, e metodologias destinadas a coordenar teorias e evidências de outro, é menos nítida do que se pode pensar, à primeira vista. Assim como questões de natureza ética interagem com questões de natureza metodológica nas ciências médicas, aquilo que chamei genericamente de estratégias políticas também têm grandes implicações nas metodologias stritu sensu, bem como na própria definição dos objetos da pesquisa.

Para estabelecer essa relação vou recuperar os conceitos de heurística positiva e negativa definidos por Lakatos (1979). Esses dois tipos de heurística são diretrizes orientadas para finalidades diferentes. Enquanto a heurística positiva encaminha os pesquisadores na escolha de objetos de estudo e metodologias que têm as maiores chances de promover o avanço e a expansão dos programas de pesquisa nos quais eles estão envolvidos, a heurística negativa os orienta no sentido de evitar os caminhos de pesquisa que expõem possíveis fragilidades desses programas, para que as idéias centrais articuladoras das teorias usadas nas pesquisas não sejam expostas prematuramente a fracassos que poderiam evidenciar suas limitações ou inconsistências. Nas palavras do próprio Lakatos (ibidem, p. 165):

A heurística negativa especifica o ‘núcleo’ do programa, que é ‘irrefutável’ por decisão metodológica dos seus protagonistas; a heurística positiva consiste num conjunto parcialmente articulado de sugestões ou palpites sobre como mudar e desenvolver as ‘variantes refutáveis’ do programa de pesquisa e sobre como modificar e sofisticar o cinto de proteção ‘refutável’. A heurística positiva do programa impede que o cientista se confunda no oceano de anomalias. A heurística positiva apresenta um programa que inclui uma cadeia de modelos, cada vez mais complicados, que simulam a realidade: a atenção do cientista focaliza-se na construção dos modelos de acordo com as instruções que figuram na parte positiva do programa. Ele ignora os contra-exemplos reais, os ‘dados disponíveis’. Quando um cientista tem uma heurística positiva, recusa-se a ser atraído para a observação.

11 No caso das pesquisas em áreas médicas, há uma diretriz de ética na pesquisa que estabelece a necessidade de que os resultados de uma dada pesquisa venham a ser submetidos, inicialmente, ao crivo da avaliação e da crítica da comunidade especializada, antes de serem tornados públicos.

Deita-se em seu sofá, fecha os olhos e esquece-se dos dados. Ocasionalmente, é claro, ele fará à natureza uma pergunta ladina e sentir-se-á animado pelo SIM, mas não se sentirá desanimado pelo NÃO.

Pois bem, as estratégias de heurística positiva e negativa são também usadas como estratégias de poder, isto é, como estratégias para afastar do campo científico as questões que tendem a gerar anomalias para um programa de pesquisa em especial, fazendo com que ele “degenere”. Assim, considera-se excluído do campo científico os problemas para os quais a(s) teoria(s) vigentes - ou aquelas que um determinado grupo deseja promover - não apresentam respostas e nem sequer perspectivas de investigação. A exclusão do estudo da consciência do campo científico, que foi efetuada pela psicologia behaviorista (NELSON, 1998), é um exemplo da aplicação deste tipo de “estratégia de poder”, associada ao que Lakatos chamou de heurísticas positiva e negativa. A associação do termo estratégia de poder ao conceito de heurística é certamente algo que desagradaria ao próprio Lakatos, que não poupou esforços para questionar a legitimidade da utilização da sociologia das ciências para a análise da atividade científica. Apesar disso, considero tal associação completamente adequada, na medida em que é difícil imaginar como estratégias heurísticas poderiam não influenciar o esforço político desprendido por defensores de teorias rivais ao descaracterizar o trabalho de seus oponentes de modo a evitar que esses mesmos trabalhos coloquem em cheque a validade daquilo que eles estão, a duras penas, desenvolvendo. Vejamos agora a relação que proponho existir entre as estratégias de coordenação entre teorias e evidências e as estratégias destinadas à transmissão da cultura originada desta coordenação a novas gerações de pesquisadores. Pode-se questionar a existência de uma reflexão específica ou de uma pedagogia reflexiva que oriente esse processo de transmissão. Todavia não se pode duvidar de que há uma prática pedagógica constituída para esse fim.

No trabalho de Kuhn (1998) encontramos notáveis contribuições para compreender as bases dessa prática pedagógica, que eu identifico como tendo sido aquela que eu mesmo experimentei na condição de estudante de graduação do curso de física. Trata-se da atividade orientada para a resolução de problemas exemplares. Os problemas exemplares são os exemplos de sucesso das teorias de que os estudantes devem se apropriar para pertencer à comunidade de especialistas na

qual pretendem ingressar. A este respeito, Giere (1988) afirma que a própria organização dos livros-texto de Física é baseada nos problemas exemplares de cada tópico.

A aprendizagem através da resolução de problemas exemplares apresenta aspectos de natureza tácita. Não há, exatamente, uma explicitação de quais abstrações e generalizações são orientadas pela teoria. Nem todo o processo é consciente. Aprende-se a fazer fazendo e o sucesso dos estudantes na resolução dos problemas exemplares é indício de seu futuro sucesso na solução de enigmas ou quebra-cabeças autênticos. Tal solução conduz ao ajustamento da teoria ao mundo natural. De acordo com Kuhn (ibidem), essa é a atividade que caracteriza boa parte do trabalho dos cientistas envolvidos com uma “ciência madura”, onde podem ser encontradas teorias assumidas de modo consensual pela ampla maioria dos cientistas.

Para Thomas Kuhn, é a resolução de “problemas exemplares” que permite a apropriação da linguagem da teoria e do conhecimento da natureza imerso nessa linguagem. Como resultado, os conceitos que constituem as teorias tornam-se mediações intrínsecas aos processos de observação, descrição e interpretação dos fenômenos naturais. Em outras palavras, aprende-se a observar, descrever e interpretar o mundo natural com as “lentes da teoria”.

A metáfora da teoria como lente é oportuna porque é a teoria que orienta a escolha daquilo em que se deve “prestar atenção” e aquilo que pode ser ignorado, assim como a escolha dos parâmetros específicos que permitem identificar o que muda e o que permanece nos processos de transformação que constituem os objetos de estudo definidos pela própria teoria.

Além da resolução de problemas, a formação de novos cientistas envolve a aprendizagem de técnicas ou métodos de investigação. Tanto os métodos de investigação que são usados nas ciências, quanto os conhecimentos que eles ajudam a produzir, estão sob constante avaliação, sendo alterados ou aperfeiçoados conforme sejam identificadas suas limitações e inadequações a novos objetos de estudo. Além disso, novas possibilidades metodológicas são proporcionadas pelo desenvolvimento das teorias ou pelo acesso a novas tecnologias.

Em algumas ciências, tais como a astronomia e a astrofísica, não se tem acesso à experimentação e nem mesmo à observação controlada. Neste caso, recorre-se à construção de aparelhos destinados a fazer medições de um grande número de grandezas que vão desde a mera posição

das estrelas até os diversos tipos de radiação que supomos que elas emitem na direção da Terra. Nem é preciso dizer que os tais aparelhos e procedimentos de medida encontram-se prenhes de teorias, gerando, por conseguinte, medições e observações totalmente dependentes dos conceitos e modelos a partir dos quais eles foram criados. No caso específico da astrofísica, as radiações provenientes de astros, que se supõe distantes, retratam eventos que teoricamente ocorreram em épocas passadas12, mas que são observados agora devido ao longo intervalo de tempo através do qual tais radiações viajaram até atingir a Terra.

As ciências nas quais a experimentação é possível, como a física, por exemplo, dão origem a fenômenos artificiais que, a princípio, existem apenas no interior do laboratório. Ainda assim, os fenômenos artificiais produzidos em ambientes controlados são utilizados como modelos de fenômenos naturais, mais complexos, e menos susceptíveis ao controle.

Ao traçar um histórico da influência das tradições matemática e experimental nas ciências físicas, Kuhn (1977) descreve diversas funções atribuídas à experimentação em diferentes tradições ao longo da história. Enquanto na tradição medieval os experimentos eram muitas vezes utilizados como meios de demonstração ou convencimento de uma audiência em relação a algo que o experimentador já sabia, a tradição originada a partir das postulações de Francis Bacon inaugura uma nova perspectiva que seria, alguns séculos mais tarde, aperfeiçoada e fundida com a tradição matemática das ciências clássicas, tais como a astronomia. Dessa fusão teria surgido a experimentação que caracteriza as ciências contemporâneas. Acerca da tradição baconiana, Kuhn (ibidem) nos diz que:

(Quando) homens como Gilbert, Boyle e Hooke, realizavam experiências, raramente pretendiam demonstrar o que já era conhecido ou determinar um pormenor exigido para o alargamento das teorias existentes. Desejavam, antes, ver como é que a

12 Não uso aqui expressões como “se supõe que” ou “eventos que teoricamente ocorreram” para levantar suspeita sobre a física e a astrofísica atuais, mas apenas para acentuar o caráter eminentemente teórico do conhecimento que essas ciências produzem acerca do mundo natural. O valor do conhecimento depende do mérito das teorias sobre os quais ele está embasado e não do fato dele ser em maior ou menor “grau” dependente de teorias ou estar baseado em observações mais ou menos “fidedignas”. Sob o ponto de vista das epistemologias pós-positivas, cujas contribuições eu espero sintetizar neste capítulo, o conhecimento teórico é o único possível. Mesmo o conhecimento normalmente chamado de empírico é construído a partir de teorias.

natureza poderia se comportar em circunstâncias previamente não observadas, muitas vezes antes não existentes (KUHN, 1977, p. 76).

(...) os homens que colocavam cereais, peixes, ratinhos e vários elementos químicos

sucessivamente no vácuo parcial de um barômetro ou de uma bomba de ar exibiam

justamente este aspecto da nova tradição (KUHN, 1977, p. 77).

A função do experimento para “produzir novidades” e “realidades artificiais” - que é inaugurada pela tradição baconiana - leva a uma perspectiva nova, mas ainda limitada. Tal limitação origina- se da ausência de teorias consistentes, formais e explícitas que orientem a experimentação. Essa característica das “ciências baconianas”, também é apontada por Bachelard (1996) que nos dá inúmeros exemplos de fragilidades ou obstáculos epistemológicos dela decorrentes.

Para caracterizar a experimentação nas ciências atuais, Bachelard (1991, 1993 e 1996) criou o conceito de fenomenotécnica. Esse termo indica o processo mediante o qual as teorias guiam a concepção de instrumentos e aparatos experimentais para expandir o real ou produzir novas realidades. De acordo com Gaston Bachelard, a fenomenotécnica prolonga a fenomenologia, de modo que:

O instrumento de medida acaba sendo uma teoria, e é preciso compreender que o microscópio é um prolongamento mais do espírito do que do olho (BACHELARD, 1996, p. 297).

Pode-se evocar um longo período em que o instrumento precede a sua teoria. O mesmo não acontece atualmente, nos domínios verdadeiramente ativos da ciência, em que a teoria precede o instrumento, de forma que o instrumento de física é uma teoria realizada, concretizada, de essência racional (BACHELARD, 1991, p. 25).

Baseando-me em Piaget (1985) posso concluir que esse longo processo que levou a experimentação científica a realizar uma busca sistemática pela produção de novidades e pela expansão do real em direção a novos possíveis, tem um correlato no desenvolvimento cognitivo de cada indivíduo. De acordo com Piaget (ibidem, p. 07), a formação dos possíveis e sua expansão durante o desenvolvimento cognitivo de cada sujeito constitui um dos melhores argumentos contra a concepção empirista da ciência e do processo de conhecimento:

Com efeito, o possível não é algo observável, mas o produto de uma construção do sujeito, em interação com as propriedades do objeto, mas inserindo-as em interpretações devidas às atividades do sujeito, atividades essas que determinam,

simultaneamente, a abertura de possíveis cada vez mais numerosos, cujas interpretações são cada vez mais ricas. Por conseguinte, existe aí um processo formador bem diverso do invocado pelo empirismo que reduz o conhecimento a uma simples leitura (da realidade).

De acordo com o que nos ensina Jean Piaget, o que limita, inicialmente, a formação de novos possíveis na mente da criança é a indiferenciação inicial entre o real, o possível e o necessário. Desse modo, o sujeito restringe o possível ao que ele concebe como real. Isso exclui a possibilidade de variações e mudanças, ou em outras palavras, limita o universo dos possíveis. No caso da experimentação, isso limitaria seu papel àquele que Thomas Kuhn atribui à tradição medieval, isto é, a experimentação se restringiria à comprovação daquilo que o sujeito concebe como real, não havendo nela nenhuma busca ou abertura para novidades.

Do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, ainda na perspectiva piagetiana, tanto o possível, quanto o necessário são produtos das atividades do sujeito e se modificam em decorrência de sua atividade sobre o mundo. O possível é relativo às inferências do sujeito e se expande devido a processos de diferenciação, enquanto o necessário é dependente dos modelos que o sujeito constrói dedutivamente e depende de processos de integração. As necessidades evoluem quando o sujeito percebe fatos gerais que sugerem a existência de leis e postula mecanismos subjacentes aos diferentes processos reunidos sob uma dada generalização.

A respeito das necessidades lógicas, Piaget (1986, p. 122) nos diz que: É preciso, pois caracterizar a necessidade de p, não somente pela impossibilidade de não-p, pois novas possibilidades podem surgir sempre. Dito em outras palavras, podemos concluir que uma generalização do tipo “todos os cisnes são brancos” – apresentada por Chalmers (1994) quando ele discute as limitações da epistemologia empirista-indutivista – não contém uma necessidade lógica, visto que em um determinado dia, alguém que jamais observou um cisne negro pode chegar a fazê-lo. A generalização “todos os cisnes são brancos” só será, portanto, entendida como necessária, caso um modelo dedutivo indique algum vínculo necessário ou lógico entre o fato de ser cisne e a característica de apresentar penas de cor branca.

O termo necessidade lógica é oportuno nesses casos porque a “postulação de p” e a “negação de não-p” implicam no uso de princípios lógicos, como o princípio da contradição. Voltando ao

exemplo dos cisnes, o modelo dedutivo destinado a provar a necessidade de que todos os cisnes sejam efetivamente brancos deve mostrar que a cor negra ou outra cor qualquer contradiz nossa definição do conjunto de características que deve ter um animal para ser denominado como um cisne.

As necessidades lógicas são instrumentos imprescindíveis ao pensamento teórico porque sem elas