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Estratégias de análise e validação dos dados

Capítulo II- Metodologia e características do ambiente de aprendizagem

II.5- Estratégias de análise e validação dos dados

A pesquisa relatada nesta tese se insere no quadro geral das pesquisas de cunho qualitativo e interpretativo, bem como propõe questões cujas respostas devem ser construídas no espaço multidimensional e extremamente complexo da sala de aula. Atualmente, dispomos de uma literatura bastante consistente que tem abordado o problema da validade das conclusões propostas por pesquisas qualitativas. Em linhas gerais, essa literatura concentra seus esforços na definição de um determinado conjunto de cuidados metodológicos essenciais (ALTHEIDE e JOHNSON, 1994; BECKER, 1993; COHEN e MANION, 1980; ERICKSON, 1995; GUBA, 1978; LECOMPTE e GOETZ, 1982; RIST, 1977).

No desenvolvimento da pesquisa procurei estar bastante atento às recomendações encontradas nesta bibliografia e tenho a intenção de que o conjunto dos dados e discussões apresentados nesta tese seja avaliado sob a luz dos cuidados que tal bibliografia preconiza.

Mesmo tendo privilegiado as transcrições das entrevistas inicial e final, o fato de eu dispor do registro da experiência conduzida em sala de aula, me permitiu superar as limitações das pesquisas baseadas no uso exclusivo de questionários e entrevistas. Meyling (1997, p. 397) aponta algumas dessas limitações ao nos dizer que:

As hipóteses seguintes formuladas sobre as concepções dos estudantes estão limitadas pela base empírica: eu investiguei as crenças epistemológicas dos estudantes baseando-me em afirmações verbais e resultados de testes, mas não em sua atividade prática no laboratório. Eu tenho razões para acreditar que existem, às vezes, grandes diferenças entre afirmações verbais e a atividade prática, por exemplo, na alternativa dedução e indução.

Uma pesquisa completamente dependente de dados construídos através de entrevistas me impediria de predicar sobre os desafios que se interpõem à meta de promover a evolução das imagens dos estudantes sobre a natureza das ciências. Farei isso no capítulo de conclusão, pois, acredito que sem predicar sobre essa questão seria difícil propor mudanças no currículo de ciências naturais da educação básica para que as disciplinas que compõem essa área do conhecimento escolar venham a se tornar um instrumento para a compreensão da atividade científica.

As fitas de áudio e vídeo que registraram a experiência conduzida em sala de aula, bem como as fitas de áudio com o registro da entrevista inicial com os estudantes e da entrevista final feita com os mesmos estudantes e com o professor, geraram uma quantidade muito grande de material empírico. Trabalhando sozinho, o tratamento de todo esse material se tornou um grande desafio. A riqueza do material tornou-se um elemento de dispersão, mas a assistência de meu orientador ajudou-me a manter o foco sobre as questões originais de meu projeto de pesquisa. A atenção seletiva a essas questões constituiu um poderoso filtro que me permitiu superar a tendência à dispersão.

Eu transcrevi tanto a entrevista inicial com os estudantes, quanto as entrevistas finais com os estudantes e com o professor. Essas transcrições foram lidas por diversas vezes até que a emergência de categorias de análise me permitisse construir os dados que eu exponho nos capítulos IV e V. Além das transcrições das entrevistas, a experiência conduzida em sala de aula me permitiu obter mais de 30 horas de gravação em vídeo. Todas as fitas de vídeo foram assistidas e eu produzi relatórios bastante gerais sobre seu conteúdo e algumas anotações sobre algumas passagens que eu considerei particularmente interessantes.

Os dados gerados na análise das fitas não serão citados no corpo desta tese. As entrevistas inicial e final constituíram a base do processo de análise. Mas, a análise dessas entrevistas me levou a refletir sobre momentos específicos dentro da enorme massa de material obtido com as gravações em vídeo e as respostas dadas pelos estudantes às atividades no material reunido nos portifólios. Juntos, esses materiais permitiram caracterizar as imagens dos estudantes sobre a natureza das ciências e encontrar evidências de evoluções dessas imagens no período de um ano e meio que separou as entrevistas inicial e final.

As estratégias de triangulação de dados que utilizei podem ser denominadas como triangulação no tempo, triangulação teórica e triangulação metodológica (COHEN e MANION, 1980). A triangulação no tempo exige uma extensão no tempo dedicado ao trabalho de campo e reflete a tentativa de identificar e analisar fatores que mudam e fatores que permanecem nos processos investigados. É o tipo de triangulação que justifica minha escolha por realizar as entrevistas inicial e final distanciadas por um período de um ano e meio, bem como minha preocupação em obter dados com o professor da turma e com os próprios estudantes sobre o período em que eu estive distante.

A triangulação teórica reflete o esforço em coordenar diferentes referenciais teóricos. No caso do trabalho aqui relatado, esse tipo de triangulação produziu um esforço em coordenar contribuições da epistemologia, da pesquisa em educação e da psicologia da aprendizagem, na tentativa de lidar com a complexidade e a multidimensionalidade do objeto de estudo definido em meu projeto de pesquisa.

A triangulação metodológica, por sua vez, reflete a tentativa de utilização de diferentes métodos em um mesmo objeto de estudo. Esse último tipo de triangulação está representado em meu trabalho pela diversidade de instrumentos de pesquisa e dos registros dos quais pude lançar mão no momento de construir os dados.

Considerei impraticável utilizar os outros dois tipos de triangulação descritos por Cohen e Manion (ibidem). Esse é o caso da triangulação espacial que, segundo os autores, reflete a tentativa de superar o paroquialismo dos estudos que são conduzidos dentro de uma mesma subcultura. Aplicado a minha pesquisa, esse tipo de triangulação exigiria a condução de investigações em diferentes salas de aula e em diferentes escolas, um cuidado essencial para minimizar influências fortemente associadas a possíveis especificidades da escola e do grupo de alunos que eu pesquisei. Embora seja totalmente pertinente ao objeto da pesquisa, eu não dispunha de recursos e de disponibilidade para adotar esse tipo de triangulação.

Toda pesquisa é feita a partir de escolhas que levam em consideração as condições concretas de sua realização. Em meu caso, as condições concretas, associadas ao desejo de viver com mais intensidade uma experiência que eu nunca tinha vivido, determinaram a escolha por um desenho metodológico que apontou para uma verticalização e um aprofundamento da análise dos dados, mesmo que tal análise permanecesse limitada a um contexto “paroquial”. Isso, obviamente, impõe cuidados à elaboração das conclusões e à publicação dos resultados da pesquisa, e eu procurei manter-me fiel a esses cuidados.

O outro tipo de triangulação proposto por Cohen e Manion (ibidem) foi considerado impraticável por razões bem distintas. Trata-se da triangulação entre pesquisadores, na qual dois ou mais investigadores estão engajados em uma mesma pesquisa. Nesse caso, o problema é a inadequação deste tipo de triangulação a uma pesquisa inserida em um processo de formação, que tem como um resultado possível, a concessão do título de doutor ao seu principal responsável. Essa restrição, todavia, não afasta de minha pesquisa “o olhar do outro”.

Como se percebe pela análise do problema e das questões de pesquisa, o professor não é o sujeito da pesquisa. Os sujeitos da pesquisa são os estudantes e o foco da pesquisa recai sobre o próprio processo de ensino-aprendizagem em que eles, eu e o professor estivemos inseridos. Isso coloca o

professor na condição de um interlocutor privilegiado. Além do professor, pude contar, obviamente com as inestimáveis contribuições de meu orientador e de alguns outros interlocutores que assistiram ou leram alguns artigos que produzi durante o processo de redação da tese. Sendo assim, embora não tenha havido efetivamente uma “triangulação entre pesquisadores”, o “olhar do outro” é um elemento inequivocamente presente em meu trabalho.