• Nenhum resultado encontrado

TÍTULO / NOMEAÇÃO QUANTIDADE DE FÓLIOS

3.1.1 Descrições extrínseca e intrínseca

Os sermões São Sebastião, Nossa Senhora de Montserrat, Paixão, Sermão de Misericórdia, Sobre o Escândalo e Sobre a Maledicência encontram-se no Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia, acondicionados em uma caixa de papelão – cujo formato assemelha-se ao de um livro –, preparada especialmente para este fim. Esse minucioso cuidado no

acondicionamento dos manuscritos corrobora o histórico compromisso beneditino com a preservação e divulgação de livros e manuscritos.

A caixa é formada por quatro abas coladas numa “base”. A área externa da caixa é forrada com percalina verde e a interna com papel de alta gramatura de cor roxa e um pedaço de papel preto. A primeira aba equivale à “capa” e à “lombada” e tem formato quadrangular. A “capa” mede 226mm X 179mm: no lado externo esquerdo há uma tira de couro de porco de 21mm X 226mm que corresponde à extensão do que seria a “lombada”, a qual tem 226mm X 50mm, forrada com couro de porco um pouco desbotado e apresenta o número 308 datiloscrito em um pedaço de papel amarelado colado na parte inferior da superfície de couro, correspondente à localização dos documentos no Arquivo do Mosteiro. A base da caixa equivale à “contra-capa” que tem as mesmas características e dimensões da “capa”. As outras três abas têm formato hexagonal, no lado solto, sendo que a maior destas apresenta as dimensões 124mm X 76mm X 107mm X 76mm X 124mm X 226mm. As outras duas abas têm as dimensões 120mm X 75mm X 60mm X 75mm X 120mm X 166mm. Não há inscrições na parte interior da caixa.

Fig. 8 – Caixa que acondiciona os Sermões

Fig. 9 – “Lombada” da Caixa Fig. 10 – Abas hexagonais da Caixa

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

No interior da caixa cada caderno de sermão está separado por uma folha de papel neutro de baixa gramatura. O conjunto de sermões está envolto num papel amarelado de alta gramatura onde está escrito com lápis de cera

azul “Sermões de Frei Domingos da Transfiguração Machado”; com lápis de cera vermelho tem-se “Nota: De Fr. Domingos parece ser só o que ele mesmo diz ser o primeiro, pregado 13/XII/1837 por ocas. da 1ª Missa de Fr. Ignacio de S. Paio resta identificar os aqui reunidos” – figura 11. Acredita-se que o arquivista da época seja o scriptor desse trecho.

Fig. 11 – Caixa dos sermões aberta

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia Em destaque o papel que envolve os sermões

Os seis sermões aqui trabalhados são escritos em suporte papel, que, de maneira geral, possui bastante lignina e está acidulado, desidratado e quebradiço. Seu manuseio inadequado gerou avarias, especialmente nas extremidades inferiores, além de manchas oriundas de umidade, gordura e ação de papirófagos. Os fólios apresentam ainda uma marca de dobra longitudinal, mas não possuem marca d’água; todos têm as mesmas dimensões: 330mm X 215mm.

Fig. 12 – Manchas por umidade – fac- símile Sermão de Misericórdia, 1r

Fig. 13 – Corrosões do papel – fac-símile

Nossa Senhora de Montserrat, 1v

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

A mancha escrita toma quase todo o papel, sendo observada uma margem imaginária na extremidade esquerda dos fólios rectos, na direita dos versos, e nas extremidades superior e inferior. Apesar de o papel não ter pauta, essa mancha escrita se apresenta sempre em sentido latitudinal uniforme. São manuscritos autógrafos, em grande maioria monotestemunhais; entre os sermões selecionados, encontram-se quatro fólios do texto Sobre o Escândalo que têm dois testemunhos – 3r, 3v, 4r e 4v – as diversas rasuras nesse manuscrito revelam que o texto tem diferentes campanhas de produção, sem se apresentar, como exposto anteriormente, o que seria a versão terminal.

Fig. 14 – Fac-símile Sobre o Escândalo, 3r – primeira campanha

Fig. 15 – Fac-símile Sobre o Escândalo, 3r – segunda campanha

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia Em destaque a mancha escrita no suporte

Os textos são escritos, majoritariamente, com tinta ferrogálica escura que, devido ao uso excessivo de fixador, terminou correndo o papel, o que dificulta bastante a leitura, visto que todos os fólios são escritos em recto e verso. Como é característica da própria composição da tinta, com o tempo, ela ganha uma tonalidade castanha (ACIOLI, 1994, p. 10), culminando, muitas vezes, com seu desbotamento tão avançado que se torna extremamente difícil a leitura do texto.

Fig. 16 – Desbotamento da tinta – fac-símile Sobre o Escândalo, 1v

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Os sermões têm duas scriptae: a predominante é de Frei Domingos, autor da escrita primária e dos vários movimentos de correção (emendas de

acréscimos, supressões, substituições e deslocamentos), e a segunda supõe- se que seja do monge arquivista, pelo tipo de informação por ele apresentada. A escrita dos dois scriptores é cursiva, ou seja, “as letras são corridas, traçadas de um só lance e sem descanso da mão. Apresentam entre si nexos ou ligações. Sendo seu traçado mais livre, a escrita oferece, quase sempre, uma certa dificuldade na leitura” (ACIOLI, 1994, p. 13). A letra cursiva do scriptor 1 é levemente tombada à direita; algumas letras têm sua haste bem alongada, como <p>, <f>, <q> e <g>; a haste do <d> apresenta acentuado tombamento à esquerda; o traço horizontal do <t> se estende até a palavra seguinte; destaca- se também a grafia do til, por ter tamanho grande e curvas expansivas, e ser comumente pousado sobre a segunda letra do ditongo nasal ou depois dela. As letras capitulares são bem distintas das demais e as palavras, de modo geral, distribuídas de forma regular, sem união ou desmembramento indevido.

Fig. 17 – Letras <t>, <d>, <q>, <f> e <~> – fac-símile Sermão de Misericórdia, 7v

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

O scriptor 2 tem letra cursiva de ductus arredondado e tamanho bem maior que a do scriptor 1, usa lápis de cera vermelho para escrever apenas o título dos sermões Paixão, Sobre o Escândalo e Sobre a Maledicência, todos no fólio 1r. A letra capitular tem formato e tamanho bem distinto das demais; o

til é tombado à direita, se assemelha ao acento agudo e é grafado muito acima da letra <o>. As figuras 18, 19 e 20 destacam a escrita do scriptor 2:

Fig. 18 – Fac-símile Sobre o

Escândalo, 1r

Fig. 19 – Fac-símile Sobre

a Maledicência, 1r

Fig. 20 – Fac-símile

Paixão, 1r

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Há ainda uma terceira escrita que aparece apenas na folha de papel avulsa que enfeixa os cadernos de Sermão de Misericórdia, Nossa Senhora de Montserrat e Paixão, onde, com caneta de tinta azul ou preta, redige o título e comentários acerca da peça oratória. Esse scriptor 3 se supõe ser outro monge arquivista. Tem letra cursiva menor que os demais scriptores; o traçado irregular de algumas letras dificulta a leitura, como <d>, <x> e <r>; quando escritas juntas, as letras <e>/<m> e <u>/<n> se assemelham bastante, constituindo outra dificuldade de transcrição. As capitulares se destacam pelo formato e tamanho diferenciado; a notação do til ora se dá acima do ditongo nasal, ora se constitui em prolongamento do <o>. Tal scriptor adota a sublinha para destacar algumas palavras.

Fig. 21 – Invólucro do Sermão de Misericórdia, acompanhado de transcrição

Sermão de Misericordia

sem titulo, sem data- mas belissima peça oratoria

Fig. 22 – Invólucro do sermão Nossa Senhora de Montserrat, acompanhado de

transcrição

N(ossa) S(enhor)a de Montserrate ((Santos))

((com o exórdio truncado))

Fig. 23 – Invólucro do sermão Paixão, acompanhado de transcrição

Paixão

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia Em destaque nas figuras 21 a 23, escrita do scriptor 3

Ao longo da história, o uso de abreviaturas esteve sempre relacionado à economia de tempo e material de escrita. De acordo com Higounet (2003),

As abreviaturas medievais encontraram parte de suas fontes nas siglas e abreviações epigráficas romanas e nos sistemas tironianos. Mas elas também se originaram mais diretamente dos dois repertórios abreviativos particulares que se constituíram durante os primeiros séculos nos textos cristãos e nos textos jurídicos. Com efeito, nos manuscritos cristãos, logo se instaurou o uso de abreviar por contração os termos sagrados, os nomina sacra, e de substituir nos manuscritos jurídicos os termos técnicos e usais por abreviações (notae juris) de tipos variados (HIGOUNET, 2003, p. 147, grifo do autor).

Ainda hoje seu uso é bastante frequente. Ocorre, abundantemente, na escrita de Frei Domingos, que, além de utilizar diferentes tipos de abreviatura, adota formas distintas para abreviar uma mesma palavra e significados diversos para uma mesma abreviatura (polissemia), dificultando a correta leitura e transcrição e acarretando o dispêndio de maior tempo nessa empreitada. Isso ocorre com a abreviatura <pr> que ora se desdobra em <por>, ora em <para>, que, por sua vez, também é representada por <pa>; já <ms> é adotada como abreviatura de <mas> e <mais>.

Fig. 24 – Fac-símile Sobre o Escândalo, 8r, l. 1-3

He nos templos q(ue) o S(enho)r vos chama p(a)r(a) vos lavar da culpa original; e q(uan)do dep(oi)s mancha- des p(o)r <culpas> [crimes] pessoaes, vós ahi achaes os

Fig. 25 – Fac-símile São Sebastião, 1r, l. 13

Mas p(ar)a alcançar victorias contra os ini-

Fig. 26 – Fac-símile Paixão,2v, l. 1

Fig. 27 – Fac-símile Sobre a Maledicência, 5r, l. 18

vasta extensaõ da empreza m(a)s também

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Nos seis sermões se observam abreviaturas por suspensão, letra sobreposta, contração, além das siglas.

A abreviatura por suspensão ou apócope, se dá pela supressão dos elementos finais do vocábulo. Esse é o tipo menos frequente nos sermões.

Quadro 2 – Abreviatura por suspensão

ABREVIATURA DESDOBRAMENTO FAC-SÍMILE

Igr. Igr(eja)

São Sebastião, 1r, l. 14

Cr. Cr(istãos)

Sobre o Escândalo, 2r, l. 12

Fonte: Arquivo pessoal da autora

A abreviatura por contração ou síncope forma-se mediante a supressão de elementos do meio da palavra, sendo composta, portanto, de letras do início e fim ou do início, meio e fim da palavra (SPINA, 1994; BERWANGER; LEAL, 1995). Sua incidência também não é muito comum nos manuscritos de Frei Domingos.

Quadro 3 – Abreviatura por contração

ABREVIATURA DESDOBRAMENTO FAC-SÍMILE

Sr. S(enho)r

Paixão, 2r, l. 16

Fonte: Arquivo pessoal da autora

O tipo de abreviatura mais frequente nos sermões de Frei Domingos é por sobreposição, que consiste na colocação de letras em caracteres menores inscritos por cima da abreviatura (BERWANGER; LEAL, 1995, p. 62). Esse é, certamente, o tipo de abreviatura mais usado nos documentos analisados, tendo inúmeras ocorrências em todos os sermões.

Quadro 4 – Abreviatura por sobreposição

ABREVIATURA FAC-SÍMILE

Finalme testamto

Ds verde

Finalm(ent)e, os Justos do antigo testam(en)to q(ue) tinhaõ rendido gloria a D(eo)s, morrendo pela verd(ad)e, naõ ti-

Paixão, 2v, l. 10-11

aqles

São Sebastião, 1r, l. 4

qdo

Sermão de Misericórdia, 7v, l. 20

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Esta abreviatura por sobreposição é muito usada nos sermões de Frei Domingos para escrever palavras de diferentes classes gramaticais e variadas

terminações. As ocorrências mais frequentes se dão com vocábulos que têm as terminações <ade>/<ades>, <ento>/<entos> e <ente>.

Por fim, tem-se a abreviatura por sigla que, de acordo com Flexor (1991), se constitui quando a palavra é representada apenas por sua letra inicial, grafada em maiúsculo. Esse tipo de abreviatura é muito comum nos manuscritos analisados. Quando a sigla se constitui de uma letra dobrada significa que a palavra está no plural ou superlativo, como se observa na sigla <SS>, que significa <Santíssima>, no sermão Nossa Senhora de Montserrat, 3r.

Quadro 5 – Abreviatura por sigla

ABREVIATURA DESDOBRAMENTO FAC-SÍMILE

JC. J(esus) C(hristo)

Sobre o Escândalo, 5r, l. 9

S. S(anto)

Paixão, 3r, l. 23

SS. S(antí)s(sima)

Nossa Senhora de Montserrat, 3r, l. 3

Fonte: Arquivo pessoal da autora

Às vezes, as siglas aparecem também com sinais, que Spina (1977) denomina sinal abreviativo. Ainda segundo Spina (1977, p. 45), “a sigla foi o processo mais antigo de abreviação por supressão ou apócope”. Frei Domingos costuma usar um traço sobreposto ao <q>, sigla da palavra <que>; algumas vezes esse traço ganha formas mais sinuosas e se posiciona depois da sigla.

Fig. 28 – Fac-símile Sermão de Misericórdia, 8r, l. 1-3

Fonte: Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia

Além das abreviaturas, a semelhança na grafia de algumas letras dificulta bastante a leitura dos sermões de Frei Domingos. É o que ocorre entre <r>, <s> e <z>; <l> e <t>; <m>, <n> e <u>; <p> e <ss>; <s> e <t>; e <f> e <p>.

Quadro 6 – Semelhança entre letras de Frei Domingos

LETRAS SEMELHANTES <s> / <z> prazeres Paixão, 13r, l. 11 <p> e <ss> passar Sobre o Escândalo, 1v, l. 12 <m>, <n> e <u> consumação Paixão, 13v, l. 15

Fonte: Arquivo pessoal da autora

As orações e períodos são distribuídos em parágrafos, cujo início é sempre marcado pelo recuo à direita. No que tange à pontuação, destaca-se o uso constante de dois pontos; sinais de exclamação e interrogação também são recorrentes, talvez como forma de interação com o público, afinal, esses sermões foram produzidos visando à oralidade. Outra marca é o emprego irregular de vírgula: é comumente grafada antes da conjunção <e>, como no

trecho <ou abater seo orgulho, e sua revolta> (Paixão, 9v, l. 24); não é usada, contudo, para separar vocativos, como em <Quanto a nós, meos /S(enho)r(es)/ nos sabemos, q(ue) q(uan)do> (Paixão, 2r, l. 6).

Como esses textos se constituem de rascunhos, os movimentos de emenda são constantes, sendo comuns supressões, acréscimos e deslocamentos. Essa característica será analisada mais profundamente na quinta seção deste estudo.

Os textos são sempre divididos em duas partes: a primeira é iniciada por uma epígrafe em latim correspondente a uma passagem bíblica, que é discutida e retomada em momentos posteriores; em seguida, tecem-se considerações sobre a temática de tal citação, recorrendo-se, para tanto, a algumas personagens e fatos históricos; e, por fim, a segunda parte do sermão, intitulada Discurso, apresenta as ponderações do pregador acerca da temática apresentada no início do texto e seu convite aos ouvintes para que ajam segundo a orientação bíblica. O conteúdo específico desse corpus será tratado na próxima subseção, que aborda o aspecto argumentativo dos sermões de Frei Domingos.

A análise ora apresentada permite concluir que os sermões São Sebastião, Nossa Senhora de Montserrat, Paixão, Sermão de Misericórdia, Sobre o Escândalo e Sobre a Maledicência são textos autênticos do beneditino Frei Domingos, devido à observação das características de sua escrita.