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A abordagem experimental que efectuamos, com vista a uma melhor compreensão da importância das regras adoptadas para o funcionamento do EU ETS, fez-se com base em dois tratamentos experimentais. Estes diferem apenas na forma de afectação inicial dos direitos de emissão, contemplando o primeiro a sua distribuição gratuita (grandfathering) e o segundo a sua distribuição através de leilão.

Todas as tarefas realizadas pelos participantes nas nossas experiências foram feitas em computador, tendo sido usado o software informático zTree, Zurich Toolbox

for Readymade Economic Experiments, de Fischbacher (1999, 2007), para a sua

programação. Dada a complexidade do mercado para transacção de direitos de emissão, implementar manualmente a experiência implicaria torná-la bastante mais demorada, ou até impraticável, para além de dificultar sobremaneira a organização dos dados recolhidos e posterior análise. Por outro lado, no contexto actual, o uso de computadores aumenta o poder de “atracção” das experiências laboratoriais, facilitando assim o recrutamento dos participantes necessários.

Os dois tratamentos experimentais que contemplamos foram reproduzidos em quatro sessões distintas cada, com indivíduos diferentes nas oito sessões realizadas. Cada uma dessas sessões estava dividida em três partes distintas: i) questionário para caracterização sócio-económica; ii) eliciação da aversão ao risco; iii) participação no mercado para transacção de direitos de emissão. Esta última constituía, obviamente, o núcleo central de todas as sessões experimentais e as duas primeiras serviam, sobretudo, para efeitos de controlo. Porém, a eliciação da aversão ao risco constitui um aspecto inovador das nossas experiências, face às anteriormente realizadas sobre mercados para transacção de direitos de emissão, pelo que lhe daremos algum destaque na próxima secção.

No questionário com vista à caracterização sócio-económica dos participantes incluem-se questões sobre o próprio sujeito, por um lado, e sobre o seu agregado familiar, por outro. A caracterização dos sujeitos participantes nas experiências é feita através das respostas obtidas a questões sobre: i) idade; ii) sexo; iii) estado civil; iv) actual situação escolar (qual o curso frequentado, concluído ou não, média actual do curso, etc.); v) expectativas acerca do nível educacional que esperam atingir no futuro (licenciatura, pós-graduação, mestrado, doutoramento); vi) obtenção de alguma bolsa escolar ou outra ajuda financeira; vii) proveniência do aluno (estrangeiro ou ao abrigo de algum programa como Erasmus, Sócrates, etc.); viii) situação em termos de emprego (a tempo inteiro ou parcial); ix) nº de horas de trabalho semanais; x) salário mensal.

Acerca do agregado familiar dos participantes são colocadas as seguintes questões: xi) nº de pessoas que o constituem; xii) nível educacional completo pelo pai e pela mãe; xiii) rendimento mensal do agregado.

Só depois de respondido este questionário145 se iniciam as tarefas experimentais que dão origem a recompensas monetárias, na segunda e terceira partes da sessão.

4.4.1 – Eliciação da aversão ao risco

Como dissemos, na segunda parte de todas as nossas sessões experimentais procede-se à eliciação das preferências dos participantes face ao risco. Em mercados com incerteza na procura, que se traduz habitualmente em grande volatilidade do preço dos títulos de emissão e possibilidade de penalizações por incumprimento, a atitude dos agentes face

ao risco justifica a adopção, ou não, de determinadas estratégias de prevenção (especialmente através do banking). Por outro lado, comportamentos especulativos no mercado de transacção de títulos podem igualmente compreender-se melhor se conhecermos as preferências face ao risco dos participantes que os levam a cabo. Por isso, o cálculo ex ante dos benchmarks e da eficiência da instituição representada experimentalmente depende da atitude dos participantes face ao risco.146 Os resultados obtidos nesta segunda parte das nossas sessões experimentais permitem aferir se, efectivamente, o comportamento de banking, na terceira parte da experiência, corresponde a uma determinada atitude face ao risco, como pressupunham, nomeadamente, Godby et al. (1997).

Apesar de tornar as sessões experimentais mais demoradas e mais complexas, por aumentar o número de tarefas a desempenhar pelos participantes, consideramos ser este um contributo importante para a análise dos resultados e uma mais-valia face a experiências anteriores.

A eliciação das atitudes face ao risco que efectuamos baseia-se em escolhas individuais dos sujeitos entre duas lotarias, A e B, dispostas numa Lista de Preços Múltiplos (MPL – Multiple Price List), sendo a segunda mais arriscada do que a primeira. Os prémios dessas lotarias são os utilizados por Holt e Laury (2002) nas sessões experimentais com pagamentos reduzidos. O desenho experimental desenvolvido por estes autores visava determinar as atitudes individuais face ao risco,147 usando para o efeito os pagamentos constantes na tabela 4.1, mas em dólares, e valores 20x, 50x e 90x mais elevados. Esse procedimento teve por objectivo determinar o impacto da escala dos pagamentos sobre o nível de aversão ao risco dos sujeitos. Holt e Laury (2002) concluíram que a aversão ao risco é maior para níveis de pagamentos mais elevados mas que, ainda assim, cerca de 2/3 do total dos participantes nas experiências exibem aversão ao risco com os pagamentos mais reduzidos. Controlando os efeitos de ordem,148 Harrison et al. (2005) e Holt e Laury (2005) chegam à mesma conclusão no que respeita ao impacto da escala de pagamentos sobre o nível de aversão ao risco dos sujeitos.

146 Como salientam, por exemplo, Ben-David et al. (2000) que, por desconhecerem essas atitudes analisam os resultados experimentais com base em três cenários possíveis para o grau de aversão ao risco – aversão, neutralidade e propensão.

147 A metodologia empregue por Holt e Laury (2002) – MPL - tem, obviamente, vantagens e desvantagens. Não é objectivo do presente trabalho contribuir para a literatura e debate acerca das metodologias mais adequadas para medir o risco. Mesmo cientes da divergência de resultados obtidos com os mesmos indivíduos perante diferentes situações de risco – ver Lee et al. (2008) – a obtenção desta informação, ainda que imperfeita, contribui para uma análise mais aprofundada do objecto de estudo do presente trabalho: o funcionamento do mercado para a transacção de direitos de emissão em contexto de incerteza.

Tabela 4.1 – Valores esperados das lotarias A e B

Forma A Forma B

Prob. Prémio Prob. Prémio Prob. Prémio Prob. Prémio E(A) E(B) E(A)-E(B)

0,1 €2 0,1 €1,60 0,1 €3,85 0,1 €0,10 €1,64 €0,48 €1,17 0,2 €2 0,2 €1,60 0,2 €3,85 0,2 €0,10 €1,68 €0,85 €0,83 0,3 €2 0,3 €1,60 0,3 €3,85 0,3 €0,10 €1,72 €1,23 €0,49 0,4 €2 0,4 €1,60 0,4 €3,85 0,4 €0,10 €1,76 €1,60 €0,16 0,5 €2 0,5 €1,60 0,5 €3,85 0,5 €0,10 €1,80 €1,98 -€0,18 0,6 €2 0,6 €1,60 0,6 €3,85 0,6 €0,10 €1,84 €2,35 -€0,51 0,7 €2 0,7 €1,60 0,7 €3,85 0,7 €0,10 €1,88 €2,73 -€0,85 0,8 €2 0,8 €1,60 0,8 €3,85 0,8 €0,10 €1,92 €3,10 -€1,18 0,9 €2 0,9 €1,60 0,9 €3,85 0,9 €0,10 €1,96 €3,48 -€1,52 1 €2 1 €1,60 1 €3,85 1 €0,10 €2,00 €3,85 -€1,85

A adopção, no nosso desenho experimental, apenas da MPL com pagamentos reduzidos de Holt e Laury (2002) deve-se ao facto de esta ser uma parte marginal das experiências para o conjunto do nosso trabalho e, portanto, não lhe podermos dedicar muito tempo em cada sessão experimental. O ecrã apresentado aos participantes nesta parte da experiência, correspondente a essa MPL, é o que consta da figura 4.2.

Os participantes eram então confrontados com a escolha entre duas formas de pagamento: a forma de pagamento A com um prémio mais elevado de €2 e um prémio mais baixo de €1,60 e a forma de pagamento B com um prémio mais elevado de €3,85 e um prémio mais baixo de €0,10. Ou seja, a Forma A é constituída por pagamentos com menor variabilidade do que a Forma B, que é, por isso, a escolha mais arriscada.

Na decisão 1, a probabilidade de receber o prémio mais elevado é apenas de 1/10 para as duas formas de pagamento. Portanto, apenas sujeitos extremamente propensos ao risco escolheriam a Forma B. À medida que se desce na tabela, a probabilidade de receber o prémio mais elevado aumenta, pelo que se espera que os sujeitos passem a escolher a Forma de pagamento B. Como se pode ver na tabela 4.1, conforme Harrison

et al. (2005), o valor esperado da opção B, E(B),149 passa a ser mais elevado a partir da decisão 5 pelo que, com estes valores, se espera que um sujeito neutro face ao risco escolha a Forma A nas quatro primeiras decisões e troque para a Forma B a partir da quinta decisão.

Para a decisão 10 espera-se que mesmo os sujeitos mais avessos ao risco optem pela Forma B, já que essa dá o prémio mais elevado de 3,85€, com toda a certeza. Ou seja, os ganhos desta decisão são determinísticos e a sua inclusão serve, sobretudo, para aferirmos se as condições da não-saciabilidade e saliência são satisfeitas.

Na tarefa com que são defrontados nesta parte da experiência, os sujeitos podem optar livremente entre as formas de pagamento A e B para cada uma das decisões. Porém, o nosso desenho experimental introduz uma restrição às suas escolhas, que constitui uma diferença face ao desenho experimental de Holt e Laury (2002, 2005) e Harrison et al. (2005). Depois de optarem pela Forma B os sujeitos não podem voltar a escolher a Forma de pagamento A. Ou seja, foi imposta a consistência das escolhas dos sujeitos e evitado o problema de respostas erráticas por parte dos participantes e dificuldades inerentes ao seu tratamento. De igual forma se eliminou a possibilidade de não-resposta a qualquer uma das 10 decisões, introduzindo-se um checker no programa informático no final desta parte da sessão. Este não permitia que os sujeitos avançassem para a fase seguinte da experiência sem previamente terem optado por uma das formas de pagamento em todas as decisões.

Para a determinação dos ganhos desta parte da sessão experimental, os sujeitos são informados que apenas uma das 10 escolhas que efectuam é utilizada para efeitos de

149 Considerando p a probabilidade de receber o prémio mais elevado e (1-p) a probabilidade de receber o prémio mais baixo, para cada uma das formas de pagamento, em cada decisão, E(A) = p*2+(1-p)*1.6 e E(B) = p*3.85+(1-p)*0.10.

pagamento, tal como em Holt e Laury (2002). Ou seja, depois de optarem entre as Formas A ou B, para cada uma das 10 decisões, a decisão determinante para efeitos de pagamento é seleccionada ex post, de forma aleatória. Cada um dos participantes extrai uma das bolas de dentro de um saco, que previamente verificam conter bolas numeradas de 1 a 10. O número da bola retirada determina por qual das dez decisões o participante é pago. De seguida, a bola retirada é novamente introduzida no saco e cada participante volta a retirar uma bola de dentro do saco. O número agora extraído determina se recebe o prémio mais elevado ou o prémio mais baixo, de acordo com a forma de pagamento escolhida na decisão previamente seleccionada. Apenas para a decisão 10 não é necessário proceder à segunda extracção da bola uma vez que cada uma das opções dá o prémio mais elevado de certeza. Estes procedimentos são feitos individualmente e repetidos por cada um dos participantes.

Os ganhos assim obtidos na 2ª parte da experiência são adicionados, posteriormente, aos obtidos na 3ª parte e à taxa de participação de €5. No final da sessão, os participantes são informados acerca dos ganhos realizados:

Figura 4.3 – Ecrã final do zTree com os ganhos totais da sessão

A taxa de participação é um pagamento certo que os sujeitos recebem por comparecerem na hora e local indicados e permanecerem até ao final da sessão. A forma de realizar ganhos na 3ª parte da sessão é explicada ao longo das secções que se seguem.

4.4.2 – O mercado experimental para transacção de direitos de emissão

Não se tratando de uma simulação das condições exactas de funcionamento do EU ETS, as regras do mercado laboratorial para transacção de direitos de emissão que

representamos na 3ª parte de cada sessão experimental, procuram aproximar-se o mais possível do mesmo. Ainda que a Directiva 2003/87/CE contemple a possibilidade de leilão de 10% dos direitos de emissão, para a actual fase do mercado, a maioria dos Estados-Membros adopta o grandfathering como regra de distribuição inicial dos títulos. Daí que o nosso primeiro tratamento experimental adopte esta regra de afectação inicial das licenças de CO2, sendo depois comparado com um tratamento em que essas licenças são leiloadas num leilão com o formato de Ausabel (2004).

4.4.2.1 – Instituição de mercado

No tratamento experimental cuja afectação inicial da totalidade dos direitos de emissão é gratuita, é distribuído, no início de cada um dos dez períodos, um determinado número de licenças de emissão por cada um dos oito participantes.150 Esta é uma informação privada, ou seja, cada participante apenas conhece o número de títulos de emissão que lhe são atribuídos ao longo da sessão, desconhecendo a quantidade conferida aos restantes sujeitos, ainda que seja público o total de títulos existente em cada período. O

grandfathering dos títulos é efectuado ex-ante pelo que não implica a realização de

qualquer tarefa ou decisão por parte dos participantes, contrariamente ao que acontece no segundo tratamento experimental, em que os direitos de emissão são distribuídos através de leilão inicial.

No que à validade das licenças de emissão diz respeito, é permitido o banking mas não o borrowing – de acordo com a Directiva 2003/87/CE. Ou seja, é possível no início de cada período guardar alguma, ou algumas, das licenças para uso futuro mas não é possível usar no período actual títulos a que a empresa tem direito no futuro. A possibilidade de banking de títulos introduz, portanto, uma ligação dinâmica entre períodos, com implicações para a determinação das referências teóricas e análise dos resultados experimentais.

No tratamento com grandfathering, a decisão de banking é a primeira tarefa experimental com que os participantes se defrontam na 3ª parte da sessão. No ecrã que a seguir se apresenta, os sujeitos têm de indicar se pretendem usar a totalidade de licenças de emissão que lhe são dadas para o período em questão ou se pretendem guardar

150 Quer o número de participantes, quer o número de períodos, quer o número de títulos distribuídos são fixos e constantes ao longo da sessão.

alguma(s) para períodos posteriores.151 De acordo com as regras que estabelecemos, podem decidir usar no mínimo 0 unidades e no máximo as unidades que necessitam para o período em questão.152 O último período da sessão é a excepção, já que os sujeitos são obrigados, nesta fase, a usar todas as unidades que possuírem.

Figura 4.4 – Ecrã do zTree da fase de banking

Só depois de todos os participantes tomarem a decisão de banking, tem então início o mercado para transacção de licenças de emissão.

A regra de formação de preços adoptada para o mercado de comercialização de licenças de emissão laboratorial é a que rege o EU ETS: preços discriminantes. Ou seja, os participantes pagam/recebem pelas licenças de emissão o preço que propõem/aceitam. No entanto, os preços propostos/aceites não podem dar origem a prejuízos. Isso significa que só é possível vender e comprar a preços acima e abaixo do custo, respectivamente. Por outro lado, não é permitido comprar (vender) unidades relativas a propostas de venda (compra) feitas pelo próprio.153

O mercado laboratorial que implementamos é dinâmico já que as propostas, quer de compra quer de venda, podem ser revistas pelos seus proponentes, com base na informação disponibilizada depois das propostas iniciais. Ou seja, trata-se de um leilão

151 No tratamento com leilão, onde se lê “Dadas” passa a ler-se “Adquiridas”.

152 No exemplo da figura 4.4, correspondente ao Sujeito 2 das nossas experiências, o participante poderia usar (caso possuísse), no máximo, 13 unidades, relativas às suas emissões totais do período, logo, às suas necessidades.

153 Estas regras de mercado, bem como todas as outras que descrevemos ao longo desta secção, são garantidas através da programação de checkers que produzem mensagens de erro automáticas sempre que os sujeitos tentam proceder de forma diferente da permitida pelas regras de mercado.