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O MERCADO EUROPEU DE DIREITOS DE EMISSÃO DE CO2: UMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL CO2: UMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL

3.6 – INCENTIVOS AO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

4- O MERCADO EUROPEU DE DIREITOS DE EMISSÃO DE CO2: UMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL CO2: UMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL

4.1- INTRODUÇÃO

O mercado internacional previsto no Protocolo de Quioto e o EU ETS são exemplo da opção de política para lidar com o problema das alterações climáticas através da criação de mercados para transacção de direitos de emissão de GEE, como referimos no capítulo 2. A implementação deste tipo de mercado acarreta, porém, diversas questões que podem justificar divergências entre os resultados teoricamente previstos e os que efectivamente se conseguem obter. No capítulo 3 constata-se a não inocuidade da regra de afectação inicial dos títulos de emissão, sobretudo se implementada em condições diferentes das previstas pelo modelo teórico original. Aliás, na breve análise crítica efectuada à Directiva 2003/87/EC, no capítulo 2, constatamos que o uso do

grandfathering como regra geral para a distribuição inicial das licenças de emissão de

CO2 se destacava pela negativa. Nos estudos citados, como o de Hofmann (2006), por exemplo, o leilão inicial é considerado superior ao grandfathering e, por isso, é recomendada a revisão da Directiva 2003/87/EC no sentido de incluir o primeiro como regra e não excepção. Quer no que respeita à eficiência dinâmica e estática, quer relativamente a questões de equidade e competitividade, o leilão é defendido como a forma mais adequada de distribuir os direitos de emissão de CO2 no seio do EU ETS. Esta não é, no entanto, uma proposta linear e sem quaisquer desvantagens, pois admite- se, por exemplo, existir o problema de “fuga de carbono” (leakage) em alguns sectores. Ou seja, a introdução do leilão como regra para a afectação inicial das licenças de emissão potencia a deslocalização de actividades emissoras de gases com efeito de estufa da UE para países terceiros, onde não existam o mesmo tipo de restrições ou condicionalismos ambientais. Esta é, efectivamente, uma questão com impactos sobre a competitividade das empresas europeias pelo que, para sectores onde esta fuga pode acontecer se admite a necessidade de medidas de excepção. No estudo coordenado por Neuhoff e Matthes (2008) salienta-se que é imprescindível identificar, de forma rigorosa, os sectores realmente afectados pelo problema para posteriormente se definir a forma mais correcta de o solucionar (através de distribuição gratuita dos títulos, ajudas

estatais ou outras medidas). Para os restantes, estes autores são peremptórios na recomendação da implementação generalizada do leilão das licenças de emissão de CO2 no EU ETS. Os motivos que a justificam são sintetizados por Neuhoff e Matthes (2008) da seguinte forma:

i) o leilão constitui um referencial de política mais robusto do que o grandfathering, no sentido em que elimina as incertezas relativas a alterações no

esquema de afectação futuro dos títulos. Este quadro favorece decisões mais eficientes por parte das empresas, contribuindo assim para um comportamento economicamente mais eficaz no combate às alterações climáticas, facilitando as decisões de investimento e incentivando a inovação.

ii) só o leilão permite aos governos arrecadar as receitas necessárias para incentivar

a inovação e cooperação com países em desenvolvimento, reduzir impostos ou de qualquer outra forma compensar as famílias mais pobres pelo aumento dos preços energéticos (consequência das políticas ambientais).

iii) comparativamente com a atribuição gratuita dos títulos, o leilão constitui um

esquema mais simples e justo para as pessoas, o que garante um maior apoio público para este tipo de política, contribuindo, portanto, para uma maior segurança dos investimentos de longo prazo.

Em nosso entender, o último argumento apresentado por Neuhoff e Matthes (2008) corresponde a uma alteração fundamental da percepção pública relativamente a este instrumento de política. De uma aplicação Coasiana dos “direitos a poluir”, o EU ETS passaria a exemplo do princípio Pigouviano do poluidor-pagador. Esta alteração, indubitavelmente, implicaria um maior consenso e apoio público para as políticas ambientais mais restritivas que a União Europeia se prepara para impor nos próximos anos. Aliás, na página 8 da Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 2003/87/EC a fim de melhorar e alargar o regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa da Comunidade, COM (2008)16 final de 23.1.2008, constatamos que esta nossa interpretação corresponde ao entendimento das entidades europeias:

“A venda em leilão é a melhor forma de garantir a eficiência do RCLE- UE117 e a transparência e simplicidade do sistema e de evitar efeitos distributivos indesejáveis. A venda em leilão é a forma que melhor respeita

o princípio do poluidor-pagador e recompensa uma acção precoce para redução das emissões. Por estas razões, a venda em leilão deverá ser o princípio básico de atribuição.”

No mesmo documento, aponta-se ainda a adopção progressiva do leilão como regra de afectação inicial de títulos, estimando-se para o início da 3ª fase do EU ETS a venda em leilão de 2/3 das licenças de emissão de CO2.

Esta alteração na regra de afectação inicial das licenças de emissão, teoricamente aconselhada e politicamente anunciada, encontra-se no centro da presente investigação. Analisamos, numa primeira fase, o desempenho do EU ETS com base nas suas características efectivas, e não com base nas hipóteses que supostamente deveria respeitar e, posteriormente, avaliamos o impacto da alteração da regra de afectação inicial dos títulos: através de leilão ao invés de distribuição gratuita. Socorrendo-nos da metodologia da Economia Experimental, procuramos contribuir para um maior conhecimento acerca da organização e funcionamento deste mercado.

A experimentação em laboratório é, tal como a econometria e a teoria dedutiva, um método de investigação, com vantagens e desvantagens.118 Como refere Roth (1988), experiências em laboratório não significam a localização onde as mesmas decorrem, mas apenas o facto de serem experiências realizadas em ambientes económicos controlados pelo investigador, que também tem acesso aos sujeitos experimentais. Esta é a grande diferença em relação às experiências de campo, onde muito poucos aspectos do ambiente podem ser controlados para além de ser muito limitado o acesso aos agentes económicos.119 De acordo com Roth (1988), é precisamente este controlo do ambiente e o acesso aos agentes que dá às experiências laboratoriais o seu poder e vantagem sobre outros métodos de investigação.

Por seu lado, Holt (2006) refere que a utilização do método experimental proporciona uma grande confiança aos analistas para fazerem recomendações de política, por saberem que os seus resultados não estão limitados à verificação de um

118 Para uma introdução à metodologia experimental, apresentação histórica, vantagens e desvantagens, ver, por exemplo, Davis e Holt (1993) ou Kagel e Roth (1995).

119 O trabalho de Benz e Meier (2006) permite comparar precisamente o comportamento dos mesmos indivíduos no laboratório e no mundo real, por forma a poder aferir-se da validade, ou não, dos resultados obtidos em experiências laboratoriais.

Para o caso específico testado – comportamento dos agentes relativamente a donativos a determinadas instituições -, Benz e Meier (2006) concluem existir uma correlação sistemática e positiva entre o comportamento do laboratório e do campo. No entanto, estes autores salientam ainda a importância do contexto ou situação em que as pessoas se encontram, quer dentro quer fora do laboratório, para influenciar o seu comportamento. Por isso, referem que a investigação económica futura deve debruçar-se mais sobre esta questão, identificada em psicologia como “a pessoa vs. a situação”. Ou seja, tendo em conta os resultados de estudos psicológicos que sugerem que em situações muito semelhantes o comportamento dos indivíduos se caracterize por uma enorme variância, Benz e Meier (2006) realçam as dificuldades e problemas inerentes à generalização de comportamentos, característica da ciência económica.

conjunto de hipóteses restritivas. Também na perspectiva dos políticos/governantes, as experiências fornecem uma visão muito mais clara da forma como a política em questão poderá funcionar, do que a sua demonstração apenas através de equações matemáticas.

O uso desta metodologia para o estudo do comportamento dos mercados de direitos de emissão não é inovador. As experiências laboratoriais já realizadas permitiram controlar as condições prévias de funcionamento do mercado e, consequentemente, perceber de que forma o modelo original de Dales (1968), baseado em princípios mais simples, consegue organizar os dados gerados experimentalmente. Estudos de campo com os mesmos objectivos poderiam ter sido realizados, mas tal implicaria custos mais elevados. Como destaca Mestelman (2000), é muito mais fácil e menos dispendioso eliminar uma má iniciativa política no laboratório do que depois de esta ser efectivamente aplicada. Bjornstad et al. (1999) partilham esta visão ao salientarem a importância desta metodologia na avaliação de regras alternativas para a transacção de direitos de emissão, antes da efectiva implementação do mercado, ou seja, antes de existirem dados naturais observáveis (estudar o que “não é”, como vamos explicar no capítulo seguinte). Mesmo não constituindo “prova de princípio”, pode claramente identificar os principais problemas da política em questão e centrar a atenção em potenciais áreas problemáticas. Bjornstad et al. (1999) salientam que a investigação experimental oferece uma forma objectiva de analisar o comportamento das pessoas em novos ambientes de mercado, o que permite que sejam regularidades laboratoriais, e não julgamentos pessoais, a base para a elaboração de hipóteses testáveis acerca da forma como as condições naturais no mundo real se podem alterar.120

Staropoli e Jullien (2006) argumentam no mesmo sentido, afirmando que a eficiência de instituições alternativas dificilmente pode ser compreendida se analisada apenas com base nas abordagens analíticas tradicionais. Estas autoras consideram que a teoria económica contribui efectivamente para avaliar o potencial impacto de diferentes regras de mercado para a obtenção de concorrência efectiva, mas leva a resultados

120

Bjornstad et al. (1999) agrupam os estudos experimentais orientados para questões de política em três categorias: 1) antecipação de políticas (investigação básica); 2) desenho de política (investigação aplicada); 3) teste de políticas (prescrições de política). As propostas de implementação de determinado instrumento de política, como por exemplo os mercados para transacção de direitos de emissão, tornam necessárias experiências do segundo tipo. As experiências que pretendemos realizar inserem-se neste grupo, já que procuram testar os atributos dos mecanismos de trocas, das instituições e regras de transacção escolhidas pela legislação comunitária que cria o mercado para transacção de carbono.

Bjornstad et al. (1999) salientam ainda que este tipo de experiências leva, normalmente, ao aparecimento das do último tipo, as prescrições para melhoramentos da política. Isto porque, ao identificar-se determinada fraqueza da política no laboratório, o investigador pode alterar sistematicamente algumas variáveis chave e controlar os efeitos sobre os resultados obtidos. No caso de uma proposta de política, isto permite ao investigador de experimental sugerir possíveis revisões do instrumento de política antes deste entrar em vigor. Daí que possamos considerar também que algumas das nossas sessões experimentais se incluem neste último grupo: porque alteramos as características escolhidas pelo regulador e avaliamos os resultados obtidos com regras alternativas – nomeadamente na distribuição inicial dos direitos de emissão.

inconclusivos quando perante mecanismos mais complexos.121 Por isso, Staropoli e Jullien (2006) defendem a necessidade de utilização de abordagens complementares para o efectivo desenho dos mercados e consideram que a economia experimental pode, neste sentido, dar contribuições empíricas valiosas.

Por outro lado, enquanto a teoria económica tradicional não releva grandemente o impacto que as instituições de mercado podem ter sobre o resultado final de mercado, a Economia Experimental, pelo contrário, dedica a esta questão especial atenção. Sendo este aspecto importante, como vimos no capítulo anterior, para o sucesso dos direitos de emissão transaccionáveis, a utilização de experiências laboratoriais garante que o mesmo é devidamente ponderado, pois o desenho e implementação laboratoriais a tal obrigam.

Muller e Mestelman (1998) descrevem alguns dos principais estudos experimentais realizados na área dos mercados para transacção de direitos de emissões e salientam, sobretudo, as suas principais conclusões e contribuições para uma melhor formulação de política. Por exemplo, o facto destes mercados efectivamente funcionarem, ou seja, aumentarem a eficiência em relação à afectação inicial dos títulos; o facto da instituição de mercado adoptada influenciar os resultados; o facto do banking de títulos influenciar a estabilidade de preços e a eficiência do mercado; o facto do exercício de poder de mercado influenciar a eficiência deste instrumento, podendo mesmo torná-la inferior à de instrumentos do tipo comando-e-controlo, entre outros.

No entanto, a metodologia experimental não está, obviamente, livre de críticas. Uma das desvantagens habitualmente apontada é a de que as condições existentes no laboratório são muito diferentes das reais. Porém, para refutar esta ideia, Holt122 cita Plott (1989, pg. 1165) que também a considera errada: “Os mercados laboratoriais são mercados “reais” no sentido em que os princípios económicos se aplicam ali como em qualquer outra parte... . É suposto que a teoria e modelos gerais funcionem para os casos especiais dos mercados laboratoriais”. Smith (1982) refere mesmo que as microeconomias laboratoriais são sistemas económicos reais muito mais ricos, em termos comportamentais, do que os sistemas parametrizados nas teorias económicas. Estas últimas abstraem-se de uma enorme variedade de actividades humanas, por não as

121 O trabalho de Staropoli e Jullien (2006) apresenta os resultados experimentais de diversos estudos efectuados com o intuito de contribuir para um correcto desenho do mercado da electricidade, numa fase de reestruturação do sector. As questões relativas à definição do tipo de leilão a utilizar, tratadas por estes autores, são semelhantes às que contemplamos para o mercado de direitos de emissão.

considerarem relevantes para o comportamento económico dos sujeitos ou simplesmente por necessidade de simplificação dos modelos. O laboratório experimental, por sua vez, ao usar indivíduos motivados pelas recompensas que podem receber, retirados da população de agentes económicos do sistema económico real, representa um conjunto de circunstâncias e parâmetros muito mais complexos do que os aqueles que a teoria económica é capaz de modelizar.

Uma outra crítica frequente em relação à metodologia experimental é a de que os participantes nas mesmas deveriam ser os agentes que efectivamente têm de tomar as decisões no mundo real, e não estudantes de licenciatura como é habitual. No entanto, a participação de alunos nas experiências pode, pelo contrário, ser vista como mais uma vantagem desta metodologia, por utilizarem um raciocínio mais básico e, portanto, mais próximo da racionalidade subjacente aos modelos económicos.

Apesar de, obviamente, não poderem fazer-se generalizações com base nos resultados obtidos com algumas sessões experimentais, é possível, por exemplo, concluir que, se determinada instituição de mercado ou modelo teórico não se adequa a uma situação mais simples como a que é representada no laboratório, não conseguirá fazê-lo em condições reais, bastante mais complexas. Assim, com muito menos abstracções, o laboratório proporciona enormes possibilidades de falsificação de qualquer teoria que se pretenda testar.

Para além disso, como referem Holt et al. (2007), a definição de qualquer desenho experimental obriga a pensar em todos os detalhes associados com a instituição de mercado a representar, sendo este um contributo essencial para os responsáveis de política, já que ajuda a antecipar eventuais problemas que possam surgir.

As experiências que realizamos podem considerar-se como desenvolvimentos das que já existem sobre este instrumento de política. No entanto, em relação a muitas delas, têm uma diferença essencial: a aproximação ao EU ETS. Se, na realidade, são várias as experiências laboratoriais existentes sobre o mercado americano para transacção de SO2, com o objectivo de avaliar as regras de funcionamento de mercado escolhidas,123 para o caso europeu o mesmo não acontece. Ao aproximarmos o nosso desenho experimental ao EU ETS procuramos obter resultados conducentes à formulação de indicações de política. Ou seja, procuramos cumprir uma das principais

123 Franciosi et al. (1993); Cason (1995), Cason e Plott (1996) Cason e Gandagharan (1998); Franciosi et al. (1999), Cronshaw e Brown-Kruse (1999a), Cason et al. (1999), são apenas alguns exemplos.

responsabilidades dos economistas, que é formular conselhos para questões de política cuja resposta está no âmbito do conhecimento científico da profissão. Como salienta Roth (1995), a metodologia experimental é uma das que mais garantidamente permite cumprir essa tarefa.

Analisar determinada questão e, progressivamente, ir alterando as experiências laboratoriais, de forma a avaliar a importância de diferentes variáveis, reflecte o processo cumulativo que é a metodologia experimental. Obter uma noção acerca da eficiência deste mercado, identificar eventuais problemas no seu funcionamento e, se possível, apontar soluções, são os nossos objectivos. Sendo o EU ETS uma experiência precursora na aplicação deste instrumento de política para o controlo das emissões de GEE ao nível supranacional, parece-nos clara a importância da aproximação do nosso desenho laboratorial a este mercado. Para o efeito, representamos experimentalmente um mercado para transacção de direitos de emissão com uma estrutura de concorrência imperfeita, em contexto de incerteza sobre o nível efectivo das emissões, com

grandfathering e banking de títulos de emissão. Posteriormente, alteramos a forma de

afectação inicial das licenças de emissão, leiloando a sua totalidade. Mantendo constantes as regras das restantes fases do desenho experimental, qualquer eventual alteração na eficiência deste instrumento de política deve ser relacionada com a introdução deste leilão inicial, em detrimento do grandfathering. A comparação dos custos de abatimento das emissões poluentes ou níveis de eficiência obtidos com os dois tratamentos alternativos – leilão vs grandfathering - contribui para a actual discussão política e teórica que defende o leilão inicial dos títulos de emissão transaccionáveis.

Antes de descrevermos e apresentarmos os nossos desenhos experimentais, efectuamos um breve enquadramento das principais experiências laboratoriais anteriormente realizadas sobre mercados de direitos de emissão, com especial enfoque para aquelas que incluem características semelhantes às nossas. Apresentamos ainda a concepção de sistema microeconómico de Smith (1982), sua representação formal e condições suficientes para a validade experimental. Na secção seguinte referem-se os diferentes tipos de leilões existentes justificando-se, posteriormente, a opção que efectuamos pelo leilão de Ausabel (2004). Encerramos o presente capítulo com a apresentação do nosso desenho experimental, incluindo a descrição das diferentes fases do mesmo, parâmetros, benchmarks e procedimentos adoptados.

4.2 – ESTUDO DOS MERCADOS DE DIREITOS DE EMISSÃO