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Devido ao cenário de alterações climáticas, que descrevemos no início do capítulo, as Nações Unidas criaram, em 1990, o Intergovernmental +egotiating Committee (INC), com o objectivo de dar início às negociações inter-governamentais para encontrar uma forma concertada de lidar com o problema. Em 1992, esse comité chegou a um acordo, o United +ations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), que apresentou para assinatura pelos países interessados, na conferência das Nações Unidas, em Junho desse mesmo ano, no Rio de Janeiro. Esse acordo entrou em vigor em 1994 e foi já ratificado por quase 200 países, que se encontram anualmente10 para discutir, analisar e avaliar as melhores formas de lidar com as alterações climáticas globais. No terceiro desses encontros anuais (3ª COP), realizado em Quioto em 1997, foi elaborado um Protocolo (que foi designado precisamente de Protocolo de Quioto) cujo objectivo era fornecer um conjunto de princípios de acção para combate aos efeitos adversos das alterações climáticas. Apenas os países que assinaram o UNFCCC podiam fazer parte do Protocolo de Quioto, mas nem todos os que assinaram o primeiro, assinaram também o segundo.11

O Protocolo de Quioto assenta nos mesmos princípios e objectivos que o

9 Existe, actualmente, um exemplo mais recente de mercado para a transacção de direitos de emissão de CO2 entre Estados: o Regional Greenhouse Gas Initiative (RGGI), com arranque no início de 2009 e do qual fazem parte 10 Estados norte-americanos: Connecticut, Delaware, Maine, Maryland, Massachusetts, New Hampshire, New Jersey, New York, Rhode Island, Vermont. O carácter pioneiro desta iniciativa advém do facto da maioria destes Estados ter optado pelo leilão para efectuar a distribuição inicial dos títulos de emissão de CO2.

10 Nas designadas Conferências das Partes (ou COP- Conference of the Parties).

11 Ver, por exemplo, a tabela das pgs. 21 e 22 de UNFCCC (2005), que elenca os países que assinaram a Convenção (UNFCCC) e mostra, dentro desses, aqueles que ratificaram o Protocolo de Quioto.

UNFCCC e utiliza os mesmos agrupamentos e classificações dos países.12 A principal diferença está no compromisso de limitar as emissões poluentes para 38 países do Anexo I do UNFCCC (e também para a União Europeia no seu conjunto), que existe apenas a partir da assinatura do Protocolo de Quioto. Estabeleceram-se em Quioto compromissos quanto ao nível das emissões poluentes que os países desenvolvidos deveriam respeitar.13 O Anexo B do Protocolo de Quioto estabelece os limites quantitativos que aqueles países passariam a estar legalmente obrigados a cumprir, para o período de 2008-2012. Este limite é traduzido em “assigned amount units” (AAUs) que são atribuídas aos países e representam o máximo de emissões que podem realizar. Para os seis GEE incluídos no Anexo A deste mesmo Protocolo,14 no conjunto dos países envolvidos, pretendia-se atingir uma redução de 5% nas emissões face aos níveis registados em 1990.

No entanto, o Protocolo de Quioto só podia entrar em vigor se um número suficiente de países o assinasse, por forma a que ficassem abrangidas 55% das emissões de CO2,15,16 face aos valores de 1990. Com a ratificação do acordo por parte da Rússia em 2004 tal tornou-se possível, permitindo que este entrasse em vigor em 16 de Fevereiro de 2005, mesmo sem a participação dos EUA e da Austrália (2 dos 38 países constantes no Anexo B).

O Protocolo de Quioto define as obrigações dos países do anexo B, os gases poluentes e os sectores ou fontes emissoras abrangidos, mas estabelece igualmente, no seu artigo 2º, recomendações quanto à adopção de políticas internas aos países, com o objectivo de reduzir as emissões poluentes e promover o desenvolvimento sustentável.

12 Para uma descrição mais detalhada da história, evolução, compromissos assumidos, ou funcionamento destes acordos internacionais ver, por exemplo, UNFCCC (2005).

13 Também os países que se considerava estarem a atravessar um período de transição para a economia de mercado constavam do Anexo B do Protocolo de Quioto.

14 Dióxido de carbono (CO2); metano (CH4); óxido nitroso (N2O); hidrofluorocarbonetos (HFC); perfluorocarbonetos (PFC); hexafluoreto de enxofre (SF6).

15 Apesar do Protocolo de Quioto incluir seis GEE, as principais medidas de acção visam a redução das emissões de CO2, por se estimar que este corresponde a cerca de 50% do efeito de aquecimento global proveniente das actividades humanas.

16 O estudo de Kets e Verweij (2005) debruça-se sobre as implicações da inclusão dos outros GEE que não apenas o CO2 numa política climática global alternativa, cujo instrumento de política escolhido seria um imposto sobre as emissões.

Kets e Verweij (2005) lembram que os restantes GEE, para além do CO2, representam entre 10% a 40% das emissões dos GEE incluídos no Protocolo de Quioto e as fontes de emissões desses gases oferecem opções de redução a um baixo custo. Por outro lado, o comportamento dos sectores emissores de outros GEE que não o CO2 é diferente dos sectores que emitem CO2, o que indica que a inclusão dos primeiros pode alterar os impactos sectoriais da política ambiental (já que, por exemplo, enquanto que para a emissão de CO2 o sector agrícola é irrelevante, para a emissão dos outros gases tem um papel importante). Obviamente, também os efeitos regionais serão diferentes com a inclusão dos restantes GEE pois as regiões diferem na disponibilidade que têm de opções de abatimento de baixo custo. Para todas as regiões analisadas, o abatimento dos GEE que não o CO2 diminui os custos totais de abatimento, ainda que a dimensão dessa redução de custos varie entre regiões. Por exemplo, para a Ex-URSS a quota de GEE que não o CO2 nas reduções totais das emissões é elevada mesmo para preços de emissões elevados, devido ao grande potencial aí existente para a redução das mesmas através de alterações tecnológicas induzidas e da existência de importantes interacções entre os diferentes gases. Já para a UE-15, a quota de GEE, que não o CO2, no volume total de reduções é modesta e diminui rapidamente para preços mais elevados. Em geral, os efeitos regionais sobre o PIB per capita da inclusão dos GEE que não o CO2 são reduzidos, apesar dos custos marginais de abatimento diminuírem assim como o peso suportado anteriormente por sectores como o energético.

Algumas das medidas e políticas sugeridas na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Protocolo de Quioto são: melhoria da eficiência energética dos sectores mais relevantes para a economia; protecção e promoção de formas de agricultura sustentáveis; promoção das energias renováveis; remoção de subsídios ou isenções fiscais a sectores poluentes; etc.

Por outro lado, para além de ter sido o primeiro acordo internacional a conseguir que Estados soberanos ficassem legalmente obrigados ao cumprimento de objectivos ambientais, o Protocolo de Quioto trouxe também novidades quanto ao leque de instrumentos que prevê e disponibiliza para os atingir. Entre estes encontram- se a criação de um mercado internacional para a transacção de direitos de emissão poluentes, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (CDM – Clean Development

Mechanism) e a Implementação Conjunta (JI- Joint Implementation17). Estes são, porém, mecanismos suplementares às medidas e esforços internos exigidos aos países signatários do Protocolo.

Ainda que não defina as regras para estas transacções, o artigo 17º do Protocolo de Quioto prevê a possibilidade de países com AAUs em excesso, venderem os excedentes a países deficitários. No entanto, como referiremos mais à frente, só em 2001, com os Acordos de Marraquexe, se definiram as regras necessárias para a efectiva criação de um mercado internacional de direitos de emissão.

O CDM prevê a possibilidade dos países do Anexo B do Protocolo de Quioto (logo, também pertencentes ao Anexo I do UNFCCC) realizarem investimentos em projectos com tecnologias menos poluentes em países em desenvolvimento (países não pertencentes ao Anexo I do UNFCCC). Dessa forma, para além de implementarem projectos que contribuem para o desenvolvimento sustentável dos países que os recebem, os países do anexo B que efectuam esses investimentos geram créditos de redução de emissões que podem usar para ajudar a cumprir os seus compromissos quanto ao limite das emissões.

Por seu lado, a Implementação Conjunta (JI) permite aos países do Anexo B (logo, também do Anexo I) a implementação de projectos com vista à redução de emissões poluentes noutros países também do Anexo I. As unidades de redução de emissões obtidas dessa forma podem igualmente ser usadas para o cumprimento interno dos seus objectivos.18

17 Termo pelo qual ficou conhecido e é habitualmente referido o mecanismo previsto no artigo 6º do Protocolo de Quioto, apesar de neste nunca aparecer a designação Joint Implementation.

Estes mecanismos foram criados com o objectivo de ajudar os países a cumprirem os limites estabelecidos pelo Protocolo de Quioto, de uma forma não apenas efectiva do ponto de vista ambiental, mas também eficiente do ponto de vista económico.19 A lógica subjacente aos mesmos é a de que é de importância secundária, para o ambiente global, o local onde a redução das emissões ocorre.20 Ou seja, o importante é que se verifique reduções reais de emissões.

No entanto, convém salientar que os mecanismos baseados em projectos, como é o caso do CDM e JI, por si só, não conseguem garantir a obtenção de um qualquer objectivo em termos de limites de emissões de GEE, pois a participação nos mesmos é voluntária e dependerá da procura pelos créditos gerados. Esta é, aliás, uma diferença essencial entre estes instrumentos e o mercado para transacção de direitos de emissão: este último gera simultaneamente procura e oferta por unidades de emissão e os primeiros geram apenas a oferta de créditos. Daí a necessidade de serem combinados com outros instrumentos, não fazendo sentido a sua existência por si só.

No entanto, o protocolo de Quioto não especificava os detalhes de funcionamento destes mecanismos, pelo que se sentiu necessidade de debater estes aspectos nas COP que se seguiram a Quioto. Apenas em 2001, na 7ª COP realizada em Marraquexe, foi possível chegar a um acordo sobre regras mais detalhadas para o Protocolo de Quioto e sua implementação (“Acordos de Marraquexe”).

Em relação aos três mecanismos acima referidos ficou, por exemplo, definido que o seu uso teria de ser suplementar às acções domésticas de cada país, já que estas deveriam constituir o elemento mais importante dos seus esforços para cumprir os objectivos definidos.

em projectos (como o CDM e JI) consultar, por exemplo, Bygrave e Bosi (2004). Estes autores agrupam-nas em quatro vertentes: 1) eficácia ambiental; 2) eficiência económica; 3) exigências institucionais; e 4) amplitude da cobertura do sistema em termos de fontes de emissão. Por nenhum dos três mecanismos analisados ser superior nas quatro vertentes consideradas, Bygrave e Bosi (2004) concluem não existir uma vantagem absoluta de nenhum deles face aos restantes.

19 Stevens e Rose (2002), através de um modelo de simulação, avaliam as potencialidades destes mecanismos flexíveis – CDM e JI - para a redução dos custos de abatimento, bem como o eventual aumento de custos causados por restrições adicionais, como a da suplementaridade. Para o efeito,desenvolvem um modelo dinâmico geral para o comércio de emissões de GEE, sujeito a restrições quanto ao volume de transacções. Dos resultados obtidos, Stevens e Rose (2002) concluem que os maiores ganhos de eficiência que se obtêm com o sistema de transacção de títulos de emissão são conseguidos com a transacção ilimitada de títulos, sem restrições, entre os países do Anexo B. Por outro lado, a utilização das opções mais baratas para a redução de emissões poluentes, através do mecanismo flexível CDM permite a obtenção de ganhos adicionais, de acordo com estes autores. Daí que desaconselhem a colocação de restrições ao volume de compras e vendas anuais dos títulos de emissão provenientes dos países em vias de desenvolvimento, pois tal diminuiria o potencial de redução de custos de abatimento deste mecanismo flexível.

20 No entanto, para as empresas, a localização dos investimentos não é indiferente. Os projectos previstos nos mecanismos CDM e JI constituem investimento directo estrangeiro pelo que, como salienta Springer (2003), têm associados os riscos habituais a qualquer outro tipo de investimento directo estrangeiro. Este autor adianta que são investimentos que podem até considerar-se mais arriscados, devido à frequente utilização de novas tecnologias e à incerteza da envolvente regulamentar. Springer (2003) elege a estratégia de diversificação de portfolio como forma de redução do risco dos projectos JI e CDM. Projectos em diferentes regiões geográficas, diversificam, por exemplo, o risco político; diversificar o sector industrial a que o projecto pertence, reduz os riscos económicos; a participação num fundo para o carbono pode ainda diversificar relativamente aos gases envolvidos (diferentes gases tendem a ter origem em diferentes fontes e a diferir no seu potencial para as alterações climáticas).

Já no que respeita às regras de funcionamento do mercado internacional para transacção de direitos de emissão de CO2, e especificamente quanto ao cumprimento dos limites aí estabelecidos, os Acordos de Marraquexe definem quatro pontos essenciais. Primeiro, permite-se que os títulos de emissão atribuídos a um país para um determinado período, e que não sejam usados, permaneçam válidos e possam ser utilizados em períodos posteriores (poupança ou banking, de títulos permitido). Segundo, por cada direito de emissão em falta num determinado período, é retirado ao país deficitário 1.3 títulos no período seguinte (ou seja, penalizam-se os empréstimos, ou borrowing, de títulos de acordo com esta taxa). Terceiro, obriga-se a que os países envolvidos no mercado mantenham de reserva quotas referentes a pelo menos 90% do montante atribuído, ou 100% do inventário mais recente das emissões, consoante o valor mais baixo. Por último, estipula-se que os países que contraem empréstimos de títulos num período sejam impedidos de vender títulos no período seguinte, até que voltem a encontrar-se em cumprimento.21

O debate, questões e dúvidas sobre os potenciais resultados e até mesmo sobre os objectivos a que se propõe o Protocolo de Quioto, são diversos. Chapman (2000), por exemplo, considera que, apesar de importante ao nível global, o Protocolo de Quioto não é relevante nem para o crescimento das emissões nem para a acumulação de CO2 na atmosfera. A razão apontada pelo autor é de que limita o crescimento das emissões dos GEE em países onde essas mesmas emissões já não se encontram a crescer (os países desenvolvidos), não incluindo aqueles onde efectivamente esse crescimento é grande (países em desenvolvimento). Quando verificamos que, em 2007, a China ultrapassa os EUA e se torna o maior emissor mundial de CO2, a visão de Chapman (2000) parece fazer todo o sentido. Com países em desenvolvimento, como a China, a Índia ou o Brasil, sem um compromisso vinculativo no Protocolo de Quioto para diminuir o crescimento das suas emissões, a eficácia de um acordo internacional deste tipo fica, à partida, bastante limitada.

Aldy et al. (2003) corroboram esta visão acerca do Protocolo de Quioto, considerando que “vai muito depressa para conseguir muito pouco”. Estes autores apontam-no mesmo como um exemplo da habitual dificuldade em conciliar os objectivos de equidade e eficiência aquando da implementação de políticas económicas,

21 Godal e Klaassen (2006) concluem que, ainda que não possam considerar-se as regras ideais ou totalmente eficientes, este regime estabelecido nos Acordos de Marraquexe serve, no essencial, o propósito de garantir o cumprimento dos limites de emissão estabelecidos com Quioto.

neste caso ambientais. Ou seja, se a não inclusão dos países em desenvolvimento no anexo B do Protocolo de Quioto visa atingir a equidade, impede, por seu lado, que o combate às alterações climáticas seja feito da forma mais eficiente possível.

Por outro lado, Aldy et al. (2003) destacam ainda o facto de, por ser um acordo estabelecido entre Estados soberanos, existir um deficiente esquema de incentivos à participação e cumprimento dos objectivos ambientais pretendidos. Barret e Stavins (2003) debruçam-se precisamente sobre este problema, analisando os diferentes incentivos possíveis para o cumprimento de acordos internacionais, apesar de não terem conseguido apontar uma solução totalmente eficaz.

Apesar das suas limitações, o Protocolo de Quioto é um primeiro passo muito importante na demonstração de vontade da comunidade política internacional para o combate às alterações climáticas globais. Chapman (2000) reconhece isso mesmo, considerando que, com base no aumento do conhecimento económico, técnico e científico sobre esta matéria, o Protocolo de Quioto poderá ser usado para as necessárias respostas nacionais e globais ao problema das alterações climáticas.

No entanto, a discussão actual, centra-se já na agenda pós- Quioto, ou seja, pós- 2012.22 Trata-se de um processo sobretudo político, que não cabe aqui tratar, mas que exige a nossa atenção dada a importância das decisões daí resultantes para o futuro do ambiente do nosso planeta.

2.3 – O MERCADO EUROPEU PARA A TRANSACÇÃO DE