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A intervenção didáctica sobre a argumentação oral em contexto de debate, implementada na Escola Secundária de Camões, no âmbito da prática de ensino supervisionada, segue as linhas fundamentais do modelo de ensino do oral formal de Dolz e Schneuwly (1998), que se encontra descrito na secção 2.1.

Em virtude das especificidades deste estudo, registam-se duas diferenças principais em relação ao modelo referido. A primeira diz respeito à constituição de um pré-teste e de um pós-teste com o intuito de avaliar o desempenho dos alunos e, neste caso concreto, também por comparação entre as duas situações. A segunda reside na definição de três etapas principais, em vez de quatro, visto que o essencial da

primeira etapa do modelo de Dolz e Schneuwly (1998) foi incluído na primeira oficina formativa. A intervenção didáctica propriamente dita foi precedida por dois momentos, que se considera importante referir. Foi realizada uma sequência didáctica na turma alvo, no âmbito da disciplina de Iniciação à Prática Profissional II do Mestrado em Ensino de Português e Línguas Clássicas, e foi leccionada uma aula de diagnose à mesma turma. A sequência didáctica, constituída por duas aulas de noventa minutos, centrou-se nos discursos de Bruto e de Marco António, integrados na tragédia Júlio César, de William Shakespeare. A aula de diagnose realizou-se no seguimento destas aulas, quando já se tinha observado que a argumentação oral gerava dificuldades para os alunos e já se havia pensado construir uma intervenção didáctica. Assim, numa fase preliminar de diagnóstico, constituída por diferentes actividades, entre as quais a realização parcial do género oral a trabalhar na sequência didáctica, procurou-se averiguar o conjunto de saberes que os alunos possuíam e as suas dificuldades, ao nível da expressão oral, com vista a aperfeiçoar e adequar a sequência didáctica às capacidades e dificuldades manifestadas. De facto, estas foram tidas em conta na adequação da sequência didáctica aos alunos em questão, nomeadamente no que respeita à selecção dos conteúdos, entre os quais se destacam a contra-argumentação, a estrutura lógica e textual do discurso argumentativo e a modalização. Esta etapa de diagnose, sem estar integrada na própria intervenção didáctica, constituiu, sem dúvida, o ponto de partida para ela. Portanto, faz todo o sentido dizer que «Le point de départ de

toute séquence est toujours la parole des élèves.» (Dolz & Schneuwly, 1998: 94).

As duas aulas referidas e a etapa prévia de diagnose decorreram no final do 11.º ano, ou seja, no último período do ano lectivo de 2008/2009. A intervenção didáctica foi realizada quando a mesma turma se encontrava já no 12.º ano, no início do primeiro período do ano lectivo de 2009/2010.

A intervenção didáctica desenvolveu-se ao longo de seis aulas de noventa minutos cada, que correspondem às três etapas principais em que se configura: pré-teste, quatro oficinas de argumentação oral em situação de debate e pós-teste. A estrutura global da intervenção didáctica, com as diferentes etapas que a compõem, encontra- -se representada no esquema a seguir.

Figura 6: Intervenção didáctica sobre a argumentação oral em contexto de debate.

A primeira etapa da intervenção didáctica propriamente dita é o pré-teste. Nela os alunos planificaram e produziram um discurso argumentativo, em contexto de debate, a partir dos conhecimentos que possuíam, isto é, foram confrontados com a planificação e produção na íntegra do género oral que foi objecto de ensino- -aprendizagem na segunda etapa da intervenção didáctica. Como refere Lafontaine «En fait, la production initiale se définit comme étant une production que les élèves réalisent d’après leurs connaissances antérieures» (2007: 18). Estas actividades foram precedidas pela realização de um exercício de brainstorming, orientado pela professora, sobre as principais normas que regem o debate. Este exercício, realizado quer no pré-teste, quer no pós-teste, teve como finalidade convocar os conhecimentos dos alunos acerca das normas básicas que regem o debate, de modo a garantir condições para a sua realização. É importante sublinhar que esta produção inicial também desempenha um papel

importante como «premier lieu d’apprentissage de la séquence» (Dolz & Schneuwly,

1998: 97). Esta aprendizagem é possibilitada pela realização integral do género oral que é objecto da sequência didáctica. Só o facto de se realizar o género oral, em toda a sua complexidade, já constitui um momento de aprendizagem, pois, como versa a velha máxima, «aprende-se a falar, falando» (Amor, 2006: 67). As actividades de planificação e de produção oral do género que é objecto de ensino-aprendizagem permitem ao aluno apreender o essencial da forma como se desenvolve esse género oral e colocam-no perante os problemas que este levanta, levando-o a tomar consciência deles.

A segunda etapa é constituída por quatro oficinas formativas no domínio da argumentação oral, em que são trabalhados diferentes conteúdos relativos à argumentação oral em contexto de debate, com vista a melhorar o desempenho dos alunos nesse domínio. As oficinas de argumentação oral em contexto de debate são as seguintes:

Diagnose Pré-teste Oficina 1 Oficina 2 Oficina 3 Oficina 4 Pós-teste

a) escuta/visionamento de três excertos de debate para identificar aspectos fundamentais do género e para reflectir sobre a importância da utilização de elementos relacionados com a voz e de códigos não verbais;

b) análise de um excerto de uma intervenção num debate – recorrendo à transcrição ortográfica da mesma – para identificação de conectores discursivos e recursos modalizadores, reflexão sobre o seu funcionamento e sistematização de conhecimentos;

c) planificação de discurso argumentativo – para trabalhar aspectos como a tomada de posição, a definição de uma tese, a caracterização da situação comunicativa, a selecção e organização de informação sobre o tema, a constituição de uma introdução e a construção de diferentes tipos de argumentos justificados – e produção oral do discurso preparado, para treinar a expressão oral;

d) reflexão sobre as produções orais realizadas, no sentido de tomar consciência dos aspectos que foram conseguidos e dos que é preciso melhorar, para aperfeiçoar o discurso planificado; planificação de discurso argumentativo, para trabalhar aspectos como a contra-argumentação (antecipação de possíveis contra-argumentos dos adversários), a refutação dos contra-argumentos antecipados e a composição de uma conclusão; e produção oral do discurso, para treinar a expressão oral.

Segundo Lafontaine, os ateliers, que aqui se designam oficinas, não têm de estar interligados: «Notre modèle en propose cinq types [d’ateliers] qui ne sont pas nécessairement liés uns aux autres.» (Lafontaine, 2007: 19). Porém, em consonância com o que é defendido por Dolz e Schneuwly, neste projecto, em que foram concebidas quatro oficinas, estas encontram-se ligadas entre si. Pretende-se que dêem uma visão global do género que é objecto da sequência didáctica, mediante o trabalho sobre um conjunto de conteúdos complementares entre si, que se organizam no sentido de uma progressão nas aprendizagens e no desenvolvimento de capacidades de argumentação oral. No seu conjunto, as oficinas compreendem a escuta/visionamento e análise de documentos orais representativos, a prática de diferentes dimensões do género oral que é objecto de ensino/aprendizagem e a reflexão sobre as produções orais realizadas. Em suma, trata-se «d’un travail en commun sur des problèmes soulevés par la production de

textes oraux dans une situation de communication bien définie.» (Dolz & Schneuwly,

1998: 99).

alunos apliquem os conhecimentos e os instrumentos de trabalho adquiridos, numa última realização do género oral formal que constitui o objecto de ensino-aprendizagem. A este respeito, Dolz e Schneuwly afirmam que «La production finale apparaît ainsi comme le lieu où les savoirs et les outils appropriés peuvent être investis dans une activité réelle de communication langagière orale.» (1998: 112).

Uma vez que se pretende avaliar os efeitos da intervenção, optou-se por um tipo de desenho que implica a constituição de dois grupos diferentes: um que é alvo da intervenção didáctica (grupo de teste) e outro que, não sendo submetido à sequência didáctica, sofre um tratamento alternativo (grupo de controlo). Assim, além da turma alvo, esteve implicada, no presente projecto, uma outra turma do 12.º ano da mesma escola. A cada uma destas turmas foi aplicado o pré-teste e o pós-teste em momentos semelhantes, ou seja, antes e depois da intervenção didáctica a que foi submetida a primeira turma. Pretende-se com este procedimento verificar os efeitos da sequência didáctica na turma alvo, visto que é possível fazer uma comparação entre os resultados do pré-teste e os do pós-teste aplicados nessa turma e entre os resultados obtidos na turma alvo e na turma de controlo. O desenho que acaba de ser explicitado pode ser esquematizado do modo que se segue:

Figura 7: Desenho da intervenção didáctica

Devido às especificidades do objecto da sequência didáctica, apenas foi possível proceder à gravação áudio das produções orais de alguns alunos. A sua selecção foi feita a partir de uma distribuição dos alunos de cada uma das turmas por três níveis – fracos, médios e bons – no que diz respeito ao aproveitamento escolar na disciplina de Português. Esta distribuição fez-se com base no conhecimento que a professora cooperante e o professor titular da turma de controlo tinham das suas turmas. Pretendeu- -se, deste modo, garantir o registo das produções orais de alunos representantes de cada um desses níveis.

Para avaliar o desempenho dos alunos, adoptou-se o modelo de avaliação que é descrito à continuação. Como é sabido, existem dois marcos de referência a partir dos quais se pode projectar a avaliação das aprendizagens, são eles o quantitativo e o qualitativo. Os autores que defendem o primeiro paradigma apresentam como

Turma de teste: Diagnose Produção Inicial/Pré-teste Oficinas Produção Final/Pós-teste

argumentos a objectividade, a facilidade de verificação dos resultados, a credibilidade dos dados recolhidos, a possibilidade de generalização, etc. Aqueles que defendem o segundo paradigma salientam a maior adequação para a compreensão, a ênfase no estudo do processo, a apreensão dinâmica da realidade, os métodos e técnicas que utiliza (indução, observação, …), etc. (Casanova & Reyzábal, 1993). No entanto, recentemente, ao nível da prática, tem-se verificado uma aproximação entre estes dois paradigmas, adoptando-se meios utilizados nos modelos de avaliação filiados no paradigma quantitativo e nos que se desenvolvem a partir do paradigma qualitativo. Como afirmam Casanova e Reyzábal:

«Las cifras no explican las causas de los hechos, pero constituyen una llamada de atención importante sobre los aspectos en que es preciso profundizar (…). Y, evidentemente, si se quiere conocer el proceso por el cual se ha llegado a esa situación, o los motivos de un hecho determinado, es imprescindible acudir a estrategias cualitativas de evaluación, mediante las cuales seamos capaces de describir el camino recorrido o, mejor aún, el que se está recorriendo, para regularlo o corregirlo de modo inmediato e alcanzar, así, los objetivos propuestos» (1993: 376).

O modelo de avaliação da expressão oral concebido projecta-se a partir do paradigma qualitativo, visando dar a conhecer, de forma descritiva, o desempenho dos alunos em diferentes momentos da intervenção didáctica, ainda que, ao mesmo tempo, procure chegar a uma classificação numérica, como complemento de apoio à verificação dos resultados.

Neste modelo de actuação ao nível da avaliação, propõe-se o método descritivo para traduzir o desempenho dos alunos, no que respeita à expressão oral, mais concretamente, à argumentação oral em situação de debate. A adopção deste método advém do facto de se considerar que a descrição de uma produção oral, isto é, a redacção de um conjunto de descritores sobre o desempenho do aluno ao nível da expressão oral, por exemplo, no concerne à coerência do discurso produzido, à sua coesão ou à modalização discursiva, fornece informação mais rica do que a simples atribuição de uma classificação numérica. A este propósito, Casanova e Reyzábal defendem que: «si un “7” dice poco sobre el aprendizaje de la Historia, por ejemplo, menos elocuente resulta en comprensión y expresión oral, donde existe menos tradición

didáctica y evaluadora y, por lo tanto, menos puntos de referencia para su interpretación» (1993: 380).

A avaliação assim concebida desempenha um papel importante de regulação do processo de aprendizagem, orientando-o e apoiando-o. Identificar os pontos fortes e os pontos fracos da aprendizagem dos alunos permite, por um lado, que o professor pense a sua actuação e adeqúe a prática didáctica às capacidades e necessidades dos discentes, fazendo ajustes nos conteúdos, nas actividades, etc., e, por outro lado, que os alunos tomem consciência dos aspectos mais conseguidos e daqueles que precisam de melhorar, de modo a consolidar os primeiros e a encontrar formas de superar as dificuldades que estão na origem dos segundos. Para que tal seja possível, é importante que os discentes também tomem conhecimento da avaliação realizada pelo professor, residindo, aqui, a relevância de o professor lhes fornecer feedback sobre os êxitos alcançados e as dificuldades reveladas, e que tenham um papel activo no processo de avaliação, por exemplo, pela auto-avaliação e pela hetero-avaliação, reflectindo sobre as próprias produções orais e sobre as dos colegas. Neste trabalho, por questões de metodologia e devido ao facto de a sequência didáctica ter sido implementada num espaço de tempo muito curto, com diferença de um dia entre algumas aulas, tal não foi possível.

Acrescente-se, ainda, que se procurou um tipo de avaliação diferente da tradicional, tendo-se optado por um tipo de avaliação que se desenvolve mediante a realização de actividades em que os alunos mostram, de forma directa, os seus conhecimentos, pondo-os em prática na produção de um discurso oral. Segundo Urmeneta, na linha de Gipps (1994), este tipo de avaliação designa-se avaliação da actuação e é realizada concebendo tarefas assentes na actuação dos alunos, ou seja, «tareas en las que ese conocimiento [da língua oral] se pone en funcionamiento de forma que el resultado es una producción lingüística directa e observable» (2000: 85). Ao realizarem essas actividades, os alunos produzem discursos orais, aprofundando os seus conhecimentos e desenvolvendo as suas capacidades, ao mesmo tempo que fornecem elementos para a avaliação. Pelo que acaba de ser exposto, esta avaliação é designada avaliação autêntica ou de desempenho (ME, 2001).

O modelo de avaliação da expressão oral completa-se com a utilização de técnicas e instrumentos de avaliação adequados. No que respeita às técnicas de avaliação, tendo em consideração os problemas levantados pela observação rigorosa da comunicação oral e a dificuldade em conciliar a função de professora com a de

observadora, optou-se pela análise das produções orais realizadas pelos alunos. Para isso, tornou-se imprescindível recorrer à sua gravação áudio e respectivas transcrições ortográficas e aos guiões de planificação do discurso oral, preenchidos pelos alunos, como instrumentos de avaliação. As gravações áudio fornecem registos das produções orais realizadas pelos alunos no decorrer da sequência didáctica, permitindo escutá-las com atenção e reproduzi-las tantas vezes quantas forem necessárias, de forma a fazer uma avaliação tão cuidadosa quanto possível do desempenho dos alunos nas actividades de expressão oral. O recurso a este instrumento justifica-se não só pelas razões apontadas acima, mas também pela busca de objectividade.