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2.2. A Retórica e a argumentação oral

2.2.3. Conectores discursivos e recursos modalizadores

2.2.3.2. Recursos modalizadores

Sob a designação de recursos modalizadores incluem-se os meios utilizados para manifestar a modalização do discurso. O conceito de modalização tem sido perspectivado de formas diversas por diferentes autores, existindo, por isso, uma grande variação terminológica, no que respeita a este conceito – veja-se a este propósito, por exemplo, Marques (2006). Posto isto, define-se, antes de mais, a forma como é entendida a modalização, neste estudo. Adoptando a proposta de Grau (2003 e 2005), que parte dos trabalhos de autores que se dedicaram a esta questão como, por exemplo,

Kerbrat-Grecchioni, Charaudeau, Maingueneau e Authier-Revuz, considera-se que a modalização consiste, sobretudo, na atitude do emissor em relação aos enunciados/discurso que produz e aos seus interlocutores/destinatários. Citando as palavras de Grau, «la moditizació és l’actitud que adopta el locutor respecte a allò que diu (els enunciatis, el discurs) a la persona a qui ho diu (receptor, destinatari, interlocutor, allocutari, coenunciador) al context immediat i al món en un sentit ampli» (2003, 115).

A modalização manifesta-se de diferentes formas no discurso. Segundo Grau

(2005), existem seis formas de expressar a modalização que deveriam ser consideradas na planificação de discursos orais com os alunos, a saber: presença do emissor no discurso, presença do destinatário no discurso, atribuição de diferentes graus de certeza, validação dos enunciados, transmissão de juízos de valor e preservação da imagem do interlocutor. Estas formas de modalização são realizadas no discurso por diferentes mecanismos, que se designam, neste trabalho, por recursos modalizadores, na linha de Grau (2003). Trata-se de mecanismos diversificados e numerosos, pelo que se apresentam, em seguida, apenas aqueles que foram seleccionados para serem trabalhados em aula. Para uma apresentação mais completa, veja-se Grau (2003 e 2005). Segue-se uma breve exposição sobre as diferentes formas de exprimir a modalização e alguns dos mecanismos linguísticos que as configuram no discurso, partindo dos trabalhos da referida autora.

a) Presença do emissor no discurso

O emissor pode surgir de forma clara num discurso pessoal e subjectivo. Estas modalizações associam-se, normalmente, a um discurso mais «natural», mais espontâneo (Grau, 2005: 80). Além disso, considera-se, frequentemente, que são próprias da argumentação, por exemplo, porque esta assenta na oposição entre o «eu» e o «tu» ou «os outros», que defendem um ponto de vista diferente do do emissor (Cuenca, 1995:30). É de salientar, no entanto, que costumam verificar-se em situações informais e em situações de interacção oral (Cros, 2005: 65). Esta implicação do emissor nos enunciados que produz é expressa, no discurso, por diferentes mecanismos como, por exemplo:

b) Outras formas de primeira pessoa: pronomes possessivos, pronomes átonos e terminações verbais;

c) Expressões introdutórias como: pessoalmente, parece-me, do meu ponto de

vista, na minha opinião.

O emissor pode, também, disfarçar a sua presença, produzindo um discurso impessoal e mais «objectivo», em que os enunciados são apresentados como asseverações objectivas, como evidências. Segundo Grau, este discurso «objectivo» resulta de uma certa planificação que parte de dados subjectivos, sobre cuja validade se fez uma reflexão, possível, apenas, a partir de um determinado distanciamento (2005: 80). Acrescente-se que, apesar de se ter referido que o discurso pessoal e subjectivo é considerado, frequentemente, típico da argumentação, em certas situações, pode ser mais adequado produzir um discurso distanciado e impessoal (Cros, 2005). Por isso, é, igualmente, usual na argumentação o uso de estruturas impessoais, como recurso retórico, que despersonalizam o discurso, criando um efeito generalizador, que pode ter uma maior eficácia argumentativa (Cuenca, 1995). Alguns dos recursos utilizados para produzir um discurso distanciado são os seguintes:

a) O emissor coloca-se por trás de uma terceira pessoa;

b) Sujeitos indefinidos como, por exemplo, as pessoas;

c) A passiva de -se.

O emissor tem, ainda, a possibilidade de diluir a sua presença num plural, num colectivo, evitando uma excessiva implicação no discurso. Deste modo, o emissor apresenta as suas ideias como sendo partilhadas por um colectivo, o que pode imprimir maior força argumentativa aos enunciados. Esta modalização manifesta-se no discurso, mediante o uso de mecanismos como, por exemplo:

a) Inclusão do emissor num plural de autor;

b) O plural como forma de aproximação ao receptor;

c) Primeira pessoa do plural generalizadora (verbos de dizer, de entendimento e de

percepção).

Estas são três formas diferentes de o emissor se inscrever no discurso que produz, sendo que a opção por uma delas é feita em função das características da situação comunicativa em que o discurso se insere.

b) Presença do destinatário/interlocutor no discurso

Como sublinha Grau (2003 e 2005), o destinatário está sempre presente na comunicação. No entanto, a presença do destinatário na comunicação não é o mesmo que a presença do destinatário no discurso, que pode ser mais ou menos evidente. Acontece, muitas vezes, sobretudo na argumentação oral, o emissor implicar o destinatário no discurso que produz, uma vez que a apelação ao interlocutor faz parte da argumentação (Cuenca, 1995: 30). Uma presença explícita do destinatário no discurso é manifestada por diferentes elementos, nomeadamente por diferentes formas de tratamento:

a) Tratamento pessoal e informal: tu;

b) Utilização do nome próprio;

c) Utilização do nome próprio precedido de palavras como senhor, senhora;

doutor, doutora;

d) Tratamento de relação utilizando o nome do cargo: professor, senhor presidente;

e) Uso da primeira pessoa do plural, manifestando aproximação;

f) Tratamento solene: ilustríssimo.

Além desta presença explícita do destinatário no discurso, ele pode surgir de uma forma menos clara, não se encontrando elementos evidentes que marquem no discurso a sua presença. Na argumentação, em concreto, o emissor utiliza, por exemplo, determinados argumentos em detrimento de outros, tendo em conta os seus destinatários/ interlocutores, visto que é necessário produzir argumentos capazes de os convencer.

c) Atribuição de diferentes graus de certeza às afirmações e validação do conteúdo dos enunciados

Num discurso, o conteúdo pode ser apresentado com diferentes graus de certeza. Além disso, o emissor pode apresentar-se como responsável pela informação que integra no discurso ou então atribuir essa responsabilidade a outras vozes que introduz nele.

No que respeita aos graus de certeza que podem ser atribuídos às afirmações produzidas pelo emissor, é possível distinguirem-se três graus principais: o conteúdo pode ser apresentado como totalmente certo; como certo, mas sem que se saliente essa

absoluta e a incerteza ou improbabilidade (Grau, 2005: 83). Alguns dos mecanismos utilizados para exprimir diferentes graus de certeza são os seguintes:

Figura 5: Mecanismos utilizados para exprimir diferentes graus de certeza, de acordo com Grau (2003 e 2005)

Quanto à validação do conteúdo dos enunciados, é importante salientar a necessidade de apresentar explicitamente as fontes de informação, de modo a que se perceba a quem pertencem as informações introduzidas no discurso. Pode acontecer que o emissor seja a fonte e o responsável pela informação que apresenta ou que vá buscar outras fontes, integrando no discurso informação proveniente delas. Sem entrar na questão relativa à introdução desta no discurso, salienta-se, apenas, a importância de se identificarem explicitamente as fontes.

Estas formas de manifestar a modalização devem ser utilizadas tendo em conta a sua adequação à situação comunicativa. No que se refere à argumentação, o emissor defende uma tese, apresentando argumentos aos quais atribui um determinado grau de certeza, que deseja compartilhar com os destinatários/interlocutores, no sentido de ganhar a sua adesão. Além disso, o emissor, como já foi referido, pode introduzir no discurso informação proveniente de outras fontes, por exemplo, para fundamentar a tese defendida com um argumento de autoridade, no caso da argumentação, e para apresentar uma ideia em relação à qual se opõe, no caso da contra-argumentação.

d) Transmissão de juízos de valor

Esta forma de manifestar a modalização diz respeito à apreciação que o emissor faz daquilo de que fala, isto é, à expressão de juízos de valor. Os recursos que podem

Apresentação do conteúdo como absolutamente certo:

Apresentação do conteúdo como possível ou provável:

a) Expressões introdutórias que influenciam a validade dos enunciados.

É obvio que, é evidente que. Parece que, é provável que.

b) Advérbios e expressões com valor adverbial.

Indubitavelmente, seguramente.

Provavelmente, talvez.

c) Palavras que expressam uma restrição ou uma generalização absolutas.

ser utilizados para marcar uma posição valorativa são vários5, ainda que, neste trabalho, se incida, apenas, em unidades lexicais que permitem exprimir um juízo de valor. Entre estas encontram-se «las palavras que, junto con su valor referencial, transmiten una evaluación realizada por el hablante […] a través de la cual se comunica un posicionamento evaluativo» (Grau, 2005: 87). De acordo com a autora, destes recursos são exemplo:

a) Adjectivos: bom, interessante;

b) Substantivos: aprovação, desaprovação;

c) Quantificadores: muito, pouco.

À semelhança dos recursos que têm vindo a ser apresentados, também estes têm de ser utilizados de acordo com a situação comunicativa. A importância deste aspecto da modalização no discurso argumentativo reside, fundamentalmente, no facto de argumentar ser uma operação que contém juízos de valor, uma vez que, num grande número de casos, os enunciados produzidos expressam a valorização que o emissor faz daquilo que é dito.

e) Controlo do uso da linguagem

Nos discursos produzidos numa situação de interacção em que existe controvérsia é fundamental que se usem recursos destinados a propiciar o estabelecimento de um clima cordial entre os interlocutores. É necessário controlar o uso da linguagem para que não se torne agressivo, evitando, assim, a crispação e possibilitando uma interacção respeitosa entre os intervenientes numa situação de comunicação oral (Grau, 2005).

Esta forma de modalização desempenha um papel de relevo na argumentação, em contexto interactivo, dado que se trata de defender uma posição em relação a um tema controverso, perante outro(s) que defende(m) uma posição diferente, com intuito de ganhar a sua adesão. Esta é, portanto, uma situação em que facilmente se pode criar um ambiente de agressividade e de conflito. No sentido de evitar que isso aconteça, impõe-se o recurso à cortesia linguística, que permite argumentar sem agredir, favorecendo o intercâmbio entre os interlocutores. A cortesia ou princípio de cortesia

traduz-se no uso de diferentes máximas como, por exemplo, a de não interromper o interlocutor e a de não proferir insultos ou acusações gratuitas. Além destas, são, ainda, de destacar as que se apresentam de seguida, que consistem numa adaptação das máximas de cortesia de Leech (1983):

a) Máxima do tacto: supõe-se que é necessário pedir autorização ao(s) outro(s) orador(es): «se me permite(m)».

b) Máxima de generosidade: diminui o seu próprio benefício em relação ao benefício do(s) outro(s) orador(es): «gostaria de fazer uma observação que considero que vos vai ajudar».

c) Máxima de aprovação: aumenta a estima pelo(s) outro(s) orador(es): «sei que tem as suas razões para tomar essa posição; no entanto, a minha posição é outra».

d) Máxima de modéstia: diminui o seu valor e aumenta o valor do(s) outro(s) orador(es): «sei que tem grandes conhecimentos sobre o assunto, mas não poderia ser…».

d) Máxima de acordo: diminui o desacordo com o(s) outro(s) orador(es) e aumenta o acordo: «concordo com alguns aspectos que mencionou, mas é preciso ter em conta que…».

As duas primeiras máximas apresentadas devem ser observadas em qualquer situação de comunicação, as restantes cinco devem ser utilizadas de forma adequada à situação de comunicação, tendo para isso em consideração, por exemplo, o tipo de relação entre os interlocutores e o grau de imposição dos actos de fala.