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2. O MODELO DE CIÊNCIA PROPOSTO POR KUHN NA ESTRUTURA

2.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO KUHNIANO

2.3.1. Desenvolvimento científico

A ideia de progresso científico é um tema recorrente entre os filósofos da ciência. É a discussão de fundo na construção de modelos de entendimento do funcionamento da ciência que tentam responder como a ciência evolui e em que situação pode ser compreendida como avançada em relação a um momento histórico anterior.

Discutir o conceito de “progresso” científico a partir da Estrutura é pensar como a ciência acontece de acordo com o modelo proposto por Kuhn. Segundo ele, como vimos, a ciência se desenvolve por meio de processos de ruptura, nos quais se fazem presentes os períodos de ciência normal, crise, revolução e eleição de um novo paradigma.

A compreensão de desenvolvimento da ciência por meio de processos de ruptura se contrapõe à tradição da filosofia da ciência, que em geral aponta para um processo cumulativo do progresso científico. A definição de Laudan (2011: 205) parece bastante pertinente e é dela que compartilho para me referir a ideia de acumulação. Segundo essa visão:

Por “teorias puramente cumulativas” entendo aquelas que aumentam o número de problemas resolvidos e nunca deixam de resolver todos os problemas resolvidos com sucesso pelas predecessoras. Em outras palavras, tais pensadores argumentam que uma condição necessária para que uma teoria, T2,

represente um progresso em relação a outra teoria, T1, é que T2 deve resolver

todos os problemas resolvidos por T1 (LAUDAN, 2011: 205).

A posição kuhniana é sobretudo contra esse tipo de visão. Mas cabe salientar que a ideia de progresso em Kuhn está em nível de compreensão diferente quando relacionada às de filósofos como Popper e Lakatos. Embora a posição de Kuhn pareça ambivalente, como aponta Laudan (2011: 205), é necessário perceber que o progresso científico em Kuhn se dá mediante a superação de um paradigma.

A questão da ambivalência levantada por Laudan é pertinente, pois em sua Estrutura Kuhn defende a ideia de desenvolvimento científico por processos de ruptura (KUHN, 1992: 21; 138) e na sequência, diz que um paradigma deve ter condições de resolver os problemas que geraram a crise de seu antecessor (KUHN, 1992: 38; 44; 116).

Pois bem, há que se observar que o surgimento de um paradigma está relacionado, de forma geral, a apenas duas possibilidades: a) Quando do amadurecimento de uma ciência32 e b) Quando um paradigma entra em crise. Em nenhum caso está sendo considerado que o paradigma deveria resolver todos os problemas anteriores da história da ciência. Não pode ser considerado como objetivo do paradigma ser tão amplo ao ponto de ser capaz de dar conta de todos os problemas históricos de uma disciplina científica.

Isso acontece porque o paradigma está imbuído num conjunto de compreensões que são construídas ao longo do período de ciência normal, sendo o resultado do contexto da pesquisa em que está inserido. O paradigma serve para resolver os problemas que lhes são contemporâneos, pois somente estes são considerados problemas legítimos da ciência. As demais questões não são consideradas problemas e sim capítulos da história da ciência.

De qualquer sorte, tais questões foram superadas por perceber que o problema não havia sido colocado de forma adequada, i. e., o desenvolvimento da ciência implica numa constante colocação de problemas pelos cientistas que, na articulação de um paradigma, vislumbram superar as anomalias não resolvidas. O paradigma é, assim, parte integrante do problema que é colocado, sendo esta colocação determinante para os caminhos percorridos pelo paradigma na tentativa de resolver os problemas colocados.

A questão do desenvolvimento da ciência em Kuhn suscita outro questionamento. Kuhn defenderia uma circularidade do desenvolvimento científico? Se em cada novo paradigma percebe-se o desenrolar das mesmas etapas, não seria seu modelo algo circular? Aparentemente haveria circularidade; mas por meio de uma análise mais apropriada, percebe-se que há um engano na afirmação dessa aparência.

O modelo proposto, apresenta o desenvolvimento da ciência por processos de estabilidade e instabilidade, nos quais os elementos apresentados pelo modelo são o resultado da tentativa de tornar o instável em estável. O paradigma e o trabalho de ciência normal são os momentos de estabilidade, ao passo que a crise do paradigma e a ciência revolucionária compõem o período de instabilidade.

Parece que delinear o modelo em um círculo seria bastante estranho, pois o círculo volta sempre ao mesmo lugar. Uma linha de sucessão seria mais adequada, na qual, até então, os períodos de estabilidade e instabilidade têm se substituído. Afirmar que sempre será assim seria exagero e não há como sustentar essa afirmação. Mas se analisarmos a história da ciência, perceberemos que o modelo de Kuhn é bastante aceitável e se sustenta com os exemplos dados por ele.

O desenvolvimento da ciência seria essa linha de acontecimentos que, em sua relação com o contexto histórico, fornece por meio de um paradigma respostas às perguntas que lhe são feitas. O sucesso ou insucesso do paradigma pode estar relacionado a como essas perguntas são articuladas. O progresso da ciência, portanto, consistiria no desenvolvimento da capacidade de relacionar estes aspectos, o que é desdobrado na capacidade de solucionar problemas.

Se houver algum tipo de acúmulo, seria somente na capacidade de resolver problemas que são ligados ao paradigma. Não há necessidade de um paradigma resolver todos os problemas de todos os paradigmas anteriores, pois, muitas vezes, falam de coisas bastante diferentes, o que indica que a linha de acontecimentos é uma sucessão de fatos no tempo, e não uma sucessão lógica de problemas que estão todos conectados entre si. A linha, portanto, seria apenas temporal, pois dessa forma não há implicação de que todos os problemas estejam conectados, o que denotaria um acúmulo aos moldes discutidos no início desta secção.

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