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2. O MODELO DE CIÊNCIA PROPOSTO POR KUHN NA ESTRUTURA

2.3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO KUHNIANO

2.3.2. O uso de manuais na projeção do paradigma

A discussão proposta sobre os problemas relacionados aos manuais científicos33 tem relevante destaque na Estrutura. A questão do uso de manuais na produção científica pode ser tratada a partir de dois enfoques: a) os manuais são registros do paradigma e servem de escola para as gerações que estão inseridas em suas investigações; b) os registros articulados pelos manuais representam preferências de grupo e o paradigma será alargado com base nessas preferências.

Ora, é óbvio que quando alguma proposta de explicação de algum fenômeno é formulada, ela deverá ser corroborada por meio de estratégias que a assegurem como plausível e aceitável. Tais estratégias devem, antes de mais nada, ser pautadas em princípios

33 Entenda-se pela expressão, todo e qualquer meio de divulgação cientifica impressos ou, em nosso dias, virtuais,

metodológicos válidos, com grau de precisão considerável, a fim de atingir o objetivo proposto. Estes princípios e a própria descrição dos fenômenos pautada no paradigma estão veiculados em manuais científicos que, nesse sentido, servem como instrumentos contextualizadores.

A contextualização da pesquisa é necessária pela amplitude que possui uma comunidade científica. Por sua extensão, é imprescindível que haja um mecanismo capaz de divulgar e tornar conhecidos os rumos que a pesquisa está tomando. Dessa maneira há continuidade das discussões e os membros da comunidade podem se posicionar com base nos argumentos registrados nos mecanismos de divulgação.

Os manuais científicos são, atualmente, categorizados por meio de escalas de indexação, as quais apontam a quantidade de referências feitas a cada texto contido em tais manuais, o que em tese deveria assegurar o grau de confiabilidade. Nesse caso, percebe-se que o grau de confiabilidade está relacionado à aceitação da comunidade, na proporção de enquanto mais citada, mais seguro é o conhecimento ali discutido.

Parece bastante claro que os manuais representam opiniões gerais dos grupos aos quais eles pertencem, pois certamente um artigo que representa certa posição não será publicado em uma revista de um grupo que tenha posição contrária. Não estou dizendo que os manuais são meros instrumentos de um jogo político, mas que servem para sustentar com maior autoridade a posição de um grupo, numa relação que dá força a uma posição, tanto quanto ela seja mais divulgada e, por conseguinte, conhecida.

A força da argumentação está referida por sua divulgação, além das questões racionais que orientam o trabalho científico. O que quero dizer é que se uma teoria muito bem articulada não conseguir ser divulgada, de nada terá adiantado o trabalho de pesquisa, pois para que possa ser comparada a outras teorias, deve ter obtido o reconhecimento da comunidade de que está em condições de concorrer, o que somente poderá acontecer mediante respaldo dos membros da própria comunidade.

Os manuais científicos, além de servirem como instrumentos contextualizadores, servem também como registro histórico da produção científica. Esse registro serve como pano de fundo na análise da sucessão de fatos que marcam a história da ciência, mas não segundo a ideia de “acumulação”, conforme já explicado anteriormente.

A importância dos manuais para manter a coerência na compreensão geral da ciência é perceptível, embora, segundo Kuhn, “esses livros nos têm enganado em aspectos fundamentais.

Seu objetivo é esboçar um conceito de ciência bastante diverso que pode emergir dos registros históricos da própria atividade de pesquisa” (KUHN, 1992: 20).

A implicação direta do que disse Kuhn (1992: 20) é de que os manuais seriam utilizados para explicar um conhecimento verdadeiro, divulgando as pesquisas realizadas, quando, no entanto, pelas mudanças paradigmáticas, a maior parte das questões registradas nos manuais seriam ou revistas ou suprimidas.

A respeito da prática científica e a relação mantida com os meios de divulgação, é necessário compreender os manuais como espaços de reprodução do paradigma, tanto do ponto de vista técnico quanto do político. Isto é, os manuais trazem em suas páginas o registro das técnicas empreendidas em certos experimentos, os resultados obtidos, as esperanças relacionadas às próximas articulações dos experimentos, etc., o que compõe um quadro técnico- metodológico do trabalho científico. Mas em seu aspecto político, há o registro subjetivo e implícito das escolhas feitas ao longo do trabalho, as opções relacionadas às técnicas anteriormente expostas em outros manuais e as linhas de raciocínio que foram preferidas34.

Os manuais científicos são responsáveis pela cristalização de ideias como partes fundamentais do paradigma em processo de alargamento no interior da ciência normal. Mas o trabalho científico não pode ser restrito unicamente aos manuais. Eles são apenas um aspecto do trabalho.

No entanto,

esses textos frequentemente parecem implicar que o conteúdo da ciência é exemplificado de maneira ímpar pelas observações, leis e teorias discutidas em suas páginas. Com quase igual regularidade, os mesmos livros têm sido interpretados como se afirmassem que os métodos científicos são simplesmente aqueles ilustrados pelas técnicas de manipulação empregados na coleta de dados de manuais, juntamente com as operações lógicas utilizadas ao relacionar esses dados às generalizações teóricas desses manuais (KUHN, 1992: 20).

Embora os manuais componham o espaço pelo qual a ciência é divulgada, é apontada agora sua fragilidade. As descrições dos manuais devem ser consideradas somente como possibilidades, e não como a totalidade das observações possíveis. Mesmo tendo o objetivo de

34 Em ambos os casos, pode-se dizer que o único critério realmente válido para as escolhas feitas seria o de

racionalidade, o que implicaria numa supressão do caráter político. No entanto, se o paradigma serve como escola para os cientistas iniciantes, este contato sem precedentes com um paradigma marcará as futuras escolhas do cientista, o que compreende a existência de um caráter político da produção científica.

padronizar algum aspecto da compreensão que um ou outro artigo trate, não pode ser aceito como a compreensão final do aspecto que está discutindo, pois deve ser levado em conta que supor essa unificação como caminho para a compreensão final seria reduzir ao absurdo a produção científica.

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