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Modelos de projeção da demanda e da oferta de energia

3.2 Desenvolvimento histórico e usos

Até a década de 1960 os modelos de planejamento da expansão de sistemas energéticos eram quase todos setoriais, com modelagens separadas da demanda, empregando técnicas econométricas, e da oferta, usando técnicas relativamente simples de simulação ou programação matemática. Os setores estudados eram o elétrico, o de petróleo e gás, e, em alguns países, o de carvão. O desafio das projeções da demanda energética era se tentar capturar, de uma forma praticamente determinista, as principais tendências do mercado. O planejamento da oferta era determinativo.

Os choques dos preços do petróleo, em 1973 e 1979, provocaram uma verdadeira revolução na modelagem de sistemas energéticos:

• Aumentou muito o interesse nos modelos multisetoriais e globais, assim como nos modelos integrados demanda/oferta;

• Desenvolveu-se rapidamente a categoria dos modelos técnico-econômicos, contábeis ou de simulação para a projeção da demanda energética, com a conseqüente valorização, nos países desenvolvidos, de levantamentos de campo para se determinar as distribuições, por usos finais e/ou tipos de equipamentos, da demanda de energia e se realizar pesquisas de posse e hábitos destes equipamentos. Tais modelos se mostraram convenientes para simular rupturas de padrões estabelecidos de consumo de energia, com estavam ocorrendo na época (BAJAY, 1983);

• Por conta da competição criada com os novos modelos de projeção da demanda energética supracitados, houve grandes avanços metodológicos no uso dos modelos econométricos (GRIFFIN, 1990), incluindo formulações teóricas mais elaboradas, envolvendo ajustes parciais ao longo do tempo e variáveis explanatórias mudas, um uso intenso do cruzamento de dados em séries temporais com dados em seção transversal, para se resolver os freqüentes problemas de multicolinearidade ocasionados pelo emprego de modelos com mais variáveis e, sobretudo, variáveis defasadas no tempo, e a utilização crescente de métodos estatísticos mais sofisticados, tais como o de mínimos quadrados generalizado e o da máxima verosemelhança, para se estimar os parâmetros dos modelos; e

• Os planos de expansão, incluindo as projeções do mercado, passaram, paulatinamente, a adquirir um caráter de estudos prospectivos (ARAÚJO, 1988), empregando, em geral, a técnica de cenários, utilizada antes só por algumas grandes corporações militares ou civis, como, por exemplo, a Rand Corporation, nos EUA, em exercícios de planejamento estratégico. Além disso, o planejamento da oferta, sobretudo no longo prazo, passou a ter uma conotação indicativa, que se transformava em determinativa só no curto e médio prazos.

Até hoje há ferrenhos defensores das abordagens econométrica ou de simulação para a projeção da demanda energética. Como o objetivo de conciliar as vantagens comparativas e minimizar as limitações de ambas as abordagens, a partir da década de 1980 se passou a desenvolver modelos mistos, cujo componente de simulação costuma ser dominante quando as projeções são para o longo prazo; para estudos de curto e médio prazo em geral predominam as relações econométricas (BAJAY, 2004c).

Os modelos integrados demanda/oferta foram, em sua grande maioria, desenvolvidos na segunda metade da década de 1970 e primeira metade da década de 1980, tendo como principal motivação a busca de alternativas para se diminuir a dependência de derivados de petróleo, em grande parte importados para a maioria dos países, e se aumentar a segurança do suprimento energético, de preferência com fontes locais, ou, então, pelo menos, fontes externas menos voláteis, em termos de preços, do que o petróleo na época.

A queda e posterior estabilização nos preços do petróleo a partir de meados da década de 1980 freou este processo e diminuiu o interesse no desenvolvimento e uso destes modelos. Por outro lado, as preocupações sobre os impactos ambientais da indústria de energia nos âmbitos regional e global – chuvas ácidas, “smog” e efeito estufa – reascenderam o interesse pelo uso destes modelos para se tentar avaliar estes impactos; esta nova utilização destes modelos praticamente se iniciou em meados da década de 1980. Huntington e Weyant (2002), do Energy Modeling Forum, Stanford University, CA, EUA, descrevem as características básicas dos principais modelos integrados que tem sido utilizados nos últimos anos para se mensurar a emissão de gases que causam o efeito estufa.

Schumpeter (1942) identificou três tipos distintos de mudanças tecnológicas que tem ocorrido em economias modernas: (i) a invenção de novos meios de se satisfazer às necessidades

e desejos humanos, ou a criação de novas necessidades ainda não identificadas ou satisfeitas; (ii) a inovação, que ocorre através de melhorias e refinamentos contínuos dos meios existentes para se satisfazer às necessidades do ser humano, e (iii) a difusão de novas tecnologias ao longo do tempo e entre os diversos segmentos da economia. Huntington e Weyant (2002) comentam que a maior parte dos modelos integrados demanda/oferta que tem avaliado recentemente as emissões dos gases que causam o efeito estufa procuram levar em conta os impactos dessas inovações tecnológicas, mas que eles ainda não incorporam o efeito dos preços dos energéticos sobre estas inovações – difusão no curto prazo, inovação no médio prazo e invenção no longo prazo, processo este só iniciado há pouco.

A principal categoria de modelos energéticos integrados demanda/oferta – os modelos de equilíbrio – se desenvolveu tanto na forma de modelos de equilíbrio parcial ou setorial – setor energético, como na forma de modelos de equilíbrio geral. Apesar das vantagens teóricas desta segunda categoria, os modelos de equilíbrio parcial tem sido mais empregados, até agora, no setor energético (BAJAY, 2003b), por conta da possibilidade de se representar às características, sobretudo tecnológicas e econômicas, deste setor com os detalhes necessários aos estudos, limitado tão somente às restrições inerentes ao nível de agregação dos dados disponíveis. A possibilidade recente de se empregar, sem transtornos computacionais, a abordagem híbrida descendente/ascendente, discutida na seção anterior deste capítulo, que permite um tratamento mais detalhado do setor energético, tende a valorizar mais, no futuro, o uso dos modelos de equilíbrio geral, seja de uma forma isolada, ou em conjunto com modelos de equilíbrio parcial, nos estudos de planejamento da expansão do setor energético.

A família de modelos Markal (ETSAP, 1999; ETSAP, 2004) ilustra bem boa parte do desenvolvimento histórico resumido nesta seção. A primeira versão desta família foi desenvolvida pelo Brookhaven National Laboratory (BNL), dos EUA, no fim da década de 1970, para o Energy Technology Systems Analysis Programme (ETSAP), da International Energy Agency (IEA), e para o United States Department of Energy (DoE). Tratava-se de um modelo de programação linear dinâmica que otimizava a expansão das diversas cadeias de energéticos, que compõem o que o BNL chama de “Sistema Energético de Referência” (SER), a fim de se atender demandas energéticas projetadas, por usos finais; a função objetivo do problema é a minimização do custo total desta expansão ao longo do horizonte de planejamento. Desde a sua concepção, o

modelo tem representado com bastante detalhe as tecnologias de conversão e uso final de energia envolvidas no SER objeto de estudos, sendo este o principal motivo responsável pelo uso deste modelo pelo ETSAP, da IEA, até os dias de hoje.

Com o passar do tempo, novas versões foram surgindo. Uma delas incorpora variáveis inteiras, enquanto que uma outra, financiada pela Environmental Protection Agency, do governo americano, emprega programação multiobjetivo, através da técnica conhecida como “goal programming”, com duas funções objetivo, a tradicional, de minimização do custo total da expansão, e uma outra que visa objetivos ambientais. Há uma versão, denominada de “programação estocástica”, que permite se associar probabilidades às diversas variáveis de cenário simuladas. Uma outra versão detalha os fluxos de materiais do Sistema Energético de Referência, permitindo uma otimização mais criteriosa da reciclagem e disposição final de resíduos industriais e municipais. O modelo Markal também tem sido utilizado em estudos multi- regionais, envolvendo diversos estados ou províncias de um país, assim como diversos países; neste contexto, a US Energy Information Administration, que faz parte do DoE, escolheu uma versão do Markal, denominada “System for Analysis of Global Energy Markets” (SAGE), para servir como principal ferramenta de modelagem na preparação de sua publicação anual denominada International Energy Outlook, a partir de 2003, e a IEA pretende agregar os trabalhos do ETSAP em suas projeções bianuais do World Energy Outlook.

Na família Markal, uma primeira tentativa de se levar em conta elasticidades-renda e preço da demanda foi através da interação entre o modelo de otimização da oferta e um modelo macroeconômico clássico, o Macro, que utiliza funções de produção com elasticidade de substituição constante envolvendo três fatores de produção agregados: capital, trabalho e energia. As limitações desta primeira abordagem foram superadas com a transformação do modelo original, de otimização do suprimento energético, em um modelo de equilíbrio parcial, onde o equilíbrio é obtido através da intersecção das curvas de demanda e de oferta para cada uso final, ou serviço energético. As elasticidades-preço das curvas de demanda são fornecidas pelo usuário, sendo esta últimas linearizadas por partes pelo modelo, a fim de poderem ser incorporadas na estrutura linear do problema. A nova função objetivo do problema passa a ser a maximização da soma dos excedentes do produtor e do consumidor, o que garante se atingir uma situação de equilíbrio parcial para o setor energético analisado.

Uma outra versão, recente, do Markal permite um tratamento endógeno de inovações tecnológicas, no longo prazo, através da incorporação de relações estimadas entre vendas acumuladas, em uma escala global, e os custos de investimento em algumas “tecnologias chaves”, que tendem a declinar com a experiência no desenvolvimento e uso destas tecnologias.

Finalmente, a também recente versão Times desta família, que é uma integração dos modelos Markal e Efom, permite o uso de intervalos de planejamento variáveis ao longo tempo e a classificação e tratamento das tecnologias por geração, ou idade, dos equipamentos, o que flexibiliza bastante a modelagem, possibilitando, por exemplo, a distinção entre a vida econômica e a vida útil dos equipamentos e a análise do possível interesse de modernizações visando a extensão da vida de equipamentos ou usinas.

No momento, a família Markal de modelos é utilizada por mais de 100 instituições em mais de 50 países, em exercícios de planejamento energético e ambiental (simulação de políticas de controle das emissões de gases que causam o efeito estufa, alternativas de tratamento e disposição final de resíduos, etc.), envolvendo municípios, estados ou países.