• Nenhum resultado encontrado

Propostas para uma modelagem integrada eficiente e abrangente da expansão do setor energético brasileiro

Modelos de projeção da demanda e da oferta de energia

3.4 Propostas para uma modelagem integrada eficiente e abrangente da expansão do setor energético brasileiro

Para se efetuar uma modelagem integrada da expansão a longo prazo do setor energético brasileiro pode-se empregar só um modelo de equilíbrio geral, só um modelo de equilíbrio setorial, ou ambos.

Um modelo de equilíbrio geral simula a evolução da economia como um todo e as principais relações econômicas entre os seus segmentos componentes, mas representa, usualmente, de uma forma pouco detalhada o setor energético. Apesar disto, ele pode ser útil em

estudos prospectivos onde não se exige um nível de detalhe muito grande na representação deste setor. O módulo de atividade macroeconômica do NEMS e o modelo MIS são bons exemplos de modelos macroeconômicos amplamente utilizados no exterior.

Os modelos de equilíbrio geral também tem sido muito usados para simular políticas ou eventos exógenos. Um caso base é construído para refletir a realidade corrente. Cenários são construídos alterando-se os valores de algumas variáveis exógenas ou parâmetros do modelo, para refletir mudanças estruturais ou conjunturais. Um novo equilíbrio, após as mudanças, é então computado, tornando possível se quantificar os impactos econômicos das alterações introduzidas (SCARAMUCCI et alii, 2002).

Já um modelo de equilíbrio setorial geralmente representa com bastante detalhe a evolução do setor para o qual ele foi construído, como, por exemplo, é o caso do modelo IDEAS, para o setor energético. A sua utilização de uma forma isolada, no entanto, pode gerar problemas de consistência macroeconômica nos cenários alternativos de desenvolvimento empregados na modelagem.

Como pode se depreender das descrições, feitas neste capítulo, do sistema NEMS de modelagem, do uso integrado dos modelos MIS e IKARUS-LP e do modelo MARKAL- MACRO, a tendência, já há alguns anos, tem sido a de se empregar modelos de equilíbrio setorial, para o setor energético, com uma estrutura modular ou não, junto com modelos de equilíbrio geral, de uma forma iterativa. Com esta estratégia é possível se minimizar as desvantagens e se maximizar as vantagens relativas de cada uma das abordagens anteriores.

Uma outra abordagem que pode ser designada como “mista” ou “híbrida” (BÖHRINGER, 1998) representa o setor energético em modelos de equilíbrio geral através de uma estrutura mais detalhada, linear ou não, denominada ascendente (bottom-up), enquanto que os outros setores da economia são representados na forma agregada tradicional dos modelos de equilíbrio geral, conhecida como descendente (top-down), utilizando, por exemplo, funções de produção do tipo CES (constant elasticity of substitution). Este tipo de modelo de equilíbrio geral é mais interessante para aplicações no setor energético e pode ser formulado matematicamente como um problema misto de complementaridade (BÖHRINGER, 1998; SCARAMUCCI et alii, 2002).

Os modelos de equilíbrio podem ser estáticos ou dinâmicos, estes últimos como os descritos neste capítulo.

Alguns dos modelos analisados neste capítulo foram elaborados sob medida para os sistemas energéticos em que foram, ou são, aplicados, como é o caso do NEMS, IDEAS e AEPSOM, enquanto outros possuem uma estrutura mais geral, passível de aplicação imediata em diferentes sistemas energéticos, como tem ocorrido com os modelos MIS, IKARUS-LP, MARKAL e EFOM.

As discussões realizadas neste capítulo apontam para a necessidade de que os modelos de planejamento da expansão de sistemas energéticos a serem utilizados, no futuro, pelo Ministério de Minas e Energia (MME), ou pela recém-criada Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), em exercícios abrangentes de prospecção econômica, tecnológica, energética e ambiental envolvendo horizontes de dez e vinte anos, devem compreender tanto o lado da demanda como o da oferta de energia e que devem ter fortes vínculos com o resto da economia, ou seja, que eles devem ser modelos de equilíbrio econômico.

Quanto aos tipos de modelos de equilíbrio econômico aqui discutidos, para os estudos prospectivos de longo prazo (horizonte de vinte anos), que dão origem às projeções da Matriz Energética Brasileira, poderia ser desenvolvido um modelo de equilíbrio geral, dinâmico, com rebatimentos nos estados da Federação e que utilizaria a abordagem mista: descendente/ascendente, que constitui hoje o estado-da-arte na aplicação destes modelos no setor energético. Na parte descendente do modelo, em que se representa o resto da economia, se utilizaria matrizes insumo-produto atualizadas e regionalizadas, enquanto que na parte ascendente se detalharia o setor energético, de acordo com os objetivos a serem alcançados com a modelagem; vários tipos de detalhamento, com suas respectivas bases de dados, deveriam estar disponíveis para uso no modelo, atendendo às necessidades especificadas pelo Ministério de Minas e Energia.

Já os estudos dinâmicos mais elaborados dos planos decenais de expansão, envolvendo programas de investimentos, requerem modelos de equilíbrio parcial, em que se aprofunda, o quanto se necessitar, a representação dos vários segmentos do setor energético. Estes modelos podem tratar o setor energético como um todo, compreendendo, por exemplo, um módulo de demanda, um de oferta e um módulo macroeconômico, que estabeleceria o equilíbrio entre os dois e tentaria garantir uma certa consistência macroeconômica dos cenários alternativos de desenvolvimento adotados, tal qual ocorre com o modelo MARKAL-MACRO, ou, então,

constituir um conjunto de vários módulos de demanda e de oferta, além de um módulo macroeconômico e de um módulo integrador, que representariam com mais detalhes cada elo da cadeia de produção, transporte e consumo dos vários segmentos energéticos, como faz o sistema de modelos NEMS, do Department of Energy (DoE), do governo americano (BAJAY, 2003b).

Esta segunda abordagem, embora possa apresentar mais problemas de convergência para o equilíbrio que a anterior, permite o aproveitamento de modelos já utilizados no Brasil, como, por exemplo, o MELP e o NEWAVE, além de facilitar o aproveitamento das inúmeras experiências de modelagem, desenvolvidas ao longo das últimas décadas, por várias universidades e institutos de pesquisa no País. Adicione-se a estes argumentos a importante possibilidade de se utilizar os diversos módulos de uma forma isolada ou, então, não necessariamente, todos juntos, em inúmeros estudos exploratórios que freqüentemente podem ser demandados pelo Ministério de Minas e Energia ou pelo Conselho Nacional de Política Energética. Seguindo a estrutura dos balanços, ter-se-ia módulos de oferta/importação, transformação e transporte separados por elo de cada uma das principais cadeias de energéticos; os módulos de demanda, por outro lado, seriam por segmento consumidor e uso final, e não por tipo de energético, a fim de se poder explorar adequadamente as possibilidades futuras de substituição e conservação.

Os módulos de tal modelo de equilíbrio parcial serviriam, também, para auxiliar na especificação funcional e estimação de parâmetros das várias representações possíveis do setor energético na parte ascendente do modelo de equilíbrio geral. Este último, por seu turno, poderia ser utilizado como módulo macroeconômico no modelo de equilíbrio setorial.

Esta dupla abordagem permitiria minimizar os riscos envolvidos nesta construção de modelos, já que dificilmente ocorreriam falhas comprometedoras nas duas abordagens e com diversos grupos de modelagem envolvidos, além de possibilitar a obtenção de resultados parciais importantes ao longo da execução do projeto. O prazo estimado para se ter uma primeira versão destes dois modelos de equilíbrio, devidamente testados e homologados pelo MME, é de dois anos (BAJAY, 2003b).

Os dois modelos poderiam ser desenvolvidos por um único consórcio vencedor de uma licitação, ou o trabalho poderia ser segmentado e licitado por módulos, como foi feito pelo DoE, no caso do sistema de modelos NEMS. Neste segundo caso, é fundamental que o MME estabeleça, desde a elaboração dos editais, que os diversos módulos sejam compatíveis entre si.

Os grupos que têm trabalhado com modelos de equilíbrio econômico no Brasil tem demonstrado pouca ou nenhuma experiência no planejamento da expansão de sistemas energéticos, enquanto que os grupos que possuem esta experiência, pouco ou nada conhecem sobre modelos de equilíbrio econômico. Logo, caso sejam adotadas por parte do Ministério de Minas e Energia as propostas de modelagem sugeridas neste trabalho, é necessário que haja uma junção destas duas competências (BAJAY, 2004b).

Os modelos poderiam ser desenvolvidos com exclusividade para o MME, ou, então, constituírem objeto de licenças por parte de seus criadores, com direito a atualizações para os detentores das licenças e uso livre pelas equipes do Ministério e da EPE. Este último arranjo deve custar menos. Com o desenvolvimento de um modelo próprio, o Ministério de Minas e Energia deixaria de adquirir de terceiros serviços de modelagem para o planejamento da expansão de sistemas energéticos, tendo total controle dos softwares e desenvolvendo capacitação técnica para utilizá-los.

Os benefícios advindos de convênios com instituições com larga experiência no exterior em modelagem da expansão, a longo prazo, de sistemas energéticos, tais como a International Energy Agency (família de modelos Markal) e o US Department of Energy (sistema NEMS de modelagem e a versão SAGE do modelo Markal) deveriam ser avaliados pelo MME, tanto para se conseguir realizar, a curto prazo, alguns exercícios de planejamento com aqueles modelos, enquanto o Ministério não tiver operacionais os seus próprios modelos, e no caso da adoção das propostas de desenvolvimento do modelo de equilíbrio geral proposto neste trabalho, para auxiliar na montagem da parte ascendente deste modelo e de alguns módulos do modelo de equilíbrio parcial; além disso, os resultados destes modelos utilizados no exterior sempre podem ser úteis para balizar os resultados dos exercícios prospectivos elaborados pelo MME.

É fundamental se ter em mente que há uma correspondência biunívoca entre a sofisticação possível de um determinado modelo e a abrangência e precisão das informações contidas no banco de dados associado a este modelo, informações estas que, freqüentemente, não são disponíveis nas estatísticas oficiais do governo, requerendo levantamentos de campo de diversos tipos e custos. Vários modelos discutidos neste capítulo, ou partes deles, como, por exemplo, alguns módulos de demanda do NEMS, não são aplicáveis ao Brasil no curto prazo por não se ter, no momento, parte dos dados necessários para a sua utilização. Logo, caso o MME invista

em uma estrutura própria de modelagem para o plano energético integrado de longo prazo deverá também contemplar o esforço e o custo associados à construção de uma sólida e confiável base de dados para os modelos envolvidos.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Agência Nacional de Petróleo (ANP), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e diversas empresas importantes do setor energético brasileiro, como a Eletrobrás, Petrobrás, CEMIG (WERNECK & AZEVEDO, 1995) e CESP (CAUVILLA et alii, 1995) criaram elaborados sistemas de informação para apoio a atividades de planejamento ou regulação. Apesar de inúmeras tentativas, o MME ainda não conseguiu implantar, de uma forma satisfatória, o Sistema Nacional de Informações Energéticas (SNIE). Tal implantação, no entanto, é um pré-requisito fundamental para o futuro sucesso das propostas de modelagem discutidas neste capítulo.

Os principais sistemas de informação relacionados ao setor energético brasileiro atualmente disponíveis para consulta pública, que são as bases de dados do MME, Eletrobrás, ANEEL e ANP, são analisados no próximo capítulo, onde também se discute a proposta de formação, a partir dos sistemas existentes, de um Sistema Nacional de Informações Energéticas, além de contemplar duas propostas, de um Sistema de Informações Executivas e de um Sistema de Informações Geográficas, para o Ministério de Minas e Energia, que poderiam trazer inúmeros benefícios para a gestão do Ministério.

Capítulo 4