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Tratamento das incertezas nos modelos energéticos e a necessidade de descentralização do processo de planejamento

5.4 Uma nova fase de descentralização no processo de planejamento energético no País

O planejamento energético adquiriu uma maior importância, no mundo todo, a partir da década de 1970, na esteira dos choques dos preços do petróleo.

Nas décadas de 1970 e 1980 vários estados brasileiros, como, por exemplo, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia, tiveram importantes papéis no planejamento energético então realizado no País. A sua atuação ocorreu em dois níveis, o da administração direta, através de secretarias de energia ou de infra-estrutura, com os altos e baixos verificados nas administrações públicas no País, e o da administração indireta, através de empresas estatais controladas pelos governos estaduais. Estas últimas apresentaram maior continuidade e estabilidade ao longo do tempo. Destacaram-se, neste campo, a CESP em São Paulo, a CEMIG em Minas Gerais, a COPEL no Paraná e a COELBA na Bahia, todas elas empresas concessionárias do setor elétrico. A crescente interligação do parque gerador hidrotérmico nacional, sobretudo a partir da década de 1990, e o fortalecimento contínuo do Grupo Eletrobrás foram esvaziando paulatinamente estas atividades descentralizadas de planejamento.

Os setores de petróleo, como um todo, e de gás natural, em suas atividades upstream, no Brasil, já nasceram, com a Petrobrás, de uma forma centralizada e continuam como tal. As atividades downstream da indústria do gás, conforme discutido no capítulo 2 desta tese, são descentralizadas, mas seu planejamento, até agora, tem sido precário.

O planejamento de outras cadeias energéticas no País, como, por exemplo, as do álcool combustível, carvão mineral e carvão vegetal, tiveram uma fase de centralização na época do regime militar, descentralizando-se a partir da década de noventa. Já há anos as atividades destas cadeias carecem de uma coordenação adequada, o que tem comprometido sobremaneira o seu planejamento.

A administração federal do Presidente Luis Inácio Lula da Silva tem procurado fortalecer os papeis do MME como único formulador de políticas energéticas no País, papel este formalizado na figura do Ministro de Minas e Energia como presidente do Conselho Nacional de Política Energética, e como responsável pelo planejamento da expansão do setor energético brasileiro. A criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) como órgão de apoio ao Ministério nas atividades de planejamento visou reforçar a concretização do segundo papel.

Se, de um lado, não tem havido contestações de que cabe ao MME estes dois papeis, por outro lado, para que aumentem as chances de que novas políticas e os planos sejam efetivamente implementados, outros agentes devem participar de sua formulação, sob a coordenação do Ministério.

No mundo todo, a única forma de planejamento governamental que tem obtido sucesso, de uma forma sustentável, é o planejamento participativo, envolvendo diversos níveis governamentais e a iniciativa privada, através de suas instâncias mais representativas.

Tanto no planejamento energético como na formulação de políticas energéticas existe um importante espaço a ser preenchido, novamente, pelos governos estaduais. Diferente do passado, no entanto, isto poderia se dar de uma forma complementar à atuação do governo federal e sob a coordenação do MME. Atividades como políticas de fomento a uma maior difusão do gás natural em certos mercados, geração distribuída de energia elétrica através de certas tecnologias, novos programas de eficiência energética em certos segmentos consumidores, e programas de universalização do acesso ao fornecimento de energia elétrica, e o seu correspondente planejamento, podem ser executadas com maior eficácia pelos governos estaduais, explorando, com melhor conhecimento de causa e facilidade de interações com os agentes, públicos e privados interessados, as potencialidades locais.

Além disso, cada vez mais os rumos da expansão do setor energético dependem das políticas ambientais e de utilização de recursos hídricos vigentes e estas são descentralizadas no País, através dos sistemas nacionais de meio ambiente e de recursos hídricos, respectivamente, que envolvem não só os governos estaduais, como, também, os municipais. Esta descentralização facilitaria as negociações, como por exemplo, na obtenção de licenças ambientais prévias, ou outorgas de uso da água, junto às instâncias estaduais correspondentes.

A descentralização de parte das atividades de formulação de políticas públicas na área de energia e de planejamento energético para os estados poderia ser efetuada através de convênios com as secretarias estaduais de energia, ou de infra-estrutura, nos moldes, por exemplo, dos convênios que a ANEEL possui com as agências reguladoras estaduais1. Estes convênios garantiriam, tal qual ocorre no caso da ANEEL, a coordenação do processo pelo órgão do governo federal, no caso o MME. De uma forma similar aos convênios da ANEEL, os convênios

do MME também só seriam assinados com os estados que tivessem condições técnicas e organizacionais que garantissem uma execução adequada das tarefas objeto dos convênios; estas tarefas, inclusive, deveriam ser diferenciadas entre os estados, refletindo os diferentes interesses e capacitações locais.

Uma outra instância importante de possível descentralização de atividades de planejamento energético pode dar-se no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográficas, compostos por representantes das prefeituras dos municípios que compõem as bacias. De acordo com a atual legislação de recursos hídricos, cabe a estes comitês definir as prioridades de uso da água, assim como elaborar um plano de utilização dos recursos hídricos das bacias. Esta parece ser a melhor forma de envolver os governos municipais, agregados por bacias hidrográficas, no planejamento energético.

O Ministério de Minas e Energia propôs, em 2002, a realização de um planejamento integrado de recursos (PIR), indicativo, no âmbito das bacias hidrográficas nacionais, envolvendo os recursos hídricos, a energia elétrica e o gás canalizado como vetores de desenvolvimento local (BAJAY, 2001b). Alguns estudos preliminares para a bacia dos rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari chegaram a ser iniciados em 2002, mas eles foram descontinuados na administração federal do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Bajay e Leite (2004) têm dado continuidade a este trabalho na bacia destes rios, no que diz respeito ao planejamento de programas de eficiência energética.

Os principais produtos deste PIR indicativo por bacia hidrográfica seriam (BAJAY e LEITE, 2004):

• Metas e/ou projetos economicamente factíveis e de baixo “risco regulatório” de usinas hidrelétricas, termelétricas e fontes renováveis não convencionais de geração de eletricidade, além de extensões de gasodutos, satisfazendo diretrizes emanadas dos comitês de bacias e dos órgãos ambientais, em termos de usos múltiplos da água e impactos ambientais, que estariam à disposição de empreendedores interessados; e

• Programas integrados de conservação de energia.

5.5 Um estudo de caso de descentralização na montagem de cenários alternativos de