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Por fim, quando o preconceito crê como certo que a homossexualidade é um fenômeno a ser esclarecido em sua causa específica, devemos deslocar a questão sobre a sua pretendida causa para uma outra: assim, ao invés de se querer saber “qual a causa da homossexualidade?”, deve-se perguntar: por que e qual a origem do pre-conceito em torno da homossexualidade?

Muito ainda resta a ser feito. É a própria compreensão da sexualidade huma-na que deve ser revista ou a própria idéia de uma substância chamada sexualidade que deve desaparecer. Após séculos de condenação pela religião, pelo Estado e pela ciência (ou pseudo-ciência?), um conhecimento livre de preconceito na compreen-são da sexualidade, do desejo sexual, permanece uma construção a ser continuamen-te desenvolvida e um desafio a ser assumido por aqueles que continuamen-tenham compromisso com a crítica do preconceito e com a emancipação e a felicidade humanas.

A crítica ao preconceito tem sempre novas lutas a empreender. E uma delas é desfazer o engano de correntes entre os próprios homossexuais que, ca-ídos também no determinismo biológico que criticamos antes, acreditam que encontraram nos favores da genética uma maneira de enfrentar o preconceito:

admitindo a tese segunda a qual a homossexualidade é um fenômeno enzimático, endocrinológico, ou genético, teria se chegado assim ao patamar no qual se po-deria impor a verdade de uma “homossexualidade natural”, seguindo o engano de uma “heterossexualidade natural”. Poder-se-ia, dessa forma, combater os precon-ceituosos, o discurso religioso, alegando a natureza natural da homossexualidade – espécie de apelo à sociedade para que aceite os homossexuais, pois tratar-se-ia de algo da ordem do nascimento (estaria, pois, nos planos do Criador) em

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lação ao que “não se pode ir contra”. Mais uma vez o preconceito vencerá caso se caia nessa armadilha: ora, a aceitação da homossexualidade deve acontecer na sociedade por sua mudança de conceitos, paradigmas, valores e não por acomo-dação a uma pretendida “verdade” que estaria na “própria constituição genética”

dos homossexuais. A invenção do “gene da homossexualidade” é outra vez o tra-balho do preconceito e da ideologia na história.

Uma outra batalha a se empreender é fazer com que se compreenda que as lutas dos homossexuais pela cidadania plena (direito ao reconhecimento pelo Estado e pela lei de suas uniões conjugais, direitos de herança, direito à adoção por casais gays, entre outros direitos que se têm conquistado em diversos países) não são um ingênuo “desejo de normalização”, uma queda na ideologia (burguesa ou outra), mas um nível de luta política em que se questionam as idéias de nor-malidade e de democracia, quando esta se limita a direitos que excluem significa-tivos segmentos da população em diversos países – os homossexuais entre os mais excluídos (MOTT, s/d.).

Por fim, poderíamos assinalar o fracasso, mais uma vez, de teses que preten-dem aprisionar os homossexuais numa espécie à parte, pois as lutas pela cidadania plena desconstroem até mesmo aquelas teses que se apresentam com o charme li-bertário que destina aos homossexuais o papel de “sublimes perversos” da cultura, subversivos marginais da ordem. Esta tese, como assinalou Elisabeth Roudinesco,

“está prestes a desaparecer” (ROUDINESCO, 2002: 46) com a atitude dos ho-mossexuais que, sabendo que toda normalidade é uma construção social e histórica, procuram redefinir uma nova normalidade social em que a homossexualidade não seja estigmatizada como exceção, desvio, inversão, patologia, anormalidade, mas seja vista como uma expressão da sexualidade humana, uma orientação sexual, entre outras, em torno da qual se podem organizar afetos, laços, famílias. Aqui, quando os homossexuais questionam os próprios conceitos de normalidade social, democracia e cidadania nas sociedades nas quais vivemos.

Amanhã, teremos superado todo o preconceito se não tivermos mais questões a colocar sobre a causa própria da homossexualidade.

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Fernando Seffner*

Equívocos e