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3. DESLOCAMENTO HUMANO POR CAUSAS E ALTERAÇÕES

3.3 Deslocados internos

Antes de falar especificamente dos deslocados ambientais, necessário perpassar pelo tema dos deslocados internos. Segundo a ONU:

os deslocados internos são pessoas, ou grupos de pessoas, forçadas ou obrigadas a fugir ou abandonar as suas casas ou seus locais de residência habituais, particularmente em consequência de, ou com vista a evitar, os efeitos dos conflitos armados, situações de violência generalizada, violações dos direitos humanos ou calamidades humanas ou naturais, e que não tenham atravessado uma fronteira internacionalmente reconhecida de um Estado262

O documento “Princípios Orientadores Relativos Aos Deslocados Internos” é produto da Comissão de Direitos Humanos da ONU a qual nomeou, em 1992, o ex- diplomata Francis Deng para elaborar um relatório acerca das dificuldades dos países no enfrentamento dos fluxos migratórios internos com o objetivo de criar uma estratégia comum para proteger os indivíduos internamente deslocados. Ainda que o relatório tenha trazido a necessidade de criar um organismo dentro da ONU, foi levado em consideração

261 OJIMA, Ricardo; NASCIMENTO, Thais Tartalha do. Meio ambiente, migração e refugiados

ambientais: novos debates, antigos desafios. Encontro Nacional da ANPPAS, 4, 2008, Brasília. p. 1

262 OHCHR. Princípios orientadores relativos aos Deslocados Internos. 1998. Disponível em:

<https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Documentos_da_ONU/Principios_o rientadores_relativos_aos_deslocados_internos_1998.pdf>

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que tal elaboração demandaria questões sensíveis dos Estados, resultando, no documento com orientações através de princípios à proteção dos deslocados internos263.

Tais princípios reforçam o que preveem os preceitos do DIH, DIDH e a DUDH, os quais preceituam a proteção da dignidade humana em todos os viés de direitos humanos e, nos casos dos deslocamentos internos, o documento traz a necessidade da inteira assistência e proteção durante o movimento migratório, divididos em: i) princípios gerais; ii) princípios referentes à proteção da deslocação; iii) princípios referentes à proteção durante a deslocação; iv) princípios referentes à assistência humanitária; v) princípios referentes ao regresso; reinstalação e reintegração264.

Sem um aparato institucional tal qual possuem os refugiados em sede internacional, por apresentarem dificuldade de acesso à devida tutela pela omissão ou até, algumas vezes, ações violadoras do próprio Estado que deveria conceder a sua proteção, o ACNUR, através da Reforma Humanitária das Nações Unidas ocorrida em 2005, atribuiu-se em liderar a coordenação da assistência humanitária a estes indivíduos.

Em 2008, o Alto-comissário António Guterres, reiterou o compromisso do organismo na temática, garantindo que “continuamos a fortalecer nosso comprometimento com a proteção dos deslocados internos, assumindo nossas responsabilidades junto à estratégia de ação conjunta do Sistema ONU, conhecida como Cluster Approach”. A Cluster Approach é uma abordagem utilizada para emergências humanitárias que não sejam de refugiados. Além disso, frisa o discurso que o ACNUR tem “assumido responsabilidades de destaque em relação aos deslocados internos. Continuamos apoiando completamente o processo de Reforma Humanitária e seus objetivos”, encontrando sinergias significativas entre o cuidado com os refugiados e os deslocados internos, não prejudicando a ação do ACNUR ao abordar ambos grupos vulneráveis265.

Para além do auxílio do ACNUR, os Princípios 3, 5 e 25 preveem que as organizações humanitárias tem o direito de ofertar assistência sem que interfira na soberania dos Estados. Para isso ocorrer, as autoridades nacionais devem colaborar para a atividade dessas instituições no território nacional em questão.

263 JESUS, Raquel Araújo de. O deslocado interno como conceito: da formação de uma categoria às

implicações do termo. Revista Neiba. Cadernos Argentina-Brasil. Volume 8, 2019, p. 01-14.

264 OHCHR. Princípios orientadores relativos aos Deslocados Internos. 1998.

265 UNHCR. Discurso do Alto Comissário António Guterres ao Comitê Executivo do ACNUR. 59º Sessão

do Comitê Executivo do Programa do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) Genebra, 6 de outubro de 2008. P. 4, 7.

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Os deslocados internos, na maioria das vezes, quando sumariamente deslocados acabam por parar nos grandes centros urbanos, e tendem a desaparecer neste cenário, tornam-se uma “realidade indesejável à sociedade”, enraizada em preconceito, marginalizando-os para as zonas mais pobres e “tendo humilhada e negada, de todas as formas, a cidadania”266. É preciso unir esforços de maneira que eles sejam reconhecidos

“como parte integrante do todo, mas inevitavelmente considerado em si mesmo, de uma maneira universal e multicultural, pois somos um e formamos o todo, ao mesmo tempo”267.

Na América Latina, quando comemorados os dez anos da Declaração de Cartagena, foi publicada a Declaração de San José sobre Refugiados e Deslocados Internos, 1994, a qual considera estes como as pessoas que de forma compulsória saem do seu local de habitação, sem cruzar fronteira internacional, para livrar-se das consequências de conflitos armados ou outras formas de violência generalizada transgressoras de direitos humanos268.

O número de deslocados internos ultrapassa o número de refugiados ao longo dos anos, demonstrando tamanha importância o cuidado com a temática, assim dispondo tabela do IDMC269:

266 RODRIGUES, Dulcilene A. M. «Direito Internacional dos Refugiados, Mudanças Climáticas e outras

pessoas de interesse de proteção: os deslocados internos» in: SANCHEZ, Pablo A.F et al. Seguridad medioambiental y orden internacional. Ed. Atelier. 2015. p. 69

267 Ibid. p. 70

268 ACNUR. DELEGAÇÃO REGIONAL DA AMÉRICA CENTRAL E PANAMÁ

Colóquio Internacional em Comemoração do Décimo Aniversário

da Declaração de Cartagena sobre Refugiados

S. José, 5-7 de Dezembro de 1994. Disponível em: <http://www.ikmr.org.br/instrumentos- internacionais/declaracao-de-sao-jose-sobre-refugiados-e-pessoas-deslocadas/> Acesso em 25 mar. 2020

269 IDMC. Norwegian Refugee Council. Disponível em: <https://www.internal-

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3.4 Deslocados Ambientais

Iniciamos este tópico registrando a nossa proposta para um conceito de deslocados ambientais: deslocado ambiental deve ser considerado todo o indíviduo que de forma compulsória deixa o seu local de origem e/ou habitação, ultrapassando fronteiras ou não, de forma provisória ou permanente, por não existir mais condições ambientais para habitabilidade e segurança à sua própria vida devido às multifatoriais causas de degradação e mudanças severas no ambiente (incluindo as alterações climáticas), sejam elas motivadas por força humana ou natural. Para a identificação do deslocado que migra por causas ambientais dentro do seu próprio país, pode ser utilizada, também, a expressão “deslocado interno ambiental”.

Por ‘condições ambientais para habitabilidade e segurança’ propomos o entendimento de que quando o sistema ambiental do local de moradia dos indivíduos não suprir as necessidades básicas de segurança à sua vida, por exemplo, acesso a água potável, disposição de recursos naturais para cultivo e proveito para manutenção do seu sustento, condições para a garantia da sobrevivência da vida humana e tudo que exponha o indivíduo à situação degradante de sobrevivência, estará o ambiente sem condições para habitação.

Na seara dos deslocados internos ambientais, registra-se um gráfico que dispõe sobre o “Total de novos deslocamentos anuais desde 2003 (Conflito e violência) e 2008 (Desastres)”270:

270 IDMC. Norwegian Refugee Council. People displaced by disasters. Disponível em: