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2. AMBIENTE IN FOCO: noções essenciais ambientais

2.4 Alguns aspectos sobre a degradação ambiental

2.4.1 Do dano ambiental

Primeiramente é preciso diferenciar o dano ambiental do dano comum material. Quando se fala em dano ao ambiente ou ecológico imperioso ter uma visão transdisciplinar, em que os direitos que aqui estão sendo tutelados não correspondem apenas ao homem ou sua perda com a violação ocorrida, mas igualmente a tutela da própria natureza em si, dos ecossistemas, dos organismos formadores do ambiente.

E cabe realizar uma pequena distinção a título de contextualização do que decorre na doutrina: dano ambiental e dano ecológico. Dano ambiental pode ser analisado como

159 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional… op cit.. 2003. p. 1354

160 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Vol. II. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro. Edições

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aquele que interfere em interesses coletivos, em que estão protegidos tanto os fatores naturais quanto a humanidade161, em uma idéia de unidade162. Em uma perspectiva mais delimitada, seriam os danos causados aos fatores bióticos (seres vivos) e abióticos (recursos naturais, água, solo, ar, etc) e a interligação entre si163.

A Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 2004 norteia a responsabilidade ambiental no sentido de prevenção e reparo dos danos ambientais, abordando definições para o termo em categorias como: danos causados às espécies e habitats naturais protegidos; danos causados à água; danos causados ao solo164.

Portugal através do Decreto Lei 147/2008 estabeleceu em seu ordenamento jurídico o regime da responsabilidade por danos ambientais e a prevenção e reparação destes, consequência da Directiva mencionada acima a qual tinha o intuito harmonizar as legislações quanto à responsabilização, prevenção e reparação dos danos ecológicos em seus Estados-membros165.

Na Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/1981 brasileira, não utiliza propriamente a nomenclatura “dano ambiental”, mas determina em seu artigo 3º, inciso II que entende por degradação da qualidade ambiental “ (…) a alteração adversa das características do meio ambiente”, e inclui no inciso III, alíneas que determinam como a degradação da qualidade ambiental e a poluição afetam a saúde da população, criando condições contrárias a atividade social ou econômica, interferindo na biota, aspectos

161 “Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de

elementos chamados meio ambiente, (…), seria assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses.” LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. Do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 5.ª edição, revista, atualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2012, p. 92.

162 OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental,

Almedina, Coimbra, 2007, p. 13.

163 SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação do Dano

Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 129

164 UNIÃO EUROPEIA. Directiva 2004/35/CE Parlamento Europeu e do Conselho relativa à

responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais. 21 de Abril de 2004.

Disponível em: <https://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2004:143:0056:0075:pt:PDF> Acesso em 17 dez. 2019

165 PORTUGAL. Decreto Lei 147 de 29 de julho de 2008. Ministério do Ambiente, do Ordenamento do

Território e do Desenvolvimento Regional. Disponível em: <https://data.dre.pt/eli/dec- lei/147/2008/07/29/p/dre/pt/html> Acesso em 17 dez. 2019. Em seu artigo 11, letra “d”, “e” e alíneas “i, ii e iii” o Decreto abrange os conceitos de dano, danos ambientais: danos causados às espécies e habitats naturais protegidos, danos causados à água, danos causados ao solo.

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estéticos ou sanitários do meio ambiente, que ajam em desacordo com padrões ambientais estabelecidos166.

Quanto ao uso da terminologia dano ecológico, para Canotilho “fala-se em dano ecológico quando existe uma agressão aos bens naturais (água, terra, luz, clima) bem como às relações recíprocas entre eles”167. O empenho da ação humana nas agressões ao

ambiente caracterizaria a danificação neste e o que dificulta a reparação pelo seu caráter impreciso168. Confere-se, dessa forma, que a expressão dano ecológico restringe ao ambiente natural (fatores abióticos) a consequência das violações. “Pode-se, por isso, dizer que existe, tendencialmente, um dano ecológico quando um bem jurídico ecológico é perturbado”169.

Para fins dessa pesquisa, o importante é elucidar a interconexão entre os fatores ambientais, haja vista a gama de expressões contidas na doutrina e legislação para dissertar sobre ingerências e violações no ambiente. Dessa forma, o entendimento aqui presente é que ao utilizarmos as expressões “dano ambiental”, “dano ecológico”, “degradações ambientais”, “danos ao ambiente ou meio ambiente”, será com a intenção de abranger a lesividade sofrida pelo ambiente em toda a sua forma e interação.

A normatização do dano, a positivação de sanções, a implementação de políticas públicas de prevenção e precaução servem como mecanismos de enfrentamento ao aumento de alterações ambientais. Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU referiu que “the term ‘natural disaster’ has become na increasingly anachronistic misnomer. In reality, human behaviour transforms natural disasters into what should really called unnatural disasters”170. Em 2000, solicitou que fosse produzido um relatório para uma avaliação ecossistêmica do Milênio. Publicado em 2005, o Relatório do Milênio, afirmou que nos últimos 50 anos o “homem modificou os ecossistemas mais rápida e extensivamente que em qualquer intervalo de tempo equivalente na história da

166 BRASIL. Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente. Legislação Federal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm> Acesso em 18 dez. 2019. Cabe adicionar outras Leis que abordam danos ao meio ambiente no ordenamento brasileiro: Lei 12.651/2012, Código Florestal. Lei 6.605/1998, Lei de crimes ambientais; Lei 9.433/1997, Lei dos recursos hídricos; Lei 9.985/2000, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e as Resoluções do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

167 CANOTILHO, J.J. Gomes . Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos

Ambientais. IN: Boletim da Faculdade de Direito 69, 1993, pp. 1-69, p. 13.

168 PRIEUR, Michel. Droit de L´Environnement, 5.ª Ed., Dalloz, 2004, p. 916.

169 SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Cadernos CEDOUA,

Almedina, Coimbra, 2002, p. 35.

170 NAÇÕES UNIDAS. Secretário Geral. Report of the Secretary General to the United Nations. General

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humanidade. Isso acarretou uma perda substancial e, em grande medida, irreversível na diversidade da vida no planeta”. Essas modificações alavancaram o desenvolvimento econômico e bem-estar humano, entretanto, a um alto custo para os ecossistemas disponíveis e reduzindo “substancialmente os benefícios trazidos pelos ecossistemas às gerações futuras”. Além disso, as populações pobres são as mais dependentes de serviços ambientais e, igualmente, as mais vulneráveis das degradações impostas neles171.

Conforme preceitua Alexandra Aragão, os chamados danos aos serviços ecossistêmicos “são os danos nos componentes ambientais, que prejudicam também a sua capacidade de prestar serviços ao homem”172. A autora acrescenta que a lei de

responsabilidade ambiental, Decreto Lei 147/2008 de Portugal, referida anteriormente, não aborda o conceito de dano a estes serviços, referindo que:

Os danos às funções ecossistêmicas, são os danos nos componentes ambientais (água, ar, solo, espécies e habitats) que prejudicam também a capacidade de os componentes desempenharem funções que permitem a manutenção e viabilizam o funcionamento dos próprios ecossistemas. Em se tratando de danos ecológicos, é o equilíbrio ecológico que é diretamente prejudicado173.

A Avaliação Ecossistêmica do Milênio alertou para as mudanças que ocorreriam em face às degradações e uso insustentável dos ecossistemas e seus serviços, sendo dificilmente revertidas se não houver combate aos efeitos negativos, tendo como sujeitos indiretos de “(…) mudanças populacionais (inclusive crescimento e migração), mudanças na atividade econômica (incluindo crescimento econômico, disparidade na distribuição de renda, e padrões comerciais), fatores sociopolíticos (…), fatores culturais, e mudanças tecnológicas."174.

Em setembro de 2020 a seguradora Swiss Re publicou um relatório alertando que um em cada cinco países está em risco de colapso ecossistêmico pela queda da sua biodiversidade. Os dados buscam corroborar para que os governos e empresas privadas priorizem as questões da biodiversidade ecossistêmica diante de decisões econômicas,

171AVALIAÇÃO ECOSSISTÊMICA DO MILÊNIO. Ecossistemas e Bem-estar humano. 2001/2005.

Disponível em: <https://www.millenniumassessment.org/documents/document.446.aspx.pdf> Acesso em 21 de dezembro de 2019.

172 ARAGÃO, Alexandra. Dano ecológico: critérios práticos de identificação e avaliação. Revista do CEJ.

V. II. 2013. Pg. 281.

173 Ibid.

174 AVALIAÇÃO ECOSSISTÊMICA DO MILÊNIO Ecossistemas e Bem-estar humano. 2001/2005.

Disponível em: <https://www.millenniumassessment.org/documents/document.446.aspx.pdf> Acesso em 06 jan. 2020. pp. 34-35.

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lembrando que “55% do PIB global depende de Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas de alto funcionamento”175.