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O ‘esverdeamento’ do Sistema Regional Europeu de Proteção dos Direitos

2. AMBIENTE IN FOCO: noções essenciais ambientais

2.2 Proteção mútua entre os direitos humanos e o ambiente e os efeitos de um

2.2.1 A proteção do ambiente no continente Europeu e União Europeia: mecanismos

2.2.1.1 O ‘esverdeamento’ do Sistema Regional Europeu de Proteção dos Direitos

O fenômeno chamado ‘esverdeamento’ ou ‘greening’70 pela doutrina

internacional e ambientalista refere-se à atividade jurisdicional de interpretar os direitos humanos positivados nas Convenções que os protegem através de uma análise ecológica destes, isto é, em um corte transversal, os Juízes analisam o efeito que violações a direitos civis, políticos, econômicos, sociais ou culturais resultam em danos ambientais ou, de forma antagônica, quando violações ao ambiente refletem em consequentes transgressões aos referidos direitos. Como preceitua Cançado Trindade, existem direitos “que simplesmente não podem ser reivindicados diante de um tribunal por seus sujeitos ativos (titulares) ”, tornando a abordagem por via reflexa ou por ricochete nos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos a alternativa mais adequada para evitar que violações no ambiente saiam impunes71.

O TEDH, referência na promoção dessa ‘ecologização’ dos direitos humanos, realiza uma interpretação extensiva e desenvolvida para consolidar o teor ambiental na dimensão destes direitos. O Tribunal não tem a competência de adicionar ou criar um direito humano através da sua interpretação, porém, realiza de forma transversal o estudo dos direitos humanos reconhecidos no intuito de lhes conferir uma dimensão ambiental72. O esverdeamento do Sistema Europeu pode ser visto, como chamado na prática jusinternacionalista, de um leading case em matéria de greening do TEDH em que a decisão proferida, pela primeira vez, realizou a interpretação dos direitos humanos considerando que a poluição ambiental pode atingir o bem-estar da vida privada e familiar além de provocar danos à saúde. Os requerentes do caso Lopez Ostra vs. Espanha recorreram ao TEDH pelos danos sentidos em função de uma uma avaria da estação de tratamento de couro próxima ao seu local de moradia, com a emissão de odores fortes. O

70 SANDS, Philippe. Greening international law. London. Earthscan Publications Limited. 1993. A

expressão ‘greening’ adquiriu força a partir da década de 1990 quando se iniciaram os primeiros passos nas Cortes internacionais na suscitação de proteção ambiental e na admissibilidade da interpretação nesse sentido.

71 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. «Direitos humanos e o meio ambiente». in: SYMONIDES,

Janusz (org) Direitos humanos: novas dimensões e desafios. Brasília. Unesco Brasil. Secretaria especial dos direitos humanos. 2003. p. 187

72 Os princípios e obrigações de proteção ambiental consequentes da atuação da Corte podem ser conferidos

no: CONSELHO DA EUROPA. Manual on human rights and the environment. Estrasburgo. 2012. 2ª ed. Disponível em: <https://www.echr.coe.int/LibraryDocs/DH_DEV_Manual_Environment_Eng.pdf> Acesso em: 28 out. 2019.

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entendimento da Comissão foi por violação ao art. 8º e, nesse sentido, a Corte proferiu sua decisão afirmando que“É evidente, no entanto, que sérios danos ambientais podem afetar o bem-estar de uma pessoa e privá-lo do gozo de sua casa de maneira a prejudicar sua vida privada e familiar, sem, contudo, colocar em risco a saúde de sua família, a parte interessada”73.

Em um caso de desastre ecológico o qual poluiu o Rio Sasar pela descarga de resíduos provenientes de uma mina de ouro, o TEDH utilizou para reforço da sua argumentação em prol de uma decisão reflexa do ambiente, a concepção de que:

O princípio da precaução recomenda que os Estados não atrasem a adoção de medidas eficazes e proporcionais para evitar um risco de dano grave e irreversível ao ambiente mesmo na ausência de certeza científica ou técnica74

Em 2010, ao lidar com o caso Deés vs. Hungria referente a alteração do trafégo de uma autoestrada que passou a cruzar uma rua residencial causando poluição do ar, ruídos e perturbação do domicílio, o TEDH reconheceu o estado de quase inabitabilidade da residência em decorrência do trafégo pesado e suas consequências, utilizando o art. 8º (além do art. 6º) para proteger os direitos violados75.

Para registrar decisão mais recente, em 2014 o Tribunal pronunciou que a poluição ambiental “pode afetar o bem-estar dos indivíduos e impedí-los de desfrutar de suas casas, afetando negativamente a sua vida privada e familiar, mesmo sem pôr seriamente em perigo sua saúde”, condenando o Estado com fulcro no art.8º da CEDH pela contaminação da água do subsolo em razão da construção de um cemitério sem observância das balizas ambientais necessárias, comprometendo o abastecimento de água residencial7677.

Assim, ainda que de forma paulatina e embrionária, da análise de uma poluição atmosférica na Espanha, dos derrames de resíduos industriais na Romênia, do domicílio

73 Lopez Ostra v. Espanha. Caso 16798/90. Decisão Dezembro 1994. Disponível em: <https://www.escr-

net.org/caselaw/2008/lopez-ostra-vs-spain-application-no-1679890> Acesso em: 28 out. 2019.

74 TEDH. Nota informativa sobre Jurisprudência do Tribunal. 2009. Tradução nossa. Disponível em:

<https://www.echr.coe.int/Documents/CLIN_2009_01_115_FRA_849359.pdf> Acesso em 28 out. 2019. pp. 31-33. Tradução nossa.

75 TEDH. Caso Deés v. Hungria, 2010, Parágrafo 22. Disponível em

<https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-101647%22]}> Acesso em 28 out 2019

76 “Em particular, onde existem regulações ambientais domésticas, uma violação do artigo 8.º pode ser

estabelecido em caso de incumprimento de tais regulamentos”. Caso Dzemyuk vs. Ucrania §88 da decisão disponível em: <http://hudoc.echr.coe.int/app/conversion/pdf/?library=ECHR&id=001- 146357&filename=001-146357.pdf&TID=rqpbbmbyrc>. Acesso em 29 out. 2019. Tradução nossa.

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inabitável à contaminação do solo por construção de cemitério na Ucrânia, alicerçando os danos ambientais à violação, principalmente, do art.8º78 da CEDH e consubstanciando sua interpretação à luz dos preceitos ambientais, as decisões do TEDH, em uma perspectiva ecológica dos direitos humanos, realiza a atividade de proteção, reparação e adaptação do seu Sistema Regional, demonstrando a capacidade de incorporar aos tradicionais direitos humanos uma pluralidade de enunciados ambientais79.

2.2.2 Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o meio ambiente: