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3. DESLOCAMENTO HUMANO POR CAUSAS E ALTERAÇÕES

3.1 Evolução histórica do Direito Internacional dos Refugiados

3.1.1 Do Asilo

Asilo, etimologicamente, vem do latim asylum, do grego asylon, em que é a união da letra ‘a’ (sentido de negação/privação) e sylao: remover, extrair: “o lugar de refúgio, sagrado, do qual não pode ser removido quem lá é acolhido, porque está sob a proteção de alguma autoridade.”194195.

Ainda que a civilização egípcia da Antiguidade apresente alguma iluminação do asilo (segurança da proteção aos que chegavam ao Egito buscando pela acolhida nos seus Templos religiosos), foi na Grécia Antiga que o direito de asilo exerceu importante papel das cidades-estados. Era considerado o abrigo inviolável aos homens perseguidos e que, como consequência, tinham suas vidas comprometidas. Assim como no Egito Antigo, os locais de proteção eram, geralmente, templos religiosos, mas também serviam como asilo as casas de políticos importantes das cidades196. Avançando para o período do Império Romano, com um direito mais sistematizado e formado por um arcabouço normativo, o asilo possui regulamentação própria onde protegia indivíduos perseguidos de forma injusta, tanto pelo poder público quanto por particulares. Era vedada a utilização da proteção do asilo para àqueles que fugiam dos seus locais de origem por terem cometido crimes ou ações que eram contrárias as leis romanas197198.

193 JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento

Jurídico Brasileiro. São Paulo: Método. 2007. pp. 61.

194 A origem do “asilo”. Disponível em: <http://www.etimologista.com/2012/10/a-origem-do-asilo.html>

Acesso em 01 fev. 2020

195 ANDRADE, José Henrique Fishel de. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na

Proteção Internacional dos Refugiados. In: ALMEIDA, Guilherme Assis de; ARAUJO, Nadia de. op cit. p. 101.

196 Ibid. p. 101-102. 197 Ibid. p. 105

198 Sobre a matéria do asilo e o status civitatis que a partir do Édito de Caracala ou Constituição Antoniana,

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Ao passo que chegada a Idade Média e a influência da Igreja Católica, o direito de asilo detinha uma relação direta com o poder desta religião, em que os que eram perseguidos encontravam proteção nos locais de reza pertencentes à ordem católica199. Permanecendo na linha temporal, chegada a Idade Moderna e os movimentos de separação da interpretação da bíblia como orientação política e social, através de uma acepção mais humanista, recorre-se à filosofia, aumentando o número de novos fiéis a essa forma interpretativa por toda a Europa. Destarte, o direito de asilo saiu da esfera da interpretação religiosa e passou por uma transformação mais concreta em instituto jurídico laico200.

A constitucionalização do direito do asilo pôde ser vista, após a Revolução Francesa, na Constituição da França de 1793, em que determinava em sua norma que a França concedesse “(…) asilo aos estrangeiros exilados de sua pátria por causa da liberdade. Recusa-o aos tiranos”201. Reitera-se que a liberdade daquela época reverberada pelos movimentos revolucionários era da garantia individual do exercício da autonomia e da abstenção de coerção estatal à liberdade dos indivíduos. Os demais países europeus não seguiram a Constituição Francesa e deixaram que o asilo fosse resultado de ato discricionário político emitido pelo Estado conforme cada caso se apresentasse202203.

Na América Latina, a norma jurídica referente ao direito de asilo foi prevista, pela primeira vez, no Tratado de Direito Penal Internacional de Montevidéu204, de 1889, o qual

dedicava vários artigos para tratar do asilo e extradição. Para além deste Tratado, outras Convenções abordaram a temática, tais como: Convenção sobre Asilo – VI Conferência

mais da proteção advinda deste direito, Cf: JUNIOR, José Cretella. Curso de Direito Romano: o Direito Romano e o Direito Civil brasileiro no Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 73-76.

199 ANDRADE, José Henrique Fishel de. op cit. p. 105-106. 200 Ibid. p. 108.

201 GARRIDO, López D. El Derecho de Asilo. Madrid: Editora Trotta. 1991. p. 127. Cabe acrescentar que

atrelado ao direito do asilo constitucionalmente previsto, o embasamento encontrava-se na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em que garantia em seus artigos 2º e 6º os direitos à segurança, proteção advinda da lei e garantia da dignidade.

202 ANDRADE, José Henrique Fishel de. op. cit. p. 111.

203 PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em:

<https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/constpt2005.pdf> A Constituição da República Portuguesa prevê, em conformidade ao direito de asilo, no seu texto constitucional: “Art. 33, Expulsão, extradição e direito de asilo, nº 8. É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana”.

204 “ Artículo 16: El asilo es inviolable para los perseguidos por delitos políticos, pero la Nación de refugio

tiene el deber de impedir que los asilados realicen en su territorio actos que pongan en peligro la paz pública de la Nación contra la cual han delinquido” TRATADO DE DIREITO PENAL INTERNACIONAL. 1889.

Disponível em:

<http://www.oas.org/es/sla/ddi/docs/Tratado_sobre_Derecho_Penal_Internacional_Montevideo_1889.pdf > Acesso em 07 mar. 2020

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Pan-americana de Havana – 1928, Convenção sobre Asilo Político, 1933, o Tratado sobre Asilo e Refúgio Político, 1939, Convenção sobre Asilo Diplomático e a Convenção sobre Asilo Territorial, 1954205.

A DUDH é resultante de tempos bélicos extremamente violadores de direitos humanos, portanto, o direito de asilo não poderia ficar de fora de um instrumento de tal magnitude. No artigo 14 há a disposição sobre: “1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”. Com exceção prevista em caso de perseguição por “por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas”206.

As Declarações regionais de direitos humanos, como a CADH, 1969, e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, 1981, preveem o direito de asilo em seus artigos 22, nº 7, e 12, nº 3, respectivamente. Ambas abrangem o direito das pessoas em buscar e receber asilo em território estrangeiro quando perseguidas (na CADH fala em perseguição por delitos políticos ou conexos), sempre em conformidade com as leis do Estado e Convenções Internacionais207.

Jubilut aponta quatro características, amplas, do asilo: i) proteção aos indivíduos perseguidos politicamente; ii) Estado agir por ato discricionário para concessão; iii) pode haver a concessão quando o indivíduo está fisicamente no Estado (asilo territorial) ou até mesmo no seu Estado de origem quando localizado em uma sessão de representação do Estado de asilo (embaixadas ou consulados); iv) sem promoção de obrigações ao Estado (de asilo) além da anuência para residir legalmente nele208.

O poder discricionário do Estado em decidir sobre a concessão do asilo sofreu certas alterações na sua interpretação. Hodiernamente, a atividade do Estado asilante em decidir quanto a situação invocada pelo solicitante de asilo é submetida a uma certa observação da comunidade internacional através do DIDH, o qual vigia a atuação dos Estados signatários de instrumentos nesta seara a sua atuação diante dos casos concretos.

205 A Constituição Federal do Brasil, prevê em seu texto: “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-

se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: X - concessão de asilo político”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 07 mar. 2020

206 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível

em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf> Acesso em 07 mar. 2020

207 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos.

Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm> ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm> Acesso em 07 mar. 2020

208 JUBILUT, Liliana L. «A judicialização do refúgio» in: RAMOS, Andre de Carvalho; RODRIGUES,

Gilberto; ALMEIDA, Guilherme Assis de (orgs). 60 anos de ACNUR : perspectivas de futuro. São Paulo : Editora CL-A Cultural, 2011. p. 168

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Isto posto, o princípio da interpretação evolutiva dos tratados de direitos humanos “reconhece que o instrumento internacional de direitos humanos deve ser interpretado de acordo com o sistema jurídico do momento de sua aplicação.”209.

Constança Urbano de Sousa traduz essencialmente o direito de asilo210 como “uma instituição milenar destinada a proteger os direitos dos estrangeiros que são forçados a abandonar os seus países de origem, por motivos de segurança, liberdade e/ou sobrevivência”. A sua concessão é “uma prerrogativa dos Estados, resultante do direito interno”. Com a ascensão do DIDH, garante a “protecção internacional dos Direitos Fundamentais daqueles estrangeiros que são forçados a abandonar os seus países de origem em virtude de actos ou omissões que colocam a sua vida, liberdade ou segurança em perigo”211.