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O objeto consiste do processo criativo e montagem de espetáculo cômico-mu- sical que se vale de justaposição de cenas da Ilíada, de Homero com situações cotidianas violentas. Inicialmente será realizado um levantamento das cenas e personagens emblemáticos do texto homérico, os quais podem ter sua apli- cabilidade para este projeto. De início, temos, a formalidade da luta em Homero: tudo é ritualizado, passando por padrões de ações que vão das saudações e xingamentos iniciais até o golpe fatal e os sons finais do moribundo. Essa ri- tualização da violência é uma forma de tornar espetacular o evento cruento. Da mesma maneira, tal rotina do combate corporal atualiza seu retorno, sua repetição como modelo a ser seguido, como referente das ações sociais. Se todos participam desse embate, seja como lutadores, seja como plateia, então a luta corporal aguerrida se torna o acontecimento social mais relevante.

Nesse ponto entra a comicidade: a repetição é um dos processos fundamen- tais de se produzir a desconstrução da realidade. Dessa maneira, a luta corporal, em seu padrão cíclico, é ao mesmo tempo objeto de coesão social e alvo de pa- ródia. Tudo que repete pode ser transformado em ato risível, pois não acaba, desafia os limites, aponta para mudanças e manipulação de expectativas.

Dessa forma, tanto as cenas de luta corporal da Ilíada, como as situações de embate cotidianas são acontecimentos repetitivos, ritualizados, cômico-sérios. 135 Proposta para o mesmo grupo que encenou e produziu À Mesa, uma comédia a partir de

O banquete, de Platão. À Mesa foi apresentado em diversos teatros de Brasília, em 2012. E ain-

da foi apresentado na SBEC em Brasília, em 2013. O título principal trabalha com a ambigui- dade Por que matar, Aquiles? / Por que matar Aquiles. Grande parte das inquietações vieram do seminário de criação a partir de textos clássicos realizado na Pós-Graduação em Arte em 2014. Sobre a disciplina, v. blog: https://processoscriativospos2014.blogspot.com/

A estratégia da repetição é fundir referentes temporais diversos como se fossem eventos assemelhados: o ritual da luta no campo de guerra se funde com a bri- ga de trânsito. Assim, o absurdo de ontem se perpetua no sem sentido de agora. A repetição também difunde a compreensão do esvaziamento das coisas: con- tinuamos a fazer as mesmas coisas estúpidas no passado e no presente.

Além da repetição, temos a figura de Aquiles. No texto homérico, ele é uma estranha figura de fundo: passa a obra inteira sem lutar, mas todos louvam sua fúria guerreira. Enquanto não luta, Aquiles é visto sempre em depressão, cho- rando por injustiças que sofreu, acossado pelas mortes violentas que causou, sofrendo pelas pessoas queridas que perdeu na guerra. Ao mesmo tempo o maior guerreiro é o maior chorão. Aquiles temível e temeroso, assassino e coi- tadinho. Esse aspecto instável da figura do grande guerreiro, essa bipolaridade, aproxima traços aparentemente opostos de insensibilidade guerreira e hiper- sensibilidade pessoal. Essas ambiguidades projetam a figura de Aquiles como uma convergência entre as ações da luta corporal violenta e os efeitos emocio- nais de um investimento nessas ações. Força e afetos são co-projetados na mes- ma personagem, como se ele fosse quem luta e quem morre, quem performa e quem vai pra casa. Todos querem matar como Aquiles, mas ninguém quer ter essa existência de sombras fora da arena. Aquiles é simultaneamente a glória do vencedor e a desgraça que vem depois da luta.

Tal ambivalência ratifica o esvaziamento, o sem sentido da lutas corporais violentas. Ao fim, não vitórias, apenas experiências traumáticas e devastadoras. A infelicidade de Aquiles mostra o outro lado desses embates físicos estúpidos. Justapondo a matriz-Aquiles aos eventos contemporâneos, produz-se o recurso de se colocar no mesmo espaço as sensações muitas vezes excludentes de em- poderamento e destruição.

A partir da seleção e análise das cenas da Ilíada e tomando como ponto de partida os procedimentos de repetição e ambivalência personativa, passamos ao segundo momento do projeto que é o do levantamento de situações con- temporâneas em que há embates violentos entre pessoas nos mais diversos contextos. Após este levantamento, passa-se à fase de improvisação a partir do material selecionado da Ilíada. Nesse ponto, há tanto a intervenção do drama- turgo residente quando da equipe de música, para, em colaboração com as atri- zes e atores, produzir o roteiro e as canções da peça.

Justif icativas

Grande parte do teatro ocidental não passa de uma encenação de técnicas, ima- gens, técnicas e personagens presentes na obra de Homero. Ésquilo afirmou que suas obras não passavam de migalhas do banquete homérico. Platão chamou Homero de pai dos tragediógrafos e comediógrafos. Shakespeare voltou ao fim de sua obra para Homero em sua peças finais, mais explicitamente em Tróilo e Créssida.

Para nós, a dicotomia entre a tragédia da guerra na Ilíada e a tragicomédia do homem que não consegue voltar para casa, na Odisseia, parece fundar gê- neros de espetáculos opostos e excludentes. No campo da batalha só haveria lugar para a desgraça e lamentação, enquanto que o jogo de erros das des- venturas domésticas de Ulisses nos levaria experimentar os risos e a felicida- de do reencontro.

Porém, uma leitura mais atenta e mais aplicada a nossa contemporaneida- de reconhece que os mundos da Ilíada e da Odisseia se aproximam e se jus- tapõe no absurdo da guerra, do embate frente a frente de um homem com seu semelhante. Das guerras gregas antigas para os embates urbanos e midiático de hoje, vemos um arco de referências e questões as quais se renovam como algo não resolvido, quase impossível de se eliminar: esse fascínio em volta da luta corporal, do jogo de golpes e mútuas violências, o entrechoque de suor, sangue e gritos, tudo sempre acompanhado por uma plateia engajada nesse espetáculo cruento. Tanto ontem como na época atual, mesmo que houvesse alguma justificativa para o embate (guerra, vingança, competição), o foco mes- mo torna-se a relação entre os combatentes e a plateia. A manutenção dessa experiência de agressividades compartilhadas atravessa séculos, sem que os efeitos dessa contínua luta sejam medidos ou colocados como justificativa para sua eliminação. Assim, mesmo que famílias, grupos, cidades inteiras se- jam atingidas, o que importa e estender essa intensa e atrativa eliminação violenta do outro.

Daí a proposta de Por que matar Aquiles. Primeiro, a ambiguidade do título captura duas perguntas: as razões para matar em geral, e as razões para matar o maior guerreiro de todos os tempos. O que está em discussão é a necessida- de de solucionar problemas por meio de supressões físicas conectadas a uma viciada repercussão social. Ao trazer para a cena tais eventos, procura-se anali- sar toda a cadeia de eventos em torno da luta corporal violenta e seu fascínio.

Para tanto, diversos recursos da comicidade são utilizados: inicialmente, o jogo entre o estranhamento e familiaridade, na justaposição entre trechos do texto antigo e o cotidiano nas grandes cidades, em diversas situações de em- bate como no trânsito, nas partidas de futebol, nas disputas partidárias, etc.

Metas

desenvolver uma metodologia de elaboração e montagem de espetáculo a partir de textos clássicos e fundamentadas em técnicas de comicidade formar artistas em processo criativo colaborativo inserido dentro de um con-

texto de pesquisa de materiais da cultura clássica, de modo a superar opo- sições entre ‘alta’ e ‘baixa’ cultura, nos termos de M. Bakhtin.

proporcionar um espetáculo de formação de plateias a partir de textos da cultura clássica

inserir o Distrito Federal em tendências internacionais de reciclagem da cul- tura clás-sica a partir de situações cotidianas e comicidade

Notas

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{MINHAS FUNÇÕES}

Dramaturgia e/ou direção musical. Posso compor as músicas, posso indicar algumas coisas, e fazer outras. vamos ver. depende de quem vai estar no pro- jeto. Se tiver gente que realmente cante e toque é uma coisa. Se não, temos que fazer de outra maneira, com gente que cante inserida com gente que não cante/toque. Ou diminuir o aspecto da música pra coisa pré-gravada. Daí pre- ciso de um produtor musical.

Vamos precisar de alguns músicos (três no máximo: um na percussão, ou- tro no violão/teclado. os atores podem tocar juntos também. Então incluir um músico para fazer preparação musical para eles. precisamos de um diretor, de um assistente de direção).

E 5 atores.

Assim, se for fazer musical, uma coisa. Podemos tirar esse negócio de mu- sical e só ficar com a parte de sons de estúdio.

Pensando agora, fica melhor.

Em vez de colocar pessoas para cantar e tocar, ficamos apenas com atores e com sons pré-gravados. Vamos indo.

c.10) A História da História. Seminário-Espetáculo