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ADEQUAÇÃO PROTEICA NAS DIFERENTES FASES DE LAC TAÇÃO

DETERMINAÇÃO DA EXIGÊNCIA PROTEICA

Por várias décadas as estimativas das exigências proteicas continuaram a ser ob- tidas a partir de ensaios de desempenho e digestibilidade, até o aprimoramento dos ensaios de metabolismo, que possibilitaram o desenvolvimento do método fatorial de exigências, utilizado até o momento pelos principais sistemas proteicos disponíveis. Os sistemas evoluíram das determinações de exigência em proteína bruta (PB) para os atuais modelos de proteína metabolizável, que permitem adequar as exigências da po- pulação microbiana em compostos nitrogenados disponíveis no rúmen, assim como as exigências do bovino em proteína metabolizável.

A proteína metabolizável (PM) no intestino de ruminantes é representada pelo total de AA provenientes da digestão intestinal da:

a) proteína microbiana produzida no rúmen (Pmic);

b) proteína não degradável no rúmen (PNDR) de origem alimentar; c) proteína endógena.

Portanto todo e qualquer programa nutricional só terá sucesso se a produção de Pmic for otimizada. Manipulações da ração que resultem em redução na síntese microbiana, normalmente, comprometem o desempenho do animal. O desempenho pior pode ocorrer em razão da redução na fermentação ruminal, com efeitos negativos no consumo de alimento e, portanto, na disponibilidade de energia para o ani- mal, como também pela redução na quantidade e/ou qualidade da PM disponível no intestino. Uma das metas na nutrição de ruminantes é fornecer quantidade adequada de proteína degradável no rúmen (PDR) para melhorar a eficiên- cia dos microrganismos e obter máxima produção de Pmic (Kalscheur et al, 2006). Para que isso ocorra é preciso disponibilidade simultânea de PDR e energia no rúmen. Em sistemas confinados, onde se faz uso de ração total, o balanceamento da dieta pode ser feita com relativa precisão, entretanto, em sistemas de produção baseado

em pastagens esse é um desafio ainda maior, pois o consumo de pastagem não é co- nhecido e as pastagens de forma geral fornecem quantidade insuficiente de energia em relação ao seu total de PB, devendo haver então suplementação energética com grãos de cereais e subprodutos energéticos. O desbalço entre proteína e energia aumenta o gasto energético para excreção do nitrogênio, reduzindo a eficiência de produção, au- mentando a excreção de dejetos poluentes além de representar desperdício de dinheiro.

Na revisão do NRC (2001), o aumento na produção de leite com o aumento no teor de PB na ração não esteve correlacionado com o aumento no consumo de MS. O efeito positivo do aumento do teor de PB na ração no CMS é esperado quan- do a ração é deficiente em PDR. Essa ocorrência é mais comum em rações com teores de PB abaixo de 15%, mesmo assim há inconsistência nos dados. Em trabalhos revisa- dos por Santos e Pedroso (2006) com animais de alta produção mantidas em confina- mento, vacas alimentadas com rações com menos de 15% de PB tiveram suas produ- ções de leite aumentadas de forma consistente, quando os teores de PB das rações foram elevados para 15 a 17%. Na maioria dos estudos o CMS não foi afetado pelo teor de PB das rações.

No Brasil, a maior parte do leite produzido é proveniente de sistemas de produ- ção que utilizam pastagens tropicais manejadas de forma inadequada. Pastos passados e não adubados ainda são a regra. Nessas condições, a gramínea tropical, indepen- dente da espécie, apresenta baixo teor de PB. Para corrigir essa deficiência, faz-se necessário suplementar a vaca com concentrados com teores de PB entre 16 a 24%. Por outro lado, em pastagens adubadas e bem manejadas os teores de PB são determinados pelo ponto ideal de colheita, mas principalmente pela dose de N aplicado no pasto. Nessas condições, o teor de PB da forragem pode ser alto e o teor de PB do concentra- do deve ser reajustado para evitar excesso de PB para vaca.

Dois experimentos foram conduzidos no Departamento de Zootecnia da ESALQ/USP para estudar os níveis crescentes de PB no concentrado de vacas lactan- tes mantidas em pastagem tropical com teores altos de PB.

No primeiro experimento foram testados três concentrados diferentes para vacas em lactação mantidas em pastagens de capim-elefante de elevada qualidade. A forra- gem apresentava 18,5% PB, 60,3% NDT, 58,7% FDN e 75,9 % de digestibilidade. Os concentrados testados continham

8,7, 13,4 e 18,1% PB, respectivamente. Foram utilizadas 33 vacas no terço médio de lactação (11 em cada tratamento), as quais pastejavam juntas e recebiam concentra- do individualmente, à base de 3 kg de leite para cada kg de concentrado. Os dados de produção e composição do leite encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 - Produção e composição do leite de vacas em lactação em pastejo receben-

do concentrado com três níveis de PB.

Parâmetro T1 (8,7% PB) T2 (13,4% PB) T3 (18,1% PB) Valor de P Leite (kg/dia) 19,6 19,1 18,9 0,55 Gordura (%) 3.53 3.45 3.45 0,78 Proteína (%) 3.25 3.20 3.35 0,51 NUL (mg/dL) 8.43c 10.45b 13.05a <0,001 EUN (%) 18,4a 16,2b 15,5b 0,01

Fonte: Danés et al. (2013).

De acordo com os dados o aumento na oferta de proteína no concentrado, na forma de farelo de soja, não resultou em benefício algum. O único parâmetro que apre- sentou alguma diferença significativa foi o teor de nitrogênio ureico no leite (NUL), que aumentou à medida que houve um aumento no teor de proteína do concentrado, o que indica claramente menor eficiência de uso do nitrogênio (EUN) pelas vacas que receberam mais farelo de soja. Além disso, as vacas que ganharam o concentrado com mais proteína excretaram em média 46 g de N a mais (via urina) do que as que rece- beram o concentrado menos proteico. Esse dado da excreção foi obtido em ensaio de metabolismo com vacas secas canuladas no rúmen, mas, se extrapolarmos essa diferen- ça para as 100 vacas em lactação, mantidas em 12 ha de pastagem por 210 dias na es- tação das águas, a quantidade extra de N excretado seria da ordem 966 Kg ou 80,5 kg/ha, valor bastante representativo.

No segundo estudo foram comparados concentrados com 8,5%, 13,8% e 19,0% de PB (% da MS) para vacas no terço inicial da lactação mantidas em pastagem com 15,5% de PB (Tabela 2), o fornecimento foi de 8,1 Kg de MS/animal/dia.

Vacas no terço inicial da lactação mantidas em pastagem com 15,5% de PB apre- sentaram maior produção de leite (24,3 vs 23,2 Kg/dia), com tendência de maior teor de gordura, sem alteração no CMS, quando foram suplementadas com concentrado

contendo 19% de PB em comparação com 8,5%. O aumento no teor de PB do concen- trado elevou a excreção de N no leite.

Tabela 2- Produção e composição do leite de vacas em lactação em pastejo

recebendo concentrado com três níveis de PB (%MS).

Parâmetro T1 (8,5% PB) T2 (13,8% PB) T3 (19,0% PB) P valor

PV 477 464 471 -

CMS 16,9 17,5 17,7 0,171

CMSP 8,8 9,4 9,6 0,171

Leite, kg.dia-1 23,2b 23,7ab 24,3a 0,0069

Gordura, % 3,36 3,33 3,52 0,0769

Proteína, % 3,18 3,22 3,27 0,1122

NUL, mg. dl-1 6,53c 8,92b 11,26a <0,0001

Peso vivo: PV. CMSP: Consumo de MS de pasto. Adaptado de Chagas (2011)

Quando o produtor trabalha com pastos não adubados e mal manejados, tanto o teor de PB quanto de energia da forragem são baixos. Neste caso ele é forçado a for- necer maiores doses de concentrado com teor mais elevado de PB que o exemplo aci- ma.

Após otimizar a síntese de Pmic o próximo passo é adequar a exigência animal com o fornecimento de PNDR. O NRC (2001) estima as necessidades de PM com base no peso vivo da vaca, consumo de MS, dias em gestação, produção de leite e teor de proteína do leite. A utilização de fontes ricas em PNDR para atender a exigência por PM faz mais sentido em rações de vacas de produção elevada, acima dos 25-30 kg/dia em pastagens ou acima de 35-40 kg/dia para vacas confinadas.

De acordo com a revisão feita por Santos et al. (1998), com base em 29 compa- rações obtidas de 15 ensaios de metabolismo, observou-se que a substituição parcial ou total do farelo de soja por diferentes fontes ricas em PNDR, não afetou o consumo de matéria seca, reduziu a passagem de proteína microbiana para o intestino e aumen- tou a passagem de proteína de origem alimentar. O resultado final foi que a passagem total de proteína para o intestino não foi aumentada pelas fontes ricas em PNDR. O fluxo de AAE também não foi aumentado pelas fontes ricas em PNDR. Um dos principais argumentos utilizados pelos pesquisadores e nutricionistas para justificar a

suplementação com fontes ricas em PNDR, sempre foi que um aumento no fluxo total de proteína e consequentemente de AAE para o intestino deveria ocorrer.

De modo geral as fontes ricas em PNDR não foram capazes de melhorar a qua- lidade da proteína que chegou ao intestino, pois as proporções dos dois AA mais limitantes para a produção de leite, Lis e Met, não foram aumentadas na prote- ína que chegou ao intestino. A exceção foi a farinha de peixe, que de forma consisten- te aumentou a proporção de ambos os AA na proteína metabolizável.

Com base nos dados obtidos nos ensaios de metabolismo, fica claro que para se ter sucesso com a suplementação com fontes ricas em PNDR, é preciso respeitar dois pontos principais: a) balanceamento adequado da dieta em PDR, para não limitar a síntese microbiana, e b) utilizar fontes que melhorem ou pelo menos não piorem o perfil de AAE da proteína que chega ao intestino, especialmente no tocante a Lis e Met. Infelizmente, a maioria da fontes ricas em PNDR são deficientes em um desses dois aminoácidos, e as vezes em ambos. A maioria das fontes proteicas ricas em PNDR comercialmente disponíveis apresenta um perfil de aminoácidos infe- rior ao da proteína microbiana. Com relação à produção de leite, tanto fontes de farelo de soja ricas em PNDR quanto farinha de peixe, aumentariam a produção de leite em comparação com o farelo de soja convencional.