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Determinando zonas do Perfil Conceitual

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4. A TEORIA DO PERFIL CONCEITUAL

4.4. Os Fundamentos Metodológicos da Teoria do Perfil Conceitual

4.4.1. Determinando zonas do Perfil Conceitual

A abordagem dos perfis conceituais é baseada, precisamente, na ideia de que as pessoas exibem diferentes maneiras de ver e conceitualizar o mundo e, desse modo, diferentes modos de

pensar são usados em contextos distintos (MORTIMER, 1994, 1995, 2000). Cada perfil conceitual modela a diversidade de modos de pensar ou de significação de um dado conceito, (por exemplo: calor, matéria, vida, adaptação) e é constituído por várias “zonas” (MORTIMER et al, 2011).

Cada zona representa um modo particular de pensar ou atribuir significados a um conceito que se reflete nas diferentes formas de falar e representar a realidade. Nessa perspectiva, um mesmo indivíduo pode apresentar diferentes zonas que constituem o seu perfil conceitual, e embora essas zonas exibam diferentes formas de falar e modos de pensar sobre o conceito elas podem coexistir sem que a aprendizagem de um novo significado para o conceito seja prejudicada.

Quando falamos em aprendizagem na teoria do perfil, estamos tratando do enriquecimento das zonas do perfil conceitual dos indivíduos e da tomada de consciência quanto aos contextos apropriados para aplicar determinados modos de pensar e formas de falar sobre o conceito. Para Mortimer et al. (2011), os modos de pensar são tratados como elementos de permanência no pensamento conceitual dos indivíduos, intimamente relacionados a significados socialmente construídos que podem ser atribuídos aos conceitos.

O principal princípio metodológico que guia as pesquisas realizadas para identificar as possíveis zonas para construir um modelo de perfil conceitual específico reside na máxima de Vigotski que só é possível ter uma imagem completa da gênese de um conceito se este for estudado em diferentes domínios genéticos (MORTIMER et al., 2014).

Quanto aos domínios genéticos, Wertsch (1985) com base nos estudos sobre o método psicogenético de Vigotski desenvolve a noção de domínios genéticos para explicar a natureza do desenvolvimento humano e o surgimento das funções mentais superiores (RODRIGUES e MATTOS, 2009). Com ênfase na origem (gênese) dos conceitos, o método psicogenético Vigotskiano nos permite compreender os conceitos como produtos da ação humana, dentro de uma dimensão sócio histórica, a saber, os quatro domínios genéticos (WERTSCH, 1988):

a. Filogênese: De acordo com Rodrigues e Mattos (2009), o domínio filogenético está relacionado com a emergência das funções mentais superiores como características da espécie humana, fenômeno modelado pelas teorias evolutivas. A filogênese diz respeito às mudanças na estrutura orgânica, em especial do cérebro e “provém limites e possibilidades para o desenvolvimento humano” (SEPÚLVEDA, MORTIMER e EL- HANI, 2013, p. 442). O domínio filogenético está relacionado diretamente às questões

da espécie, de âmbito biológico. Trata-se do processo de desenvolvimento de funções mentais dentro da história evolutiva de uma espécie, como por exemplo, a escrita e a contagem (SILVA, 2011).

b. Gênese histórica sociocultural: diz respeito a como a gênese de um conceito ocorreu no domínio da história sociocultural, isto é, como os entendimentos sobre um determinado conceito evoluiu ao longo da história da humanidade (MORTIMER et al. (2014). E evidencia, sobretudo, como se desenvolveu a consciência humana, em especial no que diz respeito as funções mentais superiores, na história de suas relações sociais (RODRIGUES e MATTOS, 2009).

c. Ontogênese: Podemos entender a ontogênese como a evolução de um indivíduo em específico, desde o embrião até a morte, e que todos os significados que o indivíduo constrói ao longo de sua vida fazem parte do domínio ontogenético. (SIMÕES NETO, 2016).

d. Microgênese: O domínio microgenético trata da construção de significados a partir de situações ou fenômenos que rodeiam o indivíduo, dos fatos que acontecem nas interações que o indivíduo estabelece em contexto social, em dimensão micro (SIMÕES NETO,2016). Esse domínio se refere ao micro processo ou microgênese que ocorrem em situações de interação e expressão de ideias, geralmente em um curto espaço de tempo e circunstâncias específicas, como, por exemplo, em uma sala de aula, em entrevistas e em respostas a questionários. Essas situações permitem estudos longitudinais de curto prazo (WERTSCH e STONE, 1985), que caracterizam esse domínio específico. Conforme aponta Coutinho (2005, p.21), a microgênese se relaciona a “dados relacionados à gênese de um conceito em um curto período, permitindo um estudo longitudinal de curto prazo”.

Quando estamos trabalhando com a determinação de zonas no perfil conceitual, Mortimer et al. (2011) apontam que para construir um perfil, é estritamente necessário, primeiro, considerar uma grande diversidade de significados atribuídos a um conceito e uma variedade de contextos de produção de significados. E segundo incluir pelo menos três dos quatro domínios genéticos considerados por Vigotski em seus estudos sobre as relações entre pensamento, linguagem e formação de conceitos, a saber, o domínio sociocultural, o ontogenético e o microgenético (WERTSCH, 1985) para pensar a constituição das zonas do perfil conceitual.

Em outras palavras, Mortimer et al. (2014) argumentam que devemos estudar como a gênese de um conceito ocorreu no domínio da história sociocultural, ou seja, como ocorreu os entendimentos sobre um determinado conceito em toda a história da humanidade. Ao mesmo tempo, também devemos procurar estudos para nos informar sobre como este conceito é aprendido e como ele evolui através da história particular de cada indivíduo, lidando, neste caso, com o domínio ontogênico.

Finalmente, devemos associar esses estudos, dos dois domínios (sociocultural e ontogenético) com um terceiro domínio, o microgenético. Ao considerar os dados de todos esses domínios genéticos, estaremos investigando uma variedade de significados atribuídos a um conceito em uma diversidade de contextos de criação de significados. Isso nos permite construir perfis conceituais que são modelos mais poderosos e férteis da heterogeneidade de formas de pensar e falar disponíveis em uma sociedade para uso em uma variedade de contextos ou domínios da experiência.

Alguns trabalhos como o de Mortimer et al. (2011) e mais recentemente o de Mortimer et al. (2014), apontam que o que se busca na construção de perfis conceituais, uma vez de posse dos dados relativos à produção de significado nestes domínios genéticos são os compromissos ontológicos, epistemológicos e axiológicos que estabilizam modos de pensar e falar sobre os conceitos e, assim, tornam possível individualizar zonas para a construção de um perfil.

Diversos trabalhos (AMARAL E MORTIMER, 2006; COUTINHO, MORTIMER E EL- HANI, 2007; MORTIMER, SCOTT E EL-HANI, 2009; SEPÚLVEDA, MORTIMER E EL- HANI, 2013; AMARAL E SILVA, 2013 E MORTIMER et al., 2014) apresentam alguns aspectos metodológicos que devem ser considerados para a proposição de perfis conceituais, buscando alguma garantia para que as investigações realizadas sejam, de fato, consideradas como parte do programa de pesquisa a respeito de tais modelos.

Como o foco dessa investigação, não é de fato a proposição de perfis conceituais, não nos ateremos com profundidade a essa discussão metodológicas que compõem as fases ou etapas na elaboração das zonas do perfil, mas, descreveremos resumidamente os principais aspectos que compõem essa metodologia.

A primeira questão que merece ser considerada, é que nem todos os conceitos podem ser perfilados. Algumas características importantes quanto à escolha do conceito a ser estudado: deve

ser um conceito central ou estruturante no ensino de ciências, deve ser polissêmico conceito e possuir um significado estabilizado na linguagem científica e também na linguagem cotidiana.

Outro aspecto metodológico que dever ser considerado central, na proposição dos perfis, diz respeito à diversidade de fontes e dados de pesquisa que deve compor a análise. Mortimer et al. (2014) enfatiza que para buscar os compromissos epistemológicos, ontológicos e axiológicos na proposição das zonas, devem ser considerados dados de uma variedade de fontes, de uma maneira dialógica, e não sequencial, sobre a qual se coloque todos o conjunto de dados ao mesmo tempo em interação uns com os outros. O que culmina com um conjunto de etapas, recomendada por diversos autores, como por exemplo, Mortimer et al. (2011), Mortimer et al. (2014) e Sepúlveda, Mortimer e El-Hani (2014) que explica, em certa medida, etapa por etapa a construção dos perfis conceituais com base nesse programa de pesquisa e que são apresentadas resumidamente na figura 10.

Figura 10: Metodologia de Proposição de um Perfil Conceitual

Fonte: Sepúlveda, Mortimer e El-Hani (2014), traduzido por SIMÕES NETO, (2016).

É importante salientar, que essas etapas são complementares e se retroalimentam, garantindo a triangulação dos dados e um diálogo constante entre os domínios: sociocultural, ontogenético e

microgenético, com os compromissos epistemológicos, ontológicos e axiológicos que fundamentam a constituição das zonas do perfil.

Com base nessa representação, percebemos que de posse desse conjunto de dados, o pesquisador deve promover o diálogo entre os dados obtidos nas etapas anteriores, para catalogação das concepções emergentes e posterior proposição das zonas do Perfil Conceitual pretendido, a partir do estudo sobre os compromissos epistemológicos, ontológicos e axiológicos que essas concepções representam.

Do ponto de vista metodológico, a teoria do perfil conceitual vem incorporando a essas bases metodológicas modificações e acréscimos (SIMÕES NETO, 2016). Para além da proposição de modelos de perfis conceitual, a aplicação dos perfis em sala de aula, e as interações discursivas, também tem constituído um importante foco de pesquisa de muitos grupos que os empregam.

Numa síntese coerente quanto aos aspectos metodológicos da teoria do perfil conceitual, Mortimer e colaboradores (2014) pontuam que as metodologias para as investigações sobre perfis conceituais variam de acordo com os objetivos da pesquisa. De acordo com os autores, quando o objetivo é investigar quais zonas podem ser incluídas em um modelo de perfil para um determinado conceito, estudos em diferentes domínios genéticos levam a uma compreensão das possíveis mudanças que ocorrem nas diferentes gêneses de um conceito (sociocultural, ontogenético e microgênico). Este movimento através de diferentes domínios não tem o objetivo de buscar semelhanças ou diferenças entre eles, mas visa à compreensão da gênese conceitual em toda sua extensão e profundidade.

Quando o objetivo é determinar a evolução das zonas de um perfil conceitual particular em qualquer população, podem ser utilizados questionários e / ou entrevistas com várias questões, assegurando a variabilidade de contextos discursivos e, por extensão, de respostas e, portanto, o enquadramento destes em diferentes zonas do modelo de perfil conceitual. Em casos como este, devemos destacar que o tratamento estatístico dos dados garante maior disponibilidade dos tipos de perfis usados pela população.

Quando o objetivo é, por sua vez, acessar o contexto microgênico e examinar se os sujeitos estão cientes de seus perfis, podem ser usadas entrevistas gravadas, situações ou tarefas que caracterizem contextos diversos nos quais os diferentes modos de pensar e formas de falar venham à tona de maneira apropriada e consciente.

Finalmente, se o objetivo é analisar a sala de aula e verificar como as zonas de um perfil conceitual se desenvolvem como consequência do ensino, é preciso passar para a análise discursiva, na qual o perfil conceitual precisa ser integrado com uma ferramenta de análise do discurso, como o desenvolvido por Mortimer e Scott (2002).

Embora o perfil conceitual funcione como uma ferramenta para a análise da dimensão cognitiva, integrar a dimensão do discurso à construção dos dados permite analisar as dimensões linguísticas e sociais do discurso. E, nessa perspectiva um estudo que integre efetiva e completamente os aspectos teóricos e metodológicos do perfil numa triangulação dos dados bastante coerente com a proposta e seus desdobramentos.

4.4.2. Perfis Conceituais como perspectiva para investigar as dimensões cognitiva e

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