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O Conceito e o Contexto como Objetos Complexos

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4. A TEORIA DO PERFIL CONCEITUAL

4.5. O Perfil Conceitual Complexo

4.5.2. O Conceito e o Contexto como Objetos Complexos

De acordo com Mattos (2014), assim como na perspectiva original, o perfil conceitual como modelo da complexidade do mundo também toma como referência pressupostos da perspectiva sócio histórico e cultural, particularmente com foco na práxis humana, para representar os processos de ensino e aprendizagem, não só nas atividades escolares, mas também em qualquer atividade humana.

Nessa direção, alguns aspectos desta teoria serão considerados, a fim de apontar a necessidade de uma abordagem que relaciona a complexidade do mundo e da linguagem com a complexidade estrutural dos estados cognitivos dos sujeitos - a ecologia conceitual. Os estudos que tomam como referencias essa proposta de complexificação do perfil conceitual assumem como principal hipótese de trabalho que: as estruturas cognitivas dos sujeitos são constituídas dentro da intermediação de linguagem.

O grande diferencial da perspectiva do perfil como modelo da complexidade é a ênfase dada ao contexto. Mattos (2014) aponta para o fato de que os perfis conceituais permitem representar o aprendizado em contexto, lidando com a complexidade das dimensões culturais e históricas das representações usadas em nossa vida diária. Nas palavras do autor:

Utilizamos o contexto como elemento constitutivo e constituído pela dinâmica das interações sociais, um campo complexo de dêixis negociado nas interações sociais vivas. Nesse sentido, essa noção de um contexto complexo e do perfil conceitual complexo são duas faces da mesma moeda, unidas pela linguagem. É a complexidade das representações e mediações da linguagem que nos permitirá compreender os níveis hierárquicos do discurso humano, que se estendem da polissemia à polifonia. A complexidade estrutural dos estados cognitivos incorporados e situados que podem ser expressos por um perfil conceitual complexo nos permite representar, em contextos específicos, não apenas as dimensões epistemológicas e ontológicas dos conceitos, mas também sua dimensão axiológica. (MATTOS, 2014, p. 264, Tradução nossa.).

O modelo do perfil conceitual complexo pretende explorar alguns limites da teoria do perfil conceitual, valorizamos a multiculturalidade e enfatizando que a ciência é uma das atividades culturais humanas mais importantes. Os principais pressupostos epistemológicos e ontológicos estão alinhados com a teoria do perfil conceitual proposta por Mortimer (1995, 2014), considerando a ciência como uma maneira poderosa de estabelecer e regular as relações estruturais entre o homem e o mundo. No entanto, o modelo do perfil complexo agrega um pressuposto axiológico, que estabelece que a ciência não suporta a angústia humana em face da finitude humana (MATTOS, 2010). Portanto, a vida exige outras formas de conhecimento como epistemologias privilegiadas para lidar com os limites humanos.

O papel e a relação com o contexto na teoria do perfil conceitual não é algo novo, Mortimer (2000) já apontava para essa relação, para o autor “a noção do perfil conceitual é, portanto, dependente do contexto, uma vez que é fortemente influenciada pelas experiências distintas de cada indivíduo; e dependente do conteúdo, já que para cada conceito em particular tem-se um perfil diferente.” O modelo do perfil conceitual leva em conta as relações sociais em que o sujeito está imerso e suas implicações para o processo de aprendizagem, considerando fatores contextuais, sociais, históricos, culturais, tendo como base a teoria sócio-histórico-cultural como apresentada por Vygotsky (2004).

Diversos autores já apontavam para a complexidade do contexto: Bronfenbrenner (1979), Bernstein (1990), Wertsch (1991) (systematizing Vygotsky’s genetic theory), e também Leontiev (1978). No grupo ECCo –USP, basicamente o primeiro trabalho que buscou estreitar e discutir teoricamente a relação entre perfil conceitual e contexto foi o trabalho de Viggiano (2008), essa discussão quanto ao contexto e sua relação com o perfil vem sendo aprimorada em diversos trabalhos (RODRIGUES e MATTOS, 2009; MATTOS, 2014).

De acordo com Rodrigues e Mattos (2009) em geral, o contexto é tratado como algo externo ao homem, análogo a um cenário onde os participantes da interação atuam e o representam. No

entanto os próprios autores apontam que o contexto não pode ser reduzido aos aspectos físicos da interação, como mesas, cadeiras, quadro, etc. Na perspectiva do perfil complexo reduzir o contexto aos aspectos físicos de uma determinada interação é uma ideia equivocada. O contexto enquanto objeto complexo deve ser considerado dentro de uma perspectiva social, histórica e cultural, e compartilhado através da interação social.

Para Mattos (2014), a representação do contexto como objeto complexo implica que o mesmo é composto por diversos níveis hierárquicos, o que torna sua determinação uma tarefa também complexa. Bateson (2000) defende que o reconhecimento de um contexto para o estabelecimento de uma interação dialógica, passa pela noção de “marcas de contexto” denominadas por Mattos (2014) como dêixis contextuais.

Bernstein (1990) diz que os contextos são estabelecidos ou definidos no âmbito da Interação, e eles são governados por dois princípios: o princípio de localização e o princípio interacional. Na visão do autor, o princípio de localização atribui um sentido espacial ao contexto. O princípio interacional estabelece a temporalidade das interações entre assuntos. Além disso, existem regras de reconhecimento de contexto que são responsáveis pela sua delimitação, estabelecem as fronteiras contextuais e fornecem marcas que distinguem um contexto de outro. Para o autor, vários contextos podem coexistir simultaneamente na interação comunicativa.

Nessa perspectiva, a atribuição de significados ocorre em contextos definidos pela interação comunicativa humana e de acordo com o predomínio dos princípios comunicativos e das regras de realização. Essas regras são estabelecidas usando características contextuais internas, elementos textuais (dêixis), princípios comunicativos e outras regras contextuais.

De acordo com Mattos (2014), os mesmos princípios e regras que regulam o reconhecimento do contexto são aqueles que estruturam o uso de zonas de perfil conceitual em cada contexto. Esses princípios e as regras definem as estruturas hierárquicas dos contextos, tanto micro quanto macro, em termos sócio históricos.

Na escola, as disciplinas privilegiam tipos específicos de fala (Bakhtin 2006); em outras palavras, o discurso está em conformidade com marcadores contextuais presentes na disciplina (MATTOS, 2014) e esses marcadores contextuais não se limitam a interpretação da escola enquanto espaço físico, mas, às relações sempre complexas que se estabelecem no espaço escolar e que são compartilhadas sócio histórico e culturalmente. Nesse aspecto podemos falar que ocorre a intersubjetividade. Para Wertsch (1985) a intersubjetividade se consolida quando as pessoas que

interagem compartilham o contexto. Isso implica uma negociação de significado, na qual eles fazem concessões mútuas.

Com base nos trabalhos de Vigotski, em especial sobre o método psicogenético, Wertsch (1985) desenvolveu a noção de domínios genéticos para explicar a natureza do desenvolvimento: filogêneses, gênese histórica e cultural, ontogêneses e microgêneses. Assim como na teoria do perfil conceitual propostas por Mortimer (1995, 2000, 2014) as ideias relacionadas aos domínios genéticos também estão na base do perfil complexo, no entanto dialoga com outras perceptivas em busca de explicar melhor a relação entre o perfil e o contexto.

Fazendo um contraponto à noção de domínios genéticos proposta por Wertsch (1985), que vem sendo utilizadas nas pesquisas sobre o perfil conceitual (Amaral e Mortimer, 2005), Cole (1995) propõe outro recorte metodológico já que considera impossível uma abordagem que integre todos esses domínios, o autor propõe o domínio mesogenético.

Apoiados na ideia de mesossistemas (BRONFENBRENNER, 1996) e com base nestes aspectos gerais do contexto e das relações entre os contextos, Mattos (2014) propõe dentro de um recorte mesogenético duas categorias que nos ajudarão a compreender a dependência do perfil e do contexto (RODRIGUES e MATTOS, 2009), a saber, macro-contexto e micro-contexto. De acordo com o autor:

Utilizamos os termos macro-contexto e micro-contexto para representar dois tipos distintos níveis hierárquicos de contexto. Podemos associar cada macro-contexto com vários micro-contextos. Se entendemos uma sociedade como um macro contexto, temos vários diferentes micro-contextos associados a ele, como escolas, famílias e organizações religiosas. Por sua vez, se a escola for tomada como um macro-contexto, podemos associá- la a outros micro-contextos, como física, biologia ou aulas de história (disciplinas) ou mesmo a áreas de ciência ou humanidades. Podemos também levar uma aula de física como um macro contexto, que, por sua vez, pode ser associado a vários micro-contextos, como a resolução de problemas, atividades, aulas de leitura e escrita e aulas de demonstração de laboratório. Cada micro-contexto oferece diferentes oportunidades discursivas, aparecendo como elementos constitutivos da construção da intersubjetividade e, também, oferecendo oportunidades para o desenvolvimento e uso das zonas do perfil conceitual. Com essa estrutura hierárquica, podemos nos concentrar na complexidade dos processos comunicativos na escola e discutir o acesso a alguns aspectos da hipótese da ressonância. (MATTOS, 2014, p. 277, Tradução Nossa.).

De acordo com o autor, cada micro-contexto é, potencialmente, um lugar para acessar ou criar zonas de um perfil conceitual. Em situações sociais, as hierarquias de um contexto nos permitem classificar predominantemente contextos e associá-los às zonas do perfil conceitual utilizada, recontexualizando assim as marcas contextuais (BERNSTEIN 1990; BATESON 2000).

Por exemplo, se considerarmos a escola uma macro-contexto, encontramos uma série de micro- contextos associados onde negociações de significado acontecem e transformam (recontextualizam) cada micro-contexto, vinculando dinamicamente o uso de conjuntos de zonas de perfis conceituais com contextos específicos. Além disso, um contexto geral (macro-contexto) pode incluir mais de um contexto específico (micro-contextos). (MATTOS, 2014).

É importante salientar, que em cada micro-contextos aparecem diferentes oportunidades discursivas para a construção da intersubjetividade e, por sua vez, oportunidades distintas de formação e utilização de diferentes zonas do perfil conceitual. E isso pode ser evidenciado em diversos trabalhos produzidos pelos autores que versam sobre a dinâmica do perfil conceitual complexo que discutiremos posteriormente.

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