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Diagnósticos Participativos e Sistemas Agroflorestais

Até agora, ao se nivelar essas informações, buscou-se construir bases técnicas e éticas para técnicas e métodos de diagnóstico, desenho, implantação e

monitoramento de SAF. Pode-se resumir esses pontos da seguinte maneira: ! No Plano Cultural, o processo de diálogo e envolvimento que orienta as

metodologias participativas:

> Mobiliza o saber ecológico acumulado por indivíduos e comunidades; > Valoriza e dá continuidade e evolução a este saber;

> Oportuniza que ele seja discutido em sua lógica e parâmetros orientadores; > Permite a associação de saberes ecológicos fragmentados da comunidade

para um projeto agregador comum, fortalecendo sua economia, identidade e cultura;

> Permite que o saber dos técnicos seja mais uma peça na construção do desenvolvimento, e não o eixo central;

> Permite que o técnico evolua como um intermediário-facilitador e, ao longo do tempo, como mais um especialista no tema em que aprofunda seu conhecimento.

! No Plano Socioeconômico, as oficinas de D&D: > Mobilizam recursos humanos e biológicos locais;

> Catalisam reflexões e ações centradas na matriz produtiva, mas que tem reflexos no "Mapa de Poder" local, o qual, eventualmente, será questionado e modificado;

> Tornam claros os objetivos de curto, médio e longo prazos, potenciais, limitações, oportunidades e ameaças à concretização das ações;

> Consolidam grupos organizados e autogestionados, e assim proporcionam relacionamentos políticos econômicos mais horizontais, aumentando a eficiência das políticas públicas, desde sua formulação até sua aplicação. Como conseqüência e, ao mesmo tempo, âncora para os resultados

socioeconômicos e culturais, o processo catalisado pelo diagnóstico participativo oportuniza, no Plano Ecológico e Agroecológico:

> Identificar parâmetros apropriados pela população local, e assim gerar sistemas abrangentes e baratos de levantamento e monitoramento de fauna, flora, água e solo;

> Criar uma base dinâmica de dados que oriente e complemente estudos acadêmicos;

> Envolver a população local na implantação de estratégias de preservação, conservação e recuperação de ecossistemas, como corredores biológicos, áreas- tampão e planos de manejo;

> Criar um processo de Educação Ambiental alicerçada na prática diária, de modo que toda uma geração venha a ser, ao mesmo tempo, a que usufrui do

ecossistema e a que tem interesse em mantê-lo, rompendo com a condicionante cultural do antagonismo humanidade/florestas como eixo do desenvolvimento. Entretanto, é preciso informar com clareza que os métodos participativos não se prestam a processos compartimentalizados, e por isso:

> Ao se estimular a participação, por exemplo, apenas para levantar as espécies preferidas para plantio, visando a um programa agroflorestal de larga escala, a exclusão de aspectos socioeconômicos e culturais pode e irá criar barreiras à sua implementação;

> Os desenhos de SAF resultantes não estão isolados de um projeto socioeconômico e cultural. Portanto, eles são o primeiro passo de uma

caminhada que inclui toda a cadeia produtiva, além de eventuais conflitos com o Mapa de Poder existente;

> A replicabilidade de um desenho de SAF específico é baixa, uma vez que é um resultado único e contextual; entretanto, os princípios centrais que o orientam são abrangentes e podem ser apropriados.

Portanto, a abrangência e a extensão do sucesso desse tipo de iniciativa está, além da capacitação dos agentes de extensão envolvidos, em um sistema de trabalho ágil e descentralizado, porém, sempre que possível, sintonizado com políticas públicas, de modo a evitar sobreposições e conflitos entre elas. Entretanto, conflitos com interesses já estabelecidos não são uma exceção.

Fica claro que não existem modelos de SAF como experiências institucionais perfeitas. O que existe são processos técnicos e sociais em construção contínua, cujo sucesso está também relacionado a:

> Saber ecológico e saber técnico existente na região trabalhada; > Vontade política e recursos(humanos e financeiros);

> Contexto socioeconômico local e macro;

> Nível de democracia e participação local e regional.

Como a combinação dos condicionantes é diferente em cada caso, produzir-se-ão resultados mais ou menos rápidos, ou mais ou menos amplos conforme a

interação entre eles. Porém, tanto para quem está envolvido no processo, ou como agente/intermediário de desenvolvimento ou como participante/comunidade, o foco são as ações concretas no agroecossistema e os resultados que as

retroalimentam.

Portanto, para as comunidades, não contam positivamente apenas metas quantitativas estabelecidas como "satisfatórias" e alcançadas pelo grupo gestor/executor, mas a qualidade diária do processo. Em termos de diagnóstico participativo, a qualidade determina a vida própria e a autonomia que o processo irá alcançar, tanto quanto a quantidade. Na prática, isso significa que:

> Ações em áreas reduzidas, técnicas simples e apropriáveis pelos agricultores, bem como o uso de materiais locais podem ser mais eficientes que técnicas complexas para ação massal;

> Técnicas e ações de largo espectro são, nesta perspectiva, possíveis de serem implementadas a partir do sucesso de ações específicas e localizadas. Ou seja, o somatório da diversidade organizada pode criar as condições para a

implementação de ações de larga escala, sejam elas: " Transformação de produtos agroflorestais;

" Sistemas de informação geográfica e bancos de dados; " Sistemas de certificação e comercialização abrangentes;

" Ações políticas de defesa dos direitos das populações indígenas e tradicionais.

Conclusão

Hoje, mais de 30 anos de teoria e prática em técnicas e métodos para promover a participação das comunidades no diagnóstico e desenho de estratégias de

desenvolvimento rural estão acumulados e disponíveis para todos os acadêmicos e técnicos que tenham acesso à informação. Nesta fonte, pode-se encontrar tanto reflexões sobre princípios como técnicas específicas.

Entretanto, para quem trabalha com SAF numa perspectiva participativa e dentro de um enfoque agroecológico, abrir estes arquivos é desafiador. A metáfora que me ocorre é a de que, quando estamos consertando algo em nossa casa, recorremos a uma caixa de quinquilharias. Nela, entre milhares de objetos aparentemente inúteis, pode estar tanto a peça que precisamos, como a

convocamos os interessados no conserto e estabelecemos o que queremos consertar, e a solução (ou soluções) poderá emergir do aparente "caos" de peças e ferramentas. Em último caso, o caminho da próxima loja de ferragens deverá ser tomado.

Em outras palavras, quando se tem claro os princípios de participação e ética que orientam o processo de D&D de SAF, tanto a sócio-diversidade como a

biodiversidade não são problemas, mas sim solução. Do mesmo modo, técnicas e sistemas de D&D "úteis" podem ser encontrados ou mesmo recriados dentro de cada situação, desde que os princípios para sua estruturação estejam claros. Uma fonte externa de informação é sempre bem-vinda, desde que não sobreponha ou ignore os recursos locais. Finalmente, é bom lembrar que saber é poder, somente quando se tem poder para exercer o saber.

Richard Lewontin, no prefácio à "The Ontogeny of Information: Developmental Systems and Evolution", de Susan Oyama, coloca que a informação, do ponto de vista da evolução dos seres vivos, só vem a existir mediante de um processo de ontogenia, ou seja, que passa desde a fecundação até o momento em que o indivíduo se encontra apto à reprodução. Ele chama a ferramenta analítica utilizada por Oyama, na explicação do processo evolutivo dos seres vivos, de

"construtivismo dialético". A seu ver, a evolução biológica é fruto de um processo organizador da diversidade, ao contrário do que se busca como dogma atual, que é a reprodução da uniformidade. Num mundo ameaçado pela fragmentação, pelo individualismo materialista, pela xenofobia e por um racionalismo cínico, é

reconfortante dar-se conta de que um pedagogo latino-americano, um antropólogo inglês e um geneticista de Harvard estão tão próximos em princípios éticos e ferramentas de análise e produção do saber.

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