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A diferença e a cultura como fundamentos do pensar sobre o currículo A partir das décadas de 1970 e 1980, partindo dos princípios da

4. CURRÍCULOS INTEGRADOS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: PRESCRITOS, (PRÉ)ESCRITOS E POSSIBILIDADES INSTITUINTES.

4.1. O CURRÍCULO: CONCEPÇÕES, TEORIAS E HISTÓRIAS

4.1.4. A diferença e a cultura como fundamentos do pensar sobre o currículo A partir das décadas de 1970 e 1980, partindo dos princípios da

fenomenologia, do pós-estruturalismo e o multiculturalismo, as teorias curriculares pós-críticas emergiram apresentando-se como um movimento que coloca a diferença como sua característica principal. Assim como as teorias críticas, a perspectiva pós-crítica criticou duramente as teorias convencionais.

Entra, no campo das questões curriculares, a perspectiva da cultura como um movimento de relações e lutas. Sendo assim, a percepção sobre a diferença passa a ser um conceito relacional, que se estabelece, portanto, a partir das relações de poder. Desse modo, mais do que a realidade social dos indivíduos, precisamos compreender também os estigmas étnicos e culturais, tais como a raça, o gênero, a orientação sexual e todos os elementos próprios das diferenças entre as pessoas, para não permitir que o currículo legitime “através da seleção de conteúdos, atividades e valores, determinadas visões de mundo e de cultura, em detrimento de outras.” (MACEDO, 2013, p. 62)

As teorias pós-críticas consideram que o currículo tecnicista atua como o legitimador dos modus operandi dos preconceitos que se estabelecem pela sociedade. Além do mais, em um viés pós-estruturalista, o currículo passou a considerar a ideia de que não existe um conhecimento único e verdadeiro, sendo essa uma questão de perspectiva histórica, ou seja, que se transforma em diferentes tempos e lugares.

[...] um currículo inspirado nessa concepção não se limita, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade. (SILVA, 1999, p. 88)

O campo do currículo no contexto educacional tem se constituído em constante foco de atenção de diferentes grupos sociais: autoridades, professores, gestores, pais, estudantes e todos os que estão envolvidos na dinâmica escolar, ainda que com diferentes intenções e compreensões. Entretanto, é preciso reconhecer que não há para os atores envolvidos, seja com a prescrição (instituído) ou com a ação

(instituinte) curricular, com interferência mais ou menos diretiva, neutralidade político-pedagógica.

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos de ensino. O currículo é uma prática na qual se estabelece diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente a ele, professores que o modelam. (SACRISTÁN, 2000, p. 15 e 16)

Assim, compreendendo o currículo como uma prática, na qual as múltiplas interações possibilitam a construção e reconstrução de saberes, em um processo dinâmico e dialético, trazemos a reflexão de um dos autores/narradores dessa pesquisa:

Eu acho que repensar currículo e refazer currículo é buscar sentido pro currículo, né? Ou seja, não dá mais pra eu ficar no manual, no livro, eu preciso encarar a minha realidade, e então, ao encarar essa realidade de maneira dialógica e coletiva, eu transformo o currículo. O currículo se transforma numa sugestão e essa sugestão me aponta pra algo, mas que não é algo fechado, não é algo pronto, estático, é algo que se constrói. Então, é nesse sentido que eu acho que o currículo se constrói o tempo inteiro, e a grande chave pra reconstrução e a atualização desses currículos é a de diálogo e coletividade. (JP Capim Limão)

4.2 SOBRE DISCIPLINARIZAÇÃO, GRADES E DEMAIS ARTEFATOS

CURRICULARES.

Não restam dúvidas de que a forma clássica de organização dos currículos escolares ainda se dá por meio de grades e disciplinas, dispostas de forma linear e justapostas, como afirma Macedo (2013); a perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, comprometendo, assim, a nossa capacidade de perceber o mundo de forma coesa, íntegra, global. Na mesma direção, Gallo (2000) deixa claro que no contexto educacional contemporâneo, a compartimentalização do conhecimento é a premissa fundante da organização e gestão dos currículos escolares.

Observamos em algumas narrativas nas com-versações realizadas no campo de pesquisa, que a percepção dos atores/narradores in situ, nos diferentes lócus, corrobora as reflexões propostas por Macedo e Gallo:

Essa visão de currículo, que a gente percebe, ela perpassa mais a questão das disciplinas. O que é mais visível quando se fala em currículo, as pessoas pensam logo em uma grade curricular, né? Em disciplinas. Quais as disciplinas que compõem, por que compõem, por que você coloca aquela disciplina na parte diversificada? Mas a gente tem uma visão mais de currículo voltado de uma forma mais ampla. (VP Lavanda)

Então, a gente tem uma formação que é efetivamente, né, as licenciaturas, elas não, elas não têm essa perspectiva, né? Integradora. São formações voltadas, conteudistas, que, inclusive, negligenciam dos aspectos pedagógicos, porque tem muitos aspectos que a gente vai descobrindo na prática. (JP Camomila) Denominada por Lopes e Macedo (2011, p. 107) de “tecnologia de organização e controle de saberes, sujeitos, espaços e tempos em uma escola”, a organização curricular por disciplinas reflete não apenas a compartimentalização dos saberes científicos, mas traz em si uma questão de poder. E, a partir dessa afirmação, podemos compreender que pessoas fazendo currículos impregnam, ou pelo menos tentam impregnar a esses movimentos, sejam instituídos ou instituintes, suas concepções de homem, ensino, aprendizagem e sociedade.

A esse tipo de currículo, Basil Bernstein (1988, apud SANTOMÉ, 1998, p. 104) denomina “currículo quebra-cabeças, ou tipo coleção”, referindo-se a um currículo organizado por meio de um forte processo de classificação, no qual os conhecimentos estão dispostos de forma separada, sem estabelecer mínimas relações entre si, “reflexo de outras separações e hierarquizações no mundo da produção, especialmente a que separa o trabalho manual do intelectual”.

O processo de disciplinarização pelo qual passa a construção da ciência moderna traz embutida em si esta afirmação da equivalência entre saber e poder. Dividir o mundo em fragmentos cada vez menores é facilitar o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem seu domínio. (GALLO, 2000, p. 03)

Nessa perspectiva, os atores curriculantes, ou seja, professores, estudantes, coordenadores, gestores escolares, pais, outros funcionários das escolas, enfim, todos os que se inserem na cena curricular, pensando e fazendo currículo cotidianamente, veem reduzidas suas possibilidades de decidir sobre os processos, os conteúdos a serem estudados, assim como a forma de organização dos mesmos,

tendo como resultados mais comuns a incompreensão do que foi estudado, uma vez que o que conta é o conteúdo fragmentado, memorizado e reproduzido, conforme podemos ver nas narrativas:

Até por ter pouco tempo, a gente não aprende a matéria, a gente decora pra fazer a prova naquele dia porque já tem outra prova e ainda tem trabalho; tem dia que tem três provas e trabalho pra fazer num dia só. (JE Rosa)

Eu me vejo na condição de aluno, porque quando a gente é aluna, a gente vê português, matemática, história, geografia, tudo bem separadozinho, né? Quando a gente parte pra realidade, sai dos muros daqui a gente vê tudo junto. Então, assim, ninguém tem aquela matéria sozinha, né? [...] meu mundo é matemática, desenho, geografia, história, que é tudo que a gente convive diariamente. (VP Jasmim)

Nós aprendemos a reproduzir enquanto professores, nós aprendemos a trabalhar individualmente, e nos falta, na grande maioria dos professores da rede federal como um todo, e fora dela, o espírito de trabalho coletivo, né? (JP Capim Limão)

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