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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.2 Dificuldade de aprendizagem ou fracasso escolar?

Para elucidar a compreensão dos participantes sobre Dificuldade de Aprendizagem e Fracasso Escolar, foi feita a pergunta: Para você há alguma diferença entre dificuldade de aprendizagem e fracasso escolar? Assim, ficou claro que o grupo de educadores entende os dois fenômenos como sinônimos, ou atribuem fatores que levam ao fracasso escolar como sendo fatores que influenciam a dificuldade de aprendizagem, sendo um reflexo de todo contexto psicossocial no qual a criança está inserida. Como apresentado nos trechos de fala a seguir:

“Eu entendo como sinônimos: dificuldade e fracasso. Tem alguma diferença? Não, acho que não” (E04).

“São tantas coisas envolvidas que podem levar ao fracasso e à dificuldade de aprendizagem, o que pode levar à dificuldade de aprendizagem, pode levar ao fracasso, então...é a mesma coisa” (E06).

“Eu acho, tem, deve ter, deixa eu pensar direitinho para responder. Tem relação, tem diferença não, deve ser a mesma coisa” (E08).

“A questão social, financeira, familiar e da escola também. A realidade socioeconômica dessas crianças é um dos fatores, na verdade o principal fator da dificuldade de aprendizagem, e o fracasso eu desconheço” (E08).

“Pode ocorrer na escola, que o professor não se planeje, uma questão ambiental da própria escola, ou a família que, por exemplo, não realiza as tarefas de casa, não dá continuidade ao que foi proposto na escola, na casa dele é outro ambiente totalmente diferente, ou pode ter também de um profissional que não se dedique o tanto que era necessário” (E13).

“Essa falta de aprendizagem, dificuldade de aprendizagem é por conta da família, tenho certeza que é por conta familiar, porque eles não têm assim um incentivo. Ele não tinha essa ajuda em casa” (E14).

nível familiar quanto social. A nível familiar é esse desamparo da família, esse olhar da família, que deveria ter com a criança, em relação aos estudos e ao crescimento da criança” (E15). “A criança com dificuldade de aprendizagem, a gente percebe que tem alguns transtornos familiares, pais separados, crianças que são criadas por avós” (E19).

Nesse momento, pensei que poderia haver uma culpabilização da criança nas respostas, um transformar de problema social em problema biológico, ou seja, a medicalização na educação, que vem ocorrendo em grande escala na nossa sociedade; no entanto, o que encontro é uma tendência à responsabilização da família, sem considerar, muitas vezes, o contexto no qual ela está inserida.

Fica clara também uma justificativa que sempre vem isentar a responsabilidade do professor; no entanto, ele também está inserido nesse problema complexo e pode influenciar o desenvolvimento da criança.

O grupo da equipe de Saúde entende a dificuldade de aprendizagem como um problema mental, e o fracasso escolar como um fenômeno multifacetado, como destacado nas falas abaixo.

“A dificuldade de aprendizagem não chega pra mim, acho que deve chegar mais pra psicóloga, pra mim não chega, chega mais as questões de um aluno que tá fazendo uso de drogas, um relacionamento conflituoso na família, chega mais pra mim isso, essa dificuldade não chega” (S03).

“Geralmente as escolas encaminham com dificuldade de aprendizagem... a gente observa que o problema não é especificamente TDAH, não é um quadro sugestivo pra TDAH, mas que é um problema da dinâmica familiar mesmo, de uma rotina inadequada da criança, de uma falta de estímulo adequado em casa, na maioria dos casos é por conta disso. A dificuldade ela tem mais a ver com essa questão mental mesmo e o fracasso pode ser assim, por essa falta de estímulo adequado” (S05).

“Normalmente o que mais tem chegado aqui não é dificuldade de aprendizagem mesmo... é a questão mesmo de limites, os pais estão muito ausentes porque trabalham, tem um cuidador que fica com essa criança, uma vizinha, uma avó que já tem outras crianças para ela cuidar também, aquela criança que não tem limites, que não tem respeito à autoridade, então se eu

não tem autoridade em casa pra respeitar, porque vou respeitar o professor em sala de aula?” (S07).

“Eu sei que boa parte das crianças identificadas com dificuldade de aprendizagem não tem transtornos, e eu sei que sendo encaminhadas isso pode se perder e a situação continuar porque não foi abordada no âmbito que precisava, ali com a família, com a escola, enfim!” (S08).

Apesar de uma melhor compreensão dos termos “dificuldade de aprendizagem” e “fracasso escolar”, assim como no grupo dos educadores, há uma tendência de responsabilização da família pelo fracasso escolar; porém, os problemas de escolarização e o comportamento inadequado dos alunos não deve ser entendido de forma isolada, pois o aluno pertence a uma sociedade e a uma cultura, sendo influenciado por ela (LEONARDO; SUZUKI, 2016).

Somado a isso, a família, segundo Sameroff (2010), representa uma parte do sistema ecológico biossocial (Figura 2.) e sofre interferência de fortalecimento ou de vulnerabilidade da política e da comunidade, e esse modelo contextual ainda sofre influências dos modelos de regulação e representação no desenvolvimento da criança, segundo a teoria.

Considerando que o preenchimento do campo de saúde mental da avaliação global, no item “professor suspeita de dificuldade de aprendizagem? ( ) Sim ( ) Não” é preenchido pelos educadores, e agora, entendendo o conhecimento dos educadores sobre dificuldade de aprendizagem, justificam-se os números alarmantes, de verdadeiros surtos epidemiológicos de problemas de saúde mental nas crianças, no que tange à dificuldade de aprendizagem.

Ao questionar os educadores sobre esse item da avaliação global “dificuldade de aprendizagem”, a resposta é unânime ao dizer que as fichas são apenas entregues, pouca ou normalmente nenhuma explicação é dada, sendo visto apenas como uma cobrança a mais à escola (NC).

Os professores referem não ter conhecimento para fazer muitas coisas presentes nessas avaliações, mas que são cobrados. Falam também da responsabilidade que é fazer um diagnóstico errado e que eles são professores. Somado a isso, dizem responder muitos papéis e nunca ter nenhum retorno do que foi feito, mostrando inclusive que as fichas de 3 anos de avaliação estão em sacos pretos (literalmente falando), ocupando um espaço enorme na secretaria (NC).

No entanto, essa avaliação sem um olhar multidimensional, que favoreça entender a complexidade existente, pode trazer repercussões na vida da criança; além de deixar o professor

em situações vulneráveis, diante de uma atribuição para a qual ele não tem formação. Pois, a busca geralmente é por um diagnóstico focado no biológico, como pode ser observado na fala abaixo.

“Tem lá: você acha que esse aluno tem (quando é fala, o professor identifica que o aluno troca uma letra por outra e ele coloca isso para até fazer o seu planejamento e colocar no relatório do aluno), mas, às vezes, vinham certas planilhas4 para mim que eu não concordava. Eu

dizia...pera...eu não sou dessa área, não tenho domínio para atuar nessa área e dizer se o aluno tem alguma doença, mas a gente tem que preencher” (E05).

A necessidade de apresentar números para preencher planilhas e entregar resultados leva a erros que impossibilitam a organização de ações para redução da problemática, inclusive por meio do PSE. Para que ações sejam organizadas, é necessária avaliação eficaz e, para isso, é preciso que os atores que preenchem as avaliações conheçam seus termos, o que pode reduzir, inclusive, a ansiedade durante avaliação e preenchimento. Logo, devemos questionar: qual a eficácia do preenchimento dessas fichas? Qual a resolutividade das ações desenvolvidas considerando esse preenchimento? Qual o benefício em “rotular” crianças? Além disso, a farmacoterapia pode melhorar os sintomas do transtorno mental, mas tem efeito limitado sobre o funcionamento social e qualidade de vida (KAHN, et al., 2004), o que pode ser consequência de uma avaliação não criteriosa.