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2 QUADRO TEÓRICO CONCEITUAL

2.6 Dificuldade na aprendizagem da matemática escolar

2.6.1 Dificuldade para aprendizagem ou dificuldade de aprendizagem?

Ter dificuldade é essencial para a vida, é essencial para a aprendizagem. Os desafios propostos por meio de atividades matemáticas, por exemplo, podem nos motivar, a partir da criação de obstáculos que queremos ultrapassar e de necessidades para a ação, inclusive para o aprender. Logo, a dificuldade é essencial para a aprendizagem, como algo que impulsiona um indivíduo. Uma criança pode ter dificuldade para resolver um quebra-cabeças, mas o desafio de ultrapassar os obstáculos e chegar à resolução do problema faz com que a dificuldade seja um propulsor da ação. Há, assim, um desequilíbrio cognitivo para a reelaboração de estratégias para resolução do problema, eliminando a dificuldade. Para que haja aprendizagem deve haver uma necessidade, um incômodo, um obstáculo, algo que leve a criança à ação. Muniz (2006, p.151) destaca a necessidade do trabalho com situações- problema como geradora de superação de dificuldades, promovendo, assim, a aprendizagem matemática.

Propor situações-problema deve significar a oferta de situações de desafio, desafio gerador de desestabilização afetiva e cognitiva, fazendo com que a criança se lance à aventura de superação da dificuldade proposta pelo educador, e, assim, realizando atividades matemáticas.

Portanto, a dificuldade é necessária para a aprendizagem, porém, como já salientou Brousseau (1989), essa dificuldade, ou obstáculo, não pode se tornar um paralisador da aprendizagem para a criança, contudo, é frequente uma dificuldade se tornar uma barreira para a aprendizagem.

D’Amore (2007, p. 211), a partir da teoria de Brousseau, define obstáculo como uma ideia que, no momento da formação do conceito, foi eficaz para enfrentar os problemas anteriores, mas que se revela um fracasso quando se tenta aplica-la a um novo problema. Dado o êxito obtido tende-se a conservar a ideia já adquirida e comprovada e, apesar do fracasso, busca-se salvá-la; mas esse fato acaba sendo uma barreira para aprendizagens sucessivas.

A criança na realização de atividades matemáticas, ao se deparar com uma situação nova, utiliza o repertório de saberes, conhecimentos e esquemas já construídos anteriormente, por isso a importância da criança ser acompanhada pelo educador de forma a permitir a produção de novos esquemas para transposição dos obstáculos. Ao educador cabe o papel de observar e avaliar a criança em processo de aprendizagem para que os obstáculos necessários à aprendizagem não se tornem obstáculos permanentes e intransponíveis, impedindo novas aprendizagens.

Brousseau (1996) apresenta três obstáculos para aprendizagem e D’Amore (2007, p. 215) resume os três obstáculos trazidos por Brousseau como:

• O obstáculo ontogenético, ligado ao estudante e à sua maturidade (sob muitos pontos de vista);

• O didático, à escolha estratégica do docente; • O epistemológico, à própria natureza do assunto.

Superar tais obstáculos é parte essencial do processo de aprendizagem, ou seja, superar obstáculos implica na realização de novas aprendizagens. Como destaca Bachelard (2006) os obstáculos sempre existem, pois a construção de um novo conceito encontra os conceitos previamente construídos como primeiros obstáculos. Construir conceito, então, implica rever, negar, ampliar, reconstruir conceitos até então consolidados na história cognitiva de cada criança que aprende.

Logo, os obstáculos são importantes para o processo de aprendizagem, porém esses obstáculos são, por vezes, intransponíveis para alguns alunos, gerando dificuldade de aprendizagem matemática. Entretanto, o processo de aprendizagem matemática não depende apenas dos fatores operacionais do psicológico, das metodologias de ensino ou dos aspectos epistemológicos desse conhecimento, mas de um sistema (MORIN, 1977) que envolve também aspectos culturais do contexto em que vive e simbólico-emocionais da própria

criança, e que a escola deveria considerar no processo de ensino e de avaliação das dificuldades (GONZÁLEZ REY, 2006).

A resolução de uma situação-problema pode ser encarada por um indivíduo como desafio, o problema é que as crianças são diferentes, com subjetividades distintas, logo a dificuldade gerada pelo desafio pode ser um paralisador da ação e da aprendizagem, principalmente quando tratamos da aprendizagem dentro do ambiente escolar. A aprendizagem matemática pode estar em diferentes contextos, mas é a aprendizagem da matemática escolar que geralmente leva a criança a sentimentos de impotência, estresse, desânimo, insegurança e frustração (DAL VESCO, 2002; GÓMEZ CHACÓN, 2003; MEDEIROS, 2009; 2012), emoções muitas vezes presentes durante a realização de uma atividade matemática por uma criança e que podem provocar dificuldades de aprendizagem, pois contribuirão para que a criança não ultrapasse os obstáculos necessários para a efetivação da aprendizagem.

Tais emoções aparecem no espaço escolar porque a sala de aula não é apenas um espaço de aprendizagem das ciências, mas também de cobranças, de valores, de diferenças culturais, de olhares reprovadores, além disso a criança que convive nesse espaço tem uma história, a qual permitiu experiências que possibilitam a produção de sentidos subjetivos que irão emergir nessa sala de aula por meio das configurações subjetivas e que norteiam o fazer matemática, além dedesejos, sonhos, frustrações e esperanças. As emoções que uma criança manifesta no ato de aprender não advém apenas do espaço escolar, mas das diversas experiências que se expressam na ação do aprender por meio das configurações subjetivas.

Para Smole (2000), além das competências lógico matemáticas, as inteligências pessoais também devem ser consideradas no processo de ensino-aprendizagem.

Trazer essas competências para o âmbito das ações docentes significaria observar a capacidade de cada criança em sentir-se bem diante do conhecimento que a escola apresenta a ela, não ser temerosa, insegura e passiva ante os desafios e problemas que a ela se apresentam, ser capaz de regular-se emocionalmente para buscar saídas, soluções, alternativas, posicionando-se autonomamente frente às suas conquistas e buscando segurança para superar eventuais obstáculos (SMOLE, 2000, p. 132).

A partir desse contexto, destacamos dois tipos de dificuldades dentro do espaço escolar, a dificuldade para aprendizagem, que leva a criança à aprendizagem por meio da organização do meio, no qual o educador propõe obstáculos transponíveis pela criança por meio da elaboração de atividades que possibilitem a aprendizagem. O segundo tipo de dificuldade é a dificuldade de aprendizagem, ou seja, aquela em que a criança não consegue

transpor os obstáculos oferecidos pelo educador no espaço escolar. Porém, tal incapacidade em transpor certos obstáculos propostos pelo educador pode ter origens diversas, que não estão apenas na capacidade cognitiva de cada criança, mas principalmente na subjetividade dessa.

É nesse sentido que daremos destaque à aprendizagem da matemática escolar de crianças consideradas em situação de dificuldade de aprendizagem no que se refere aos aspectos subjetivos, pois se sabe, a partir de pesquisas de Rossato (2009), Rossato e Mitjáns Martínez (2011), Mitjáns Martínez (2012b), Mitjáns Martinez e González Rey (2012), González Rey (2005a, 2006, 2007), Tacca (2005), que a aprendizagem não é um processo apenas cognitivo, mas pertence a uma rede de fatores, que faz parte da subjetividade da criança e que a leva a aprendizagens totalmente distintas, a depender da criança, do contexto, do tempo histórico, das relações praticadas nesse processo, ou seja, a aprendizagem é complexa e sistêmica, e ocorre em um indivíduo histórico e culturalmente situado.