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2 QUADRO TEÓRICO CONCEITUAL

2.6 Dificuldade na aprendizagem da matemática escolar

2.6.2 O que queremos dizer com dificuldade de aprendizagem da matemática

Como analisamos anteriormente, a escola surge como local de aprendizagem e de formatação de espíritos por meio de práticas punitivas, e é nesse espaço que surge o termo dificuldade de aprendizagem. Quando uma criança ainda não consegue, em casa, comer com talheres, não mencionamos que ela está com dificuldade de aprender a usar os talheres, simplesmente ela ainda não come com talheres ou tem dificuldade em usar os talheres, porém se uma criança aos oito anos, depois de três anos de escolarização, não alcança ler, provavelmente ela será identificada com dificuldade de aprendizagem no campo da leitura. Assim, a dificuldade de aprendizagem escolar envolve fatores como objetivos escolares, sistema avaliativo e tempos ou ciclos de aprendizagem.

Para Sisto (2012, p. 21), “o campo das dificuldades de aprendizagem delimita-se, oficialmente, a partir de 1963. Por suas origens, ainda que observado no mundo inteiro, é marcadamente norte-americano e canadense”. Isso ocorreu quando um grupo de pais que tinham filhos que, sem razão aparente, apresentavam algum tipo de dificuldade na aprendizagem, principalmente da leitura, reuniram-se em Chicago, Estados Unidos. Na ocasião convidaram profissionais de diferentes áreas, médicos, neurologistas, psicólogos, para darem alguma solução e explicação sobre a dificuldade de aprendizagem de seus filhos.

Na ocasião, foi criada e organizada a Associação de crianças com Dificuldades de Aprendizagem (Association of Children With Learning Disabilities, ACLD), com objetivos bastante claros de obter fundos para a criação de serviços educativos

especializados e de qualidade, como uma particularidade a mais da educação especial a ser oferecida nas escolas (SISTO, 2012, p. 22).

Durante muito tempo os problemas de aprendizagem estiveram associados a distúrbios neurológicos e a deficiências auditiva, visual, motora ou múltipla, a ACLD surgiu em um contexto onde as crianças, mesmo sem apresentarem qualquer tipo de deficiência, distúrbio neurológico ou lesão cerebral, tinham dificuldade de aprendizagem.

Até então, os expertos ou especialistas referiam-se a elas como crianças com lesão cerebral ou crianças com disfunção cerebral mínima, crianças com dislexia, entre outros. Foi nesse contexto que o psicólogo Samuel Kirk, que estava trabalhando com crianças com atraso mental, dificuldades da linguagem e da leitura, propôs que esses inexplicáveis obstáculos observados na aprendizagem da leitura – como não podiam ser atribuídos em nível de inteligência, ao ambiente familiar ou educativo – poderiam ser chamados de dificuldades de aprendizagem (learning disabilities), pois se referiam a problemas de aprendizagem acadêmica. (SISTO, 2012, p. 21 – 22)

As dificuldades de aprendizagem sempre existiram, mas tomaram corpo e se tornaram motivo de preocupação a partir da década de 60. Os alunos que não atingiam os objetivos escolares dentro de um determinado período eram classificados como alunos com dificuldade de aprendizagem.

A escola que se constituía na década de 60 primava por valores capitalistas: individualismo; meritocracia. Assim, a criança que não alcançava os objetivos delimitados para determinada série não era o foco dos professores, que viam nos alunos que atendiam os requisitos impostos por esse arranjo o foco central, deixando de lado os alunos que não atendiam ao modelo pretendido.

Aqueles alunos que não conseguiam transpor os obstáculos de aprendizagem, sejam eles de origem ontogenética, didática ou epistemológica (BROUSSEAU, 1996), eram excluídos do processo de aprendizagem. A não-aprendizagem desses alunos era então apresentada como dificuldade de aprendizagem.

Podemos destacar, ainda, a exclusão, por parte da escola, da vida pessoal do aluno. A aprendizagem depende de fatores que estão além dos muros da escola, pois as configurações subjetivas na ação do aprender são constituídas de sentidos subjetivos advindos de diferentes espaços da vida da criança. Com o foco no cientificismo e na razão, com forte influência positivista (KAMII, 2005), a escola exclui os aspectos afetivos, sociais e familiares, focando nos aspectos intelectuais e memorísticos, que acreditavam ser independentes dos processos afetivos.

Medeiros e Muniz (2016) mostraram, ao estudarem os trabalhos de pós-graduação sobre dificuldade de aprendizagem matemática no Brasil, que as pesquisas têm enfatizado os aspectos cognitivos e didáticos como as principais causas de dificuldade de aprendizagem

matemática em caso de crianças sem algum tipo de deficiência, os aspectos afetivos são esporadicamente citados em poucos trabalhos.

A dificuldade de aprendizagem matemática, dentro do ambiente escolar, pode se dá devido a muitos fatores, porém são os três obstáculos citados por Brousseau (1996) que aparecem com maior frequência nos trabalhos sobre as dificuldades de aprendizagem matemática (MEDEIROS; MUNIZ, 2016), mas que não abarcam toda a complexidade do sujeito, incluindo os fatores afetivos, tão pouco trabalha a aprendizagem da matemática de forma sistêmica, mas sim de forma linear.

O que os atuais estudos sobre dificuldade de aprendizagem da matemática escolar não têm mostrado (MEDEIROS, 2016) é que as dificuldades de aprendizagem estão envoltas de processos simbólico-emocionais (GONZÁLEZ REY, 2005a) produzidos pelo indivíduo que aprende matemática, envolvendo, ainda, aspectos cognitivos e afetivos.

Por isso, devemos avançar para além dos conceitos presentes nos atuais trabalhos sobre dificuldade de aprendizagem matemática (MEDEIROS; MUNIZ, 2016). Como destaca Brousseau (1996, p. 73):

O que o aluno tem em sua memória parece ser o objetivo final da atividade de ensino. As características da memória do indivíduo, em particular seu modo de funcionamento e seu desenvolvimento, têm constituído na base teórica da didática, de maneira tal, que se tem reduzido o ensino à organização da aprendizagem e das aquisições do aluno- indivíduo. Vários trabalhos mostram a insuficiência (e os inconvenientes) desta concepção que ignora especialmente as relações entre a organização do saber (e suas modificações na relação didática) a organização do meio e suas exigências institucionais e temporais para gerar uma ou outra memorização, e a reorganização e as transformações dos conhecimentos que o sujeito realiza.

Avançar para além dos aspectos cognitivos e memorísticos é essencial para entendermos o processo de aprendizagem de crianças em situação dificuldade de aprendizagem escolar pois

dificuldade de aprendizagem escolar não significa impedimento geral para aprender – afinal, existem muitos outros espaços em que a aprendizagem ocorre - mas a dificuldade em aprender conceitos científicos dentro do tempo e dos padrões avaliativos utilizados na escola (ROSSATO; MITJÁNS MARTÏNEZ, 2011, p. 72).

Assim, a partir da análise teórica dos trabalhos de Corso (2008), Lautert (2005), Moura (2007), Muller (2012), Medeiros (2016) e Rossato e Mitjáns Martínez (2011) definimos criança com dificuldade de aprendizagem matemática como aquela que apresenta dificuldade em dominar conceitos matemáticos escolares dentro do tempo, espaço, objetivos e estruturas avaliativas determinados pelo sistema escolar, mas que podem ser superadas a partir do desenvolvimento subjetivo.