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3 Procedimentos metodológicos

3.2 Estratégias metodológica

Tendo como base teórica a Epistemologia Qualitativa, assumimos no presente trabalho a metodologia construtivo-interpretativa (GONZÁLEZ REY, 2005b). Como explicamos anteriormente, a Epistemologia Qualitativa tem como um de seus princípios o caráter construtivo-interpretativo da pesquisa. Assim, destacamos a importância do processo construtivo-interpretativo da pesquisa, que surge aqui como metodologia de pesquisa.

O processo de construção teórica não se dá a priori, pois é tecido processualmente a partir do diálogo com os participantes, das informações construídas no campo de trabalho, do esforço interpretativo e criativo do pesquisador que permitirá a produção de um modelo teórico que guiará o trabalho de campo, no qual os elementos da realidade emergem de forma que o pesquisador consiga fazer reflexões sobre aquele momento, destacando o caráter interpretativo da pesquisa, no qual o trabalho de campo e a construção teórica se dão no mesmo espaço e tempo. A reflexão do autor sobre o objeto de estudo, nessa perspectiva metodológica, se dá a todo momento da investigação. Não há um momento de investigação e outro de interpretação e construção teórica, pois no campo surgem diversas reflexões que levam o pesquisador a construir novos momentos de interação e diálogo com o participante, que produzem novas zonas de sentido. Como destaca González Rey (2005b, p. 7):

O conhecimento é um processo de construção que encontra sua legitimidade na capacidade de produzir, permanentemente, novas construções no curso da confrontação do pensamento do pesquisador com a multiplicidade de eventos empíricos coexistentes no processo investigativo.

A Epistemologia Qualitativa e a Teoria da Subjetividade surgem dentro do paradigma da complexidade, tendo Edgar Morin (2011) como um de seus maiores difusores, ressaltando que o conhecimento é algo inacabado e passível de equívocos. Para Morin (2011, p. 59) “conhecer e pensar não é chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza”. Logo o conhecimento é algo passível de erro, mas que pode ser uma verdade dentro de um dado momento histórico. Mais do que encontrar verdades absolutas, é necessário que a ciência se nutra de teorias que a leve ao desenvolvimento. Aceitar as teorias como dogmas, verdades absolutas, é ir de encontro com a ideia de desenvolvimento da ciência. O conhecimento humano está em constante desenvolvimento, assim devemos sempre

considerá-lo em completude, situação em que as teorias desenvolvidas hoje servirão de base para o desenvolvimento de novas teorias. O que seria da física se Einstein enxergasse a teoria de Newton como verdade absoluta? Assim como Einstein não teria desenvolvido novas teorias se não fosse o conhecimento já construído por seus antecessores. É nesse sentido que defendemos uma metodologia construtiva-interpretativa, que tem na reflexão e interpretação do pesquisador sobre a realidade a construção teórica.

Nessa linha de pensamento, Morin (2011) destaca que a condição humana está marcada por incertezas e apresenta três princípios de incerteza no conhecimento:

- O primeiro é cerebral: o conhecimento nunca é um reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta risco de erro;

- O segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação;

- O terceiro é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza, em filosofia (a partir de Nietzsche), depois em ciência (a partir de Bachelard e Popper) (MORIN, 2011, p. 59).

Bachelard (2006, p. 15) também já havia dito que “o conhecimento do real é uma luz que sempre projeta alguma sombra. Nunca é imediata e plena. As revelações do real são sempre recorrentes. O real nunca é o que se poderia acreditar, sim sempre o que deveria ser pensado”.

Nietzsche (2005, p. 239) foi um grande crítico dos dogmas e do conhecimento como verdade absoluta, percebido em um dos seus grandes pensamentos: “Convicções são inimigas da verdade mais perigosas que as mentiras”.

Assim, destacamos a importância de uma metodologia que não tenha verdades absolutas estabelecidas a priori, mas que integre o conhecimento historicamente conhecido como fonte de reflexão no campo de trabalho. Para construir novos conhecimentos é necessário pensar o conhecimento como algo em constante construção.

A cientificidade de uma construção está definida por sua capacidade para inaugurar zonas de sentido que crescem e se desenvolvem diante dos desafios do avanço do modelo teórico em questão, em suas diferentes confrontações com o momento empírico, no curso de uma linha de pesquisa. Tal conceito de cientificidade deve ser separado, de uma vez por todas, da representação da pesquisa como conjunto de momentos ordenados em uma relação sequencial, invariável e rigidamente estruturada (GONZÁLEZ REY, 2005b, p. 81).

É nessa linha que a pesquisa com base na Epistemologia Qualitativa tem como forte característica a construção do conhecimento e da pesquisa no próprio trabalho de campo. O campo guiará o pesquisador, por meio da constante interpretação e criatividade deste. Assim,

“não existem regras universais nem a priori para a definição de indicadores, eles emergem dos significados que o pesquisador constrói dentro de conjunto infinito de expressões vivas que só tomam sentido no contexto em que aparecem” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2007, p. 111), igualmente “as hipóteses neste tipo de pesquisa não representam construções a priori para serem comprovadas, como acontece na pesquisa hipotético-dedutiva, mas os caminhos nos quais o modelo teórico vai ganhando capacidade explicativa” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2007, p. 111).

Para promover o diálogo necessário para construção de um modelo teórico lançamos mão do estudo de caso, essencial na Epistemologia Qualitativa, já que tem como princípio o singular como fonte de construção teórica. Assim, o estudo de caso foi um recurso utilizado dentro do processo construtivo interpretativo, permitindo uma análise mais profunda das subjetividades dos participantes. “O estudo de caso possibilita gerar integibilidade sobre a diversidade do singular com base no desenvolvimento de um modelo teórico” (GONZÁLEZ REY, 2011, p. 21).

Outro ponto importante a ser destacado na Epistemologia Qualitativa e na metodologia construtiva-interpretativa é que estas só existem dentro de uma pesquisa participante, onde a subjetividade do pesquisador e do participante protagonista fazem parte do processo investigativo, assim como a emersão de suas subjetividades. Mais do que respostas prontas, é importante que o espaço investigativo inspire os sujeitos a mobilizar sentidos subjetivos para melhor entendermos a subjetividade dos participantes.

Essa composição metodológica permitiu reflexões teóricas sobre as informações construídas no trabalho de campo, permitindo a construção de novos conhecimentos relacionados à aprendizagem matemática de crianças em situação de dificuldade de aprendizagem matemática em uma perspectiva da subjetividade, seja como processo cognitivo, seja como processo emocional, mas, acima de tudo, como complexo e dinâmico processo de articulação entre o pensamento e o sentimento em relação ao conhecimento matemático e suas aprendizagens.