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DIFICULDADES E CONTROVÉRSIAS NA DEFINIÇÃO DE ATENÇÃO

Allport (1993) ressaltou a confusão e a ambigüidade inerentes ao termo atenção e salientou que esse impasse está presente não só na definição mas também nas teorias psicológicas que procuraram discutir a função e atuação da atenção. Como exemplo dessa ambiguidade menciona o trabalho de Johnston e Darh (1986 apud Allport, 1993) que tenta separar as teorias atencionais entre aquelas que conceitualizam atenção como um agente causal, ou seja, como uma força interna que determina o que será percebido, e aquelas que a descrevem

como uma propriedade emergente, ou seja, como resultado ou advento do traba­ lho de um amplo sistema cognitivo.

M oray (1969 apud Eysenck e Keane, 1994) salientou que a atenção é, às vezes, utilizada para referência à capacidade de selecionar parte do estímulo para um processamento mais intenso; mas tem sido encarada ainda como sinônimo de concentração ou estado mental. Também, foi aplicada aos processos de busca em que se procura um alvo específico, e já foi sugerido que varia conjuntamente com o grau de alerta (por exemplo, o indivíduo sonolento está em estado de pouca vigilância e presta pouca atenção a seu meio ambiente).

Os mecanismos atencionais têm sido apontados como componentes es­ senciais para os processos cognitivos e/ou de aprendizagem. D ’Mello e Steckler (1996) defendem que “para um organism o aprender, ele deve ser capaz de perceber os estím ulos ambientais, realizar assocuições en tre esses estím ulos e arquivar inform ações rele­ vantes. No entanto, para associar estím ulos o organism o deve antes discrim inar a s diferen­ ça s en tre esses estím ulos, e para arquivar inform ações o organism o necessita prim eiram ente descodificar e alocar a inform ação em um a ou m ais das m uitas localizações neuronais. A eficiência do aprendizado depende de fa to res com o motivação, atenção, m em ória e experiência p révia” (p.345).

De fato, o determinante mais importante sobre se um sujeito aprende ou lembra de um evento é se ele atendeu ao mesmo quando de sua apresentação. M em ória e atenção estão tão intimamente correlacionadas que alguns autores (por exemplo, Fuster, 1995) chegam a defender que não sejam tratados como processos distintos, mas, sim, como aspectos distintos de um mesmo processo.

Disfunções na habilidade de detectar estímulos relevantes e processá-los e na habilidade de filtrar estímulos irrelevantes têm sido consideradas como alguns dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de desordens cognitivas como demência ou esquizofrenia (M uir, 1996).

A atenção é mais comumente utilizada para se referir à seletividade do processamento, e este foi o sentido enfatizado por Jam es (1890) em uma frase que já se tornou célebre nessa área de estudo - “Todos sabem o que é atenção. E tom ar posse da mente, de form a clara e vívida, de um dos que parecem se r vários objetos ou Unhas de raciocínios sim ultaneam ente possíveis. A essência da consciência é a focalizaçã o e a concentração. Isto im plica um retraim ento de algum as coisas para lidar de m aneira efetiva com outras” (p. 403-404). Dentro da mesma linha, Coull (1998) define atenção como “a alocação apropriada dos recursos de processam ento para estím ulos relevantes" (p. 344) e Rizzolatti et al. (1994) afirmam que “p resta r atenção é selecion ar pa ra p roces­ sam ento a d i c i o n a l (p. 232). A seleção pode ser de uma posição no espaço ou de uma característica física, como um som, uma cor ou uma forma particular.

Estévez-González et al. (1997) defenderam que “..a complexidade conceituai, neuroanatôm ica e neurofuncional da atenção fa z com que ela não possa se r reduzida a um a sim ples definição, nem esta r ligada a uma única estrutura anatôm ica ou explorada com um único teste” (p. 1989); e neste contexto propuseram que haveria, no sis-

ATENÇAO

tema nervoso, um terceiro sistema fisiológico, o atencional, além dos sistemas motor (eferente) e sensorial (aferente). Esses autores destacaram também o aspecto seletivo da atenção: “o indivíduo é 'bom bardeado' durante a vigília p or sinais sensoriais proveniented do exterivr e do interior do organism o; a quantidade de inform ação aferente excede a capacidade de noddo distem a para processá-la em paralelo, de modo que de fa z neceddário um m ecanú m o neuronal que regu le e foca liz e o organism o, selecionando e organizando a percepção e perm itindo que um estím ulo podsa dar lu gar a um 'im pacto', ou deja, que podda desenvolver um proceddo neural eletroquímico. Edde m ecanism o neuronal é a atenção..." (p. 1990).

Também de acordo com essa concepção, Phaf et al. (1990 apud Styles, 1997) definiram atenção como “o proceddo pelo qual um a abundância de ejtínm lod é ordenada e integrada dentro da rede de tarefas e atividades correntes; ela integra ad ativida­ des correntes e a inform ação recém chegada. Edda integração resulta na aparente seleção da inform ação” (p.275).

Um exemplo ilustrativo do uso do termo atenção para expressar o aspecto seletivo do processamento de informações é o chamado “efeito coquetel”. Estan­ do em uma festa ruidosa, rodeado por diversos estímulos sensoriais distintos, um indivíduo é capaz de direcionar a sua atenção para uma porção específica desse ambiente, podendo, assim, manter uma conversa com seu amigo ao mesmo tempo que descarta os outros estímulos presentes no ambiente.

Posner (1990 e 1995) ressaltou três principais funções do sistema aten­ cional: (a) orientação para estímulos sensoriais, (b) detecção de sinais para processamento consciente e (c) manutenção de um estado de alerta ou vigilân­ cia. gComplementarmente, Allport (1991) destacou o papel ecológico da aten­ ção enfatizando sua importância (a) no caso de um ambiente não totalmente previsível e/ou sujeito a mudanças bruscas; (b) para organismos com ampla gama de objetivos de ação, que portanto requerem definição de prioridades, importância ou urgência, e (c) no caso de organismos multifuncionais, como por exemplo o homem, cujos “sub-componentes” (órgãos sensoriais, efetuadores e subsistemas cognitivos) geralmente não estão unicamente vinculados a objetivos particulares ou a categorias específicas de açãoj Os sub-componentes, portanto, devem ser seletivamente engajados e coordenados para implementar ativida­ des ou objetivos particulares. Ainda segundo Allport (1991), muitas atividades guiadas perceptualmente precisam de tempo para sua complementação. Dessa forma, o engajamento atencional apropriado deve ser mantido durante o curso da atividade. Por outro lado, dado que eventos imprevisíveis podem ocorrer no ambiente, é vital que tal engajamento possa ser desviado para eventos internos ou externos em alteração. O problema crítico para o sistema atencional em or­ ganismos multifuncionais é, portanto, satisfazer dois requerimentos conflitantes: a necessidade de um engajamento atencional continuado contra a necessidade de sua interrupção. De acordo com Allport (1991), seres humanos e também outras espécies adotaram uma combinação de diversas soluções parciais. Entre elas (a)

controle préditivo da mudança atencional gerado internamente, (b) mudanças de engajamento atencional eliciadas externam ente e (c) combinações ativas dos itens anteriores, como ocorre em muitas formas de exploração e busca. Ou seja, isso represemaj uma função indispensável da atenção que é o contínuo monitoramento do ambiente (interno e externo) na verificação de alterações relevantes para o comportamento em curso. V

Van der Heijden (1992), no entanto, propôs que a função da atenção não estaria relacionada à seleção de informações mais relevantes a serem processa­ das, mas, sim, a uma promoção de respostas mais rápidas a estímulos ambientais potencialmente importantes. Segundo esse autor, “a fu n çã o principal da atenção ê a lgo parecido com prover ou m elhorar o ga n h o temporal. Os m ovim entos da atenção pa re­ cem esta r envolvidos na ordenação e estruturação da inform ação no tempo p or assegurar prioridades espaciais no espaço" (p .122). Essa formulação está associada aos estudos de cronometria mental aplicados à atenção, tendo Posner et al. como seus prin­ cipais representantes (ver adiante). A partir dos experimentos para investigar atenção encoberta (ver adiante), que verificavam o efeito benéfico, em termos de melhora no tempo de reação ao alvo, de uma pista que indicava o provável local de aparecimento do estímulo crítico, Van der Heijden (1992) levantou a questão sobre como uma pista poderia exercer este efeito ao preceder um alvo sendo que o próprio alvo é, por si só, um estímulo que naturalmente atrairia a atenção a si. A resposta que o autor considera razoável é que um evento visual de aparição abrupta recruta a atenção para seu local quase que imediatamente, mas não imediatamente, porque há um tempo mínimo para que a atenção seja atraída para lá.\A partir desse raciocínio, Van der Heijden (1992) concluiu que o problema básico com o qual o sistema nervoso central se depara é de priori­ dade temporal, ou seja, de organização das ações no tempo. A atenção atuaria seletivamente nesse domínio temporal. I

Apesar de podermos atender tanto ao ambiente externo (por exemplo, objetos ou locais) quanto ao interno (por exemplo, nossos pensamentos ou in­ formações arquivadas na memória), a maioria dos trabalhos sobre atenção tem se preocupado apenas com a atenção sobre o meio externo. Isso certamente se deve ao fato de uma maior facilidade de identificação e controle dos estímulos apresentados no ambiente externo, o que ainda não foi desenvolvido na mesma medida no que diz respeito aos determinantes internos da atenção.

Outra limitação verificada nos estudos de processos atencionais refere-se à modalidade sensorial. Teoricamente, podemos enfocar nossa atenção sobre qualquer uma das várias modalidades sensoriais (por exemplo, H yllard, 1985; Pardo e t al., 1991). Entretanto, na prática, quase toda a pesquisa sobre a atenção envolveu as modalidades visual ou auditiva, como será exposto a seguir.

A T E N Ç Ã O