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Flávia Heloísa Dos Santos

FUNÇÕES EXECUTIVAS

A sou rce m em ory refere-se ao conhecimento sobre a fonte de informação ou ao contexto em que a informação foi aprendida e é, portanto, parte da memória episódica, no entanto, esta habilidade é prejudicada em pacientes disexecutivos possivelmente por dificuldade para manter a seqüência temporal da informação (Shim am ura et aL, 1991). Pacientes disexecutivos demonstram também inabili­ dade para julgar a recência de uma dada informação; em outras palavras, para organizar e isolar eventos no tempo (M ilner, Corsi e Leonard, 1991).

Então, uma prim eira divisão dos lobos frontais é proposta e três regiões principais emergem: córtex pré-central, córtex pré-motor e córtex pré-frontal

(Brodal, 1984), as quais são brevemente caracterizadas no Quadro 2:

Quadro 2

Funções e desordens relacionadas aos lobos frontais

Áreas cerebrais

CÓRTEX PRÉ-CENTRAL

(córtex motor primário)

CÓRTEX PRÉ-MOTOR

(inclui área motora suplementar1 e área de Broca2)

CÓ R TEX PRÉ-FRONTAL

(inclui órbito-frontal e dorsolateral)

Funções Mediação de movimentos,

movimentação voluntária Integração de atos motores e seqüências aprendidas Planejamento e análise das conseqüências de ações futuras

Síndromes Síndrome motora rolândica Síndrome pré-motora Síndrome Frontal

Prejufzos por Lesões

• Redução da força e dos movimentos

• Paralisia de partes do corpo correspondentes • Diminuição da habilidade

para contrair músculos

• Habilidades motoras • Movimentos descontfnuos

ou Incoordenados • Interrupção da integração

de comportamentos motores de atos complexos

• Funções cognitivas • Afeto, humor • Comportamento social • Alterações de personalidade e conduta • Movimento

1 lesões nesta região podem cau sar mutismo acinétieo, afasia transcortical motora e prejuízo na execução de movimentos voluntários (movimentos finos das mãos, empobrecimento da fala espontânea).

2 corresponde às A reas de Brodmann (A B ) 4 4 e 45, que quando lesadas acarretam A fasia de Broca.

Conforme indicado no Quadro 2, o córtex pré-frontal (CPI’) estaria mais relacionado às funções executivas. Trata-se de uma região privilegiada que se comunica com todo o encéfalo, recebe aferências diretas e indiretas de áreas corficais ipsilátérais, bem como contralateráis por meio do cofpo cãlóso e tem como aferências subcorticaís: sistema límbico, sistema reticular, hipotálamo e sis­ temas neurotransmissores (Benson e M iller, 1997). Estas vias conferem ao CPF propriedades para integração entre o meio interno, via sistema límbico e meio externo, via áreas sensitivas de associação, controle de redes neuronais (Stuss e Benson, 1986), principalmente de áreas sensoriais posteriores (Mesulam, 1990),

NEUROPSICOLOGIA HOJE

bem como síntese entre as dimensões sentimento e razão (Damásio, 1996) na produção do comportamento. Estes pressupostos se basearam principalmente em estudos neuropsicológicos, neuroanatômicos e neurofisiológicos.

No entanto, as relações entre cérebro e comportamento trazem aspectos subjacentes que devem ser considerados. Primeiro, a complexidade hierárquica e estrutural dos lobos frontais p er de justificaria cautela quanto à associação de aspectos funcionais e neuroanatômicos. Segundo, danos em outras estruturas cerebrais podem acarretar alterações cognitivas e de comportamento semelhan­ tes às vistas em pacientes com lesões frontais (Baddeley e Delia Sala, 1998). Terceiro, as funções executivas não estão restritas aos lobos frontais — por exemplo, os lobos parietais participam da atenção espacial e do armazenamento fonológico. Além disso, os lobos frontais interagem com o hipocampo, o cerebelo e os gânglios da base, em cada caso servindo a aspectos específicos das funções executivas (Gazzaniga et al., 2002).

Finalmente, além das relações anatômicas entre o CPF e funções executivas, aspectos neuroquímicos devem ser considerados tanto durante o desenvolvimento cerebral e cognitivo quanto em patologias específicas como a Esquizofrenia, Parkinson e Alzheimer, entre outras. Sabe-se que, além da dopamina, outros neurotransmis- sores como noradrenalina, acetilcolina e serotomna podem influenciar funções regidas por estas regiões cerebrais (para revisão, veja Ellis e Nathan, 2001).

Considerados estes aspectos, pode-se, então, descrever as contribuições do CPF ao funcionamento das funções executivas. Este, por sua vez, também é divi­ dido em três porções: o CPF lateral (aspectos laterais das áreas 9-12, áreas 44 e 45 e porções superiores da área 47); córtex órbito-frontal (zona ventromediana, isto é, porção inferior da área 47 e partes mediais das áreas 9-12); e o cingulado anterior (AB 24, 25 e 32) (Gazzaniga et al., 2002). Veja Capítulo 3, Figura 14.

O CPF lateral é conceituado como um sistema operacional dinâmico e fle­ xível, capaz de representar informações, bem como prolongar esta representação por períodos maiores de tempo, pela interação entre o comportamento desejado com a informação perceptual e o conhecimento de longo prazo. Suas funções incluem seleção e amplificação de representações necessárias à tarefa, e ainda habilidade para ignorar distrações potenciais. Numa analogia de Patricia Goldman- Rakic, este sistema seria a “caixa.-preta da mente” (Gazzaniga e t al., 2002).

Processos assumidos como dependentes do executivo central, um dos componentes da memória operacional (Baddeley e Hitch, 1974), são tipicamen­ te associados com a ativação de regiões do CPF (N yberg e Cabeza, 2000). Por exemplo, Petrides e t al. (2002) demonstraram, pelo PET dcan (tomografia por emissão de pósitrons) em adultos, ativações em áreas específicas do CPF de acordo com as demandas das tarefas. Enquanto tarefas de “inspeção” — expec­ tativa frente a estímulos novos — ativaram a região órbito-frontal (AB 11 e 13), tarefas de “julgam ento” — decisão explícita quanto à familiaridade/novidade do estímulo, as quais implicam reconhecimento — ativaram a região ventrolateral

FUNÇÕES EXECUTIVAS

mesial (AB 47 e 12). Por outro lado, quando processos executivos como monito­ ração da ação em tarefas de auto-ordenação da informação estavam envolvidos, ocorria maior ativação da região dorsolateral mesial (AB 46, 9).

Quanto à lateralização da memória operacional nesta porção do CPF, duas hipóteses se configuram: 1) baseada em modalidades, pois informações verbais e vísuo-espaciais são respectivamente relacionadas aos hemisférios esquerdo e direito (Baddeley & Hitch, 1974); 2) baseada em processos, uma vez que, além de manter a informação relevante ativa, a memória operacional manipula esta in­ formação constantemente em função do comportamento intencional, o que pode ser visto em paradigmas para neuroimagem funcional como tarefas do tipo n-back (Braver et a i, 1997; M cAllister et al., 2001; DEsposito et a i, 1998).

Em tarefas n-back, respostas são requeridas apenas quando o estímulo (auditivo, visual ou espacial) é igual ao alvo apresentado “n” vezes atrás. Por exemplo, na seqüência de letras K ,S,K,M ,R,T,L,T,A,P, quando n=2 as letras em negrito correspondem às respostas esperadas do participante. Assim, o conteúdo da memória operacional precisa ser manipulado constantemente, pois o estímulo alvo é atualizado a cada item apresentado.

Pacientes com lesões no CPF lateral cometem freqüentemente erros de perseve- ração no Teste de escolha de cartões ( W ucoiuin ca/r) .jorting tedt), os quais são expli­ cados por dificuldades tanto para inibir elementos ou ações não relevantes que são automaticamente ativados quanto para selecionar o elemento ou a ação relevante.

Estes processos de inibir e selecionar são também utilizados no desempe­ nho da memória, bem como no comportamento em geral, e podem impedir pacien­ tes disexecutivos de sustentar um plano de ação também em situações cotidianas. Em geral, o comportamento intencional é hierarquicamente constituído de metas menores que conduzem ao objetivo fmal (Gazzaniga et al., 2002).

Para ir ao supermercado, por exemplo, o indivíduo precisa ser capaz de identificar as etapas (tais como, fazer a lista de compras, providenciar o dinheiro, escolher as mercadorias, efetuar o pagamento, transportar as compras e, por fim, guardá-las), antecipar possíveis eventos (se o banco ou o supermercado estarão abertos no horário planejado) e cumprir as etapas numa seqüência coerente (escolher as mercadorias no supermercado antes de retirar dinheiro no banco poderá trazer complicações).

A segunda área do CPF, o cingulado anterior, hipoteticamente trabalha como um sistema acessório que monitora a operação do CPF lateral, não como um homúnculo, mas como domínio de muitos sistemas funcionais. Esta região citoarquitetônica primitiva, que é parte do sistema límbico, auxilia a modulação da resposta autonômica em situações de dor ou medo.

Estudos com PET dcan, porém, demonstraram que esta região também contribui em tarefas de atenção dividida, por meio da alocação de recursos aten- cionais para estímulos novos (Corbeta et aí., 1991). O cingulado anterior teria ainda duas importantes funções: na primeira, atuaria como um sistema de moni-

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N E U R O P S ÍC O L O G IA H O JE

toração da atenção para detecção de erros de execução decorrentes de esquemas automáticos (por exemplo, fornecer o número antigo do telefone ou dirigir pela estrada de uso freqüente quando vai a outra direção). Na segunda, seria ativado em resposta a situações de conflito, tal como o desempenho no teste de Stroop, e, conseqüentemente, m odularia a ativação de outras áreas corticais. O cingulado pode ainda estabelecer uma representação (node) na memória operacional para sustentar as ativações que contêm informações semânticas de longo prazo sobre o significado de palavras recuperadas do córtex posterior.

Então, estas porções do CPF manteriam uma interativa comunicação: o CPF lateral resgataria informações armazenadas em outras regiões corticais, integraria propriedades destas informações em uma representação mental e poderia inibir aquelas menos relevantes. Paralelamente, o cingulado anterior mediaria as interações entre as memórias operacional e de longo prazo no comportamento intencional, sus­ tentaria a atenção em situações conflitantes e detectaria erros de execução.

Por exemplo, para relatar uma visita ao Cristo Redentor, no Rio de J a ­ neiro, informações como forma (temporal inferior), cores (têmporo-occipital) e localização (parietal) seriam carregadas na memória operacional, ou seja, no CPF lateral. Pouca ou nenhum dúvida seria gerada para responder à pergunta ‘‘Corcovado e Pão de Açúcar situam-se no Rio de Ja n e iro ?”, pois, ambos são pontos turísticos cariocas internacionalmente conhecidos. J á a questão “Cristo Redentor e Corcovado constituem um mesmo ponto turístico do Rio de J a ­ neiro?” poderia, a princípio, gerar conflito e, conseqüentemente, a ativação do cingulado anterior, que buscaria informações semânticas complementares para concluir que o Cristo Redentor está no alto do Corcovado.

A terceira divisão do CPF, a região órbito-frontal (ou ventromediana) relaciona-se ao comportamento socialmente orientado que se modifica em res­ posta às interações com outros e depende do afeto e das reações emocionais (Gazzaniga e t a i, 2002).

O primeiro caso descrito na literatura foi o de Phineas Gage, um capataz de construção civil que, aos 25 anos de idade, teve a base de seu crânio trespas­ sada por uma barra de ferro enquanto preparava explosivos para detonar uma rocha. A barra, apesar de sair pelo topo da cabeça em alta velocidade, lesou regiões anteriores do cérebro. Gage sobreviveu à lesão e, surpreendentemente, exibiu atenção, percepção, linguagem e inteligência preservadas. No entanto, a observância de convenções sociais e regras éticas foram drasticamente perdidas, assim como o sentido de responsabilidade perante si próprio e perante os ou­ tros.

A partir de fotografias do crânio de Gage, descrições da ferida e análises tridimensionais da trajetória da barra simuladas em computador, um século depois, Hanna Damásio et al. concluíram que a lesão ocorrera em regiões ventromedia- nas. Este caso e outros similares foram ricamente descritos por Antônio Damásio (1996), destacando que a ausência da emoção e de sentimentos pode destruir o raciocínio coerente e a capacidade de tomar decisões.

O capítulo 19 retoma as discussões sobre as três porções do CPF, enfatiza os circuitos a í originados e suas projeções p ara estruturas subcorticais privile­ giando as alterações evidentes na Doença de Parkinson.

AVALIAÇÃO E REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA